O cinema, assim como a música, tem o poder único de moldar o tempo. Enquanto assistimos a um filme, nossa percepção da passagem do tempo é manipulada, não apenas pela montagem e os movimentos de câmera, mas também pela trilha sonora que o acompanha. Esse diálogo entre imagem e som pode transformar completamente a experiência emocional de quem assiste, criando uma nova relação entre o tempo e a narrativa.
Cineastas como Andrei Tarkovsky, Stanley Kubrick e Christopher Nolan são mestres na arte de “esculpir o tempo”. Tarkovsky, por exemplo, acreditava que o cinema deveria ser uma meditação sobre a existência. Para ele, o tempo não era apenas uma linha contínua dividida em “três atos”, mas algo que podia ser dilatado, suspenso e fragmentado. Em seus longos planos contemplativos, o espectador é convidado a sentir o tempo de forma quase tangível, como se cada segundo tivesse um peso emocional. Entre os exemplos de seu trabalho que eu gosto de usar como referência dentro desse tema, incluem “Solaris” (1972) e “O Sacrifício” (1986).
A música entra como uma ferramenta poderosa nesse processo. Não se trata apenas de um acessório para acompanhar a imagem, mas de um elemento que pode transformar a nossa experiência do tempo no cinema. Quando utilizada de maneira sábia, a trilha sonora não só intensifica as emoções, mas também distorce a própria sensação de tempo.
Em “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968), Stanley Kubrick usa a grandiosidade da música clássica, como “Danúbio Azul” de Johann Strauss, para dar ao espaço sideral uma dimensão quase infinita. Cada movimento da nave, cada cena do cosmos, é amplificada pela música, e o tempo parece se alongar, criando uma sensação de eternidade. Kubrick usa a música não para apenas preencher as cenas, mas para moldar nossa percepção do tempo.
No filme “O Iluminado” (1980), Kubrick, explora esse recurso através da trilha sonora concebida pelas musicistas Wendy Carlos e Rachel Elkind. Criando através das músicas e cenas exibidas uma sensação de crescente ansiedade, alterando nossa percepção do tempo, onde poucos segundos parecem uma eternidade, acentuando o terror psicológico.
Um exemplo moderno é “Dunkirk” (2017), de Christopher Nolan, onde a trilha sonora de Hans Zimmer incorpora o efeito “Shepard Tone”. Esse recurso cria a ilusão de uma constante elevação de tensão sonora, sem nunca alcançar um clímax, o que faz com que o tempo pareça nunca acabar, ampliando o suspense e a ansiedade. Aqui, a música se torna uma ferramenta narrativa tão importante quanto os próprios eventos na tela, esculpindo o tempo e a experiência sensorial.
Hayao Miyazaki, o mestre da animação japonesa, também esculpe o tempo de maneira singular, frequentemente inspirado pela filosofia Taoísta e pelo misticismo. Em filmes como “A Viagem de Chihiro” (2001) e “Meu Amigo Totoro” (1988), a música de Joe Hisaishi se entrelaça perfeitamente com os cenários naturais e as atmosferas mágicas, criando uma experiência de tempo fluido e contemplativo.
Miyazaki explora o conceito de “Ma” — o intervalo, o vazio. Esse silêncio entre os sons e os momentos de quietude nas imagens permite ao espectador não apenas observar, mas realmente habitar o tempo e o espaço do filme. A música e os sons da natureza em suas animações são usados para amplificar esses momentos, criando uma sensação de que o tempo está vivo, respirando, e não simplesmente passando.
Essa relação entre cinema, música e tempo é o que faz do cinema uma arte tão completa e envolvente. Não é apenas uma questão de contar uma história, mas de como o tempo é manipulado e moldado pela música e pelas imagens, criando um diálogo dinâmico entre o que vemos e o que ouvimos.
A verdadeira mágica do cinema acontece quando imagem e som se unem para transcender o tempo linear e nos fazem sentir o momento — ou estendê-lo, por minutos ou uma eternidade.
Um diálogo entre o ver e o ouvir, que no cinema transcendem o tempo. Um belezura!