O texto de hoje é baseado no diálogo de Adorno e Becker, no livro Educação e Emancipação, organizado por Theodor Adorno.
Pode-se dizer que barbárie é um impulso para uma agressividade primitiva; um impulso à destruição ou falência da civilização. Mas a desbarbarização não significa elogio à moderação, restrição das agressões fortes ou eliminação da própria agressão. Absolutamente. “Como poderia amar o bem se não odiasse o mal?” (Strindberg).
A violência pode ser um sintoma da barbárie, mas não precisa necessariamente sê-lo. Barbárie existe em toda parte em que há uma regressão à violência física, primitiva, sem que haja uma vinculação transparente com objetivos racionais na sociedade; onde exista, portanto, a identificação com a erupção da violência.
Em circunstâncias em que a violência conduz inclusive a situações bem constrangedoras, em contextos transparentes para a geração de condições humanas mais dignas, ela pode não ser condenada como barbárie. Não é barbárie a demonstração de jovens ou adultos, baseada em considerações racionais, ainda que rompa os limites da legalidade. Pode ser um agir político refletido, deliberado, enfim, uma luta por inclusão, melhores condições; quem sabe contra um ato autoritário de um governo protofacista.
O exagero da intervenção do Estado contra manifestações políticas construtivas, aí sim é barbárie. Abuso de poder e autoridade é barbárie! Inclusive é uma chaga que assola o Brasil.
Contudo, as reflexões e a racionalidade por si só não constituem provas contra a barbárie (a exemplo de apertar o botão, num Estado tecnocrata, que, deliberadamente, matará pessoas do outro lado do mundo). A reflexão pode servir tanto à dominação cega como ao seu oposto. As reflexões precisam, portanto, ser transparentes em suas finalidades.
Competição. Quando não balizada em formas muito flexíveis, e que acabem rapidamente, a competição representa em si um elemento de educação para a barbárie. O ensino que não se realiza em formas mais humanizadas, de maneira alguma proporciona o fortalecimento do instinto de competição. Quando muito, é possível educar, desta maneira, esportistas, mas não pessoas desbarbarizadas. É preciso desacostumar as pessoas de se darem cotoveladas. Cotoveladas constituem, sem dúvida, uma expressão da barbárie. Eis, muitas vezes, o que faz a competição! Já viram a violência que acontece nos estádios de futebol? Quantos atos de vandalismo já vimos ocorrer? As pessoas precisam ser educadas para compreenderem que esporte não pode ser tratado como guerra, mas como uma competição. O adversário não é inimigo, apenas um adversário.
Mas o esporte tem esse caráter ambíguo: por um lado, ele pode ter um efeito contrário a barbárie e ao sadismo, por intermédio do fair-play, do cavalheirismo e do respeito pelo mais fraco. Por outro, também promove a brutalidade, caso, principalmente, dos espectadores
https://observador.pt/2022/03/06/mortes-nao-confirmadas-familias-a-fugir-varios-espancamentos-a-tragedia-que-envergonha-o-mexico-e-suspende-o-futebol/
Freud fundamentou, de um modo essencialmente psicológico, a tendência à barbárie mostrando, por exemplo, que por intermédio da cultura as pessoas continuamente experimentam fracassos, desenvolvendo sentimento de culpa subjacentes que acabam se traduzindo em agressão.
Mas Adorno fala em razões objetivas da barbárie. A falência da cultura. Ela acabou dividindo os homens, a exemplo do trabalho físico e intelectual. E essa divisão criou uma descrença na própria função da cultura (em tese, um espaço que deveria ter por finalidade o aperfeiçoamento da convivência). A descrença na promessa da cultura levou as pessoas à inação, a uma passividade frente ao horror.
Com a educação contra a barbárie no fundo não pretendo nada além de que o último adolescente do campo se envergonhe quando, por exemplo, agride um colega com rudeza ou se comporta de um modo brutal com uma moça; quero que por meio do sistema educacional as pessoas comecem a ser inteiramente tomadas pela aversão a violência física (p.164).
Somente quando formos exitosos no despertar desta vergonha, as pessoas serão incapazes de tolerar a brutalidade com os outros. O sentimento da vergonha deve começar desde a pré-escola. O importante é deixar as agressões se expressarem nesta idade, mas ao mesmo tempo iniciar a sua reelaboração.
A perpetuação da barbárie na educação é mediada essencialmente pelo princípio da autoridade, uma autoridade não esclarecida, não construtiva. Significa dizer que:
Determinadas manifestações de autoridade, que assumem um outro significado, na medida em que já não são cegas, não se originam do principio da violência, mas são conscientes, e, sobretudo, que tenham um momento de transparência inclusive para a própria criança; quando os pais "dão uma palmada" na criança porque ela arranca as asas de uma mosca, trata-se de um momento de autoridade que contribui para a desbarbarizacao (p.166).
Para os autores, por fim, é na primeira infância que a criança não pode ser nem submetida autoritariamente à violência, e muito menos se sentir insegura, sem orientação. A desbabarização precisa ser acompanhada desde o início.
Determinadas manifestações de autoridade, que assumem um outro significado, na medida em que já não são cegas, não se originam do princípio da violência, mas são conscientes, e, sobretudo, que tenham um momento de transparência inclusive para a própria criança; quando os pais "dão uma palmada" na criança porque ela arranca as asas de uma mosca, trata-se de um momento de autoridade que contribui para a desbarbarização (p.167).
Referência.
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
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