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Foto do escritorMarcos Antônio Lima

FANATISMO EM ALTA: Torcidas de reality shows refletem a cultura da obsessão em nossos comportamentos



Gostaria de iniciar dizendo que o objetivo deste texto não é fornecer uma definição precisa de fanatismo, tampouco julgar as preferências de torcidas específicas. Afinal, entendo que o conceito de fanatismo é bastante amplo e pode ser aplicado a diversas pessoas e em diversos contextos, inclusive a mim mesmo. No entanto, a forma como as torcidas do #bbb23 se comportam pode trazer algumas reflexões sobre a nossa sociedade como um todo, uma vez que apresentam elementos que podem ser observados no cotidiano.


É incontestável que o Big Brother Brasil desfruta de uma audiência significativa em solo brasileiro. Com a popularização das mídias sociais e a crescente queda da audiência da televisão convencional, o BBB tem assumido o protagonismo na programação da Rede Globo, que é a segunda maior emissora mundial. Com isso, o programa se tornou uma das principais fontes de receita para a empresa, representando um papel crucial para o seu balanço financeiro anual. Os patrocinadores só investem por causa do público e da resposta e, nesse caso, investem muito porque o público e o engajamento são bons.


Apesar da queda na audiência desde o pico registrado durante o auge da pandemia da Covid-19 e a quarentena, o Big Brother Brasil continua atraindo um público considerável. Nas redes sociais, as torcidas rivalizam incessantemente, movimentando o jogo e gerando grande visibilidade para o programa. Tamanho é o impacto que diversos comentaristas alcançam seus melhores desempenhos nas redes sociais durante o programa. Entre os mais famosos, destacam-se a Web TV Brasileira e Chico Barney, que dedicam horas do seu dia produzindo conteúdo sobre o tema.


Não é minha intenção entrar na polarização que classifica o Big Brother Brasil como um programa de qualidade questionável. Essa dicotomia de "bom" ou "ruim" é viciosa e não nos ajuda a entender a realidade do programa, que existe e é importante para muitas pessoas. Há uma série de fatores que podem ser discutidos e analisados, a começar pelo próprio formato que reúne indivíduos distintos em um ambiente isolado, gerando conflitos e situações inesperadas. É preciso destacar que, em meio a essas dinâmicas, questões sensíveis como o racismo, o machismo e o preconceito etário foram abordados e debatidos no programa, alcançando uma audiência significativa na televisão aberta brasileira. No entanto, é importante notar que a abordagem desses temas precisa ser mais madura e aprimorada, evitando estereótipos e visões superficiais, mas ao contrário de outras edições, pelo menos os assuntos não são tão negligenciados como antes.


Acredito que a forma como as pessoas se envolvem, avaliam e interagem com o BBB pode fornecer informações relevantes para refletir sobre os valores e comportamentos da sociedade contemporânea. Cada torcida e cada voto expresso no programa reflete uma perspectiva e uma atitude, mesmo que não possamos realizar uma análise completa e precisa devido a diversos fatores complexos envolvidos. No entanto, podemos questionar o que esses comportamentos revelam sobre como as pessoas percebem e reproduzem questões como racismo, machismo e outras formas de opressão. As disputas acaloradas entre torcidas, os comentários nas redes sociais e a atenção dedicada ao programa podem nos fazer pensar sobre as preocupações e valores predominantes na sociedade brasileira contemporânea.


Acredito que uma observação importante a ser feita é que, ao longo das diversas edições do BBB, é possível perceber uma tendência dos participantes que são escolhidos pelo público estarem alinhados com a ideia de autenticidade e culto à personalidade, conforme discutido por teóricos e teóricas da sociologia contemporânea. Essa tendência pode ser observada em diferentes edições: na edição em que há muitos participantes julgadores, aquele que parece julgar menos ganha destaque. Na edição em que as pessoas estão preocupadas em serem canceladas, o participante que mais se dispõe a jogar acaba sendo o escolhido. Já na edição em que há muitos participantes que se destacam por sua excentricidade e “escandalosidade”, quem acaba ganhando é aquele que é mais quieto e fala menos. Tudo isso porque, em cada uma dessas situações, os participantes são vistos pelo público como mais autênticos e diferenciados dos demais.


Esse ponto é realmente interessante para reflexão sobre a nossa realidade atual. A busca pela autenticidade, como muitas vezes é vista no BBB, pode ser prejudicial quando consideramos que, na política, por exemplo, a pessoa que aparenta ser a mais autêntica pode ser aquela que defende opiniões baseadas em teorias conspiratórias, ou que têm posturas racistas, machistas ou antidemocráticas. Essa busca pela autenticidade, sem crítica, pode levar à legitimação de posturas opressivas, ao invés de incentivar a crítica e reflexão sobre tais questões. Esse é apenas um ponto, dentre vários que podemos discutir através do BBB, mas voltemos à ideia de fanatismo.


O pesquisador Carlos Augusto Ferrari Filho afirma que o fanatismo pode ser uma forma de defesa contra a angústia e o sofrimento, onde o indivíduo se identifica com um ideal ou figura que lhe oferece segurança e proteção. Entretanto, esse processo pode levar à perda de individualidade e à submissão a um líder ou causa, gerando um comportamento potencialmente violento e intolerante. Segundo o autor, o ódio, o narcisismo e o sadismo estão intrinsecamente relacionados ao fanatismo, e são gênese do fenômeno.


De acordo com as palavras de Filho (2019), "O que o fanático ama é a ausência das diferenças. Enquanto o outro é visto como sua extensão narcísica, o fanático derrama-se em cuidados e atenção, mas, logo que a alteridade é percebida, sente explodir em si o desejo de aniquilamento desse outro" (p. 101). Diante disso, é válido questionar como as torcidas do BBB têm se comportado.


Pelo que se pode observar nas redes sociais e na mídia, as torcidas do Big Brother Brasil têm se organizado de forma bastante intensa e movimentada. Antes mesmo do programa começar, muitas pessoas já escolhem um favorito e se dispõe a defendê-lo (a), independentemente do que aconteça. Nos últimos três anos, a pessoa favorita costuma se manter nessa posição desde o primeiro mês do programa, o que é surpreendente, dadas as dinâmicas e reviravoltas que ocorrem no jogo ao longo de três meses.


Ao escolher um favorito, as pessoas que jogam junto com ele se tornam automaticamente "boas", enquanto os adversários são rotulados como "maus". Isso leva à produção de narrativas, vídeos recortados e até mesmo desinformação e fakenews sobre os outros participantes, tudo em nome de convencer a audiência de que o seu favorito é o melhor.


Além do fervor em torno de seus favoritos, tem sido comum observar um comportamento agressivo e sistemático por parte das torcidas contra os oponentes de seus favoritos, chegando ao extremo de atacar até mesmo familiares dos participantes. Esse fenômeno é preocupante e merece atenção, pois não se limita apenas ao âmbito do reality show, mas reflete um cenário mais amplo de polarização e intolerância na sociedade. O anonimato proporcionado pela internet é um fator que pode contribuir para esse comportamento, permitindo que as pessoas se sintam impunes para agir de maneira agressiva e desrespeitosa. É importante destacar que essa dinâmica não é exclusiva do Big Brother Brasil, mas se assemelha a discussões políticas e eleitorais, em que as diferenças são exacerbadas e as pessoas são tratadas como inimigas a serem aniquiladas.


Observando os comportamentos citados, facilmente comprovados através da leitura de comentários em redes sociais, podemos perceber que o fanatismo tem se tornado cada vez mais presente. Será que isso se deve à potencialização desse fenômeno pelas redes sociais ou à naturalização desse tipo de comportamento? Essa é uma questão que merece ser investigada. Em uma live recente sobre reality shows, um dos participantes afirmou que é preciso acabar com a "fãdorização" de tudo, o que parece estar acontecendo, com as pessoas se tornando mais propensas a polarizar tudo, não sendo mais suficiente apenas gostar de uma celebridade, político ou participante de programa de TV. É como se fosse necessário ser fã, rivalizando com outros indivíduos para demonstrar sua devoção. Esse cenário é preocupante.


No entanto, é importante destacar que nem todos os comportamentos dos torcedores podem ser considerados fanáticos, e que essa análise deve ser feita com cautela, evitando generalizações. Além disso, é importante pensar sobre as possíveis causas do fanatismo, como a busca por segurança e proteção em um mundo incerto e complexo, e como a sociedade pode lidar com essa questão de forma mais consciente e saudável. O BBB pode servir como um espelho para a sociedade, permitindo-nos refletir sobre nossos valores e comportamentos, incluindo o fanatismo.


Em suma, é evidente que estamos vivenciando uma sociedade cada vez mais polarizada e intolerante, em que a "fãdorização" parece alimentar o fanatismo e a rejeição da crítica. Esse comportamento tem se disseminado em todas as esferas da vida social, incluindo a política, a cultura popular e os reality shows. É preocupante observar que existe uma tendência em demonizar e rivalizar com aqueles que não compartilham da mesma opinião ou preferência. Portanto, é imprescindível que sejam desenvolvidos mecanismos de proteção contra o ódio e a violência gerados pelo fanatismo, a fim de minimizar os seus efeitos negativos e evitar, ainda mais, a normalização de tudo isso.


FONTE:


FERRARI FILHO, Carlos Augusto. Fanatismo, ódio e narcisismo de morte. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 53, n. 1, p. 93-106, 2019. Disponível em: http://www.pepsic.bvsalud.org/pdf/rbp/v53n1/v53n1a08.pdf. Acesso em: 21 abr. 2023.


MILLAN, Marília Pereira Bueno. Reality shows: uma abordagem psicossocial. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 26, n. 2, jun. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/a/w34tvYn3DcPSyM4sPfnmFhM/. Acesso em: 21 abr. 2023.


SANTOS, Arcângela Rocha Mota. OITO ANOS DE BIG BROTHER BRASIL Um olhar sobre a estrutura e as mudanças na dinâmica do reality show. Monografia (Bacharel em Comunicação Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/2792/1/ASantos.pdf. Acesso em: 21 abr. 2023.


IMAGEM: Encena Saúde Mental (https://encenasaudemental.com)



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carlosobsbahia
carlosobsbahia
23 abr 2023

Muito boa sua análise! Pegando um programa de grande audiência para chamaratenção sobre essa polarização nociva e perigosa que se manifestou pela sociedade. Excelente texto!

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Marcos Lima
Marcos Lima
11 jul 2023
Contestando a

Muito obrigado pelo seu comentário, Carlos. Nós, que somos formados em ciências humanas, como sociologia, antropologia e ciência política, tendemos a questionar e problematizar tudo. É importante praticarmos isso, fazendo analogias com coisas muito populares, para alcançar as pessoas e incentivar a reflexão sobre como essas questões se manifestam em outras situações da nossa vida e como influenciam nossa realidade. Acho o tema do fanatismo muito interessante e intrigante, porque está presente em nossa realidade. Além disso, a cultura dos reality shows está se popularizando em todos os aspectos da nossa vida. De acordo com alguns autores que pensam da mesma forma, é algo que merece nossa atenção. Um abraço!

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