Se para uma mulher adulta a vivência de uma relação abusiva pode deixar marcas para toda a vida, imagine lidar com isso na adolescência, quando não há qualquer maturidade mental, física ou emocional? Esse é o tema do texto e quem vai me ajudar a falar sobre o assunto são duas divas do pop mundial: Taylor Swift e Demi Lovato.
Taylor e Demi tiveram experiências semelhantes nos anos 2000, um tempo em que não era conversado/questionado as minúcias do machismo, incluindo a relação entre homens mais velhos e garotas muito novas, incluindo adolescentes. De fato, na época, sair com um homem maduro, sendo uma jovem garota, era motivo de orgulho e de ganhar pontos no mecanismo de rivalidade feminina que dominava os ambientes juvenis. Por isso, você pode achar facilmente notícias super normais e nada questionadoras delas duas com seus namorados na época, o cantor Jonh Mayer (ex- da Taylor) e o ator Wilmer Valderrama (ex- da Demi). E as idades? John tinha 32 anos e Taylor, 19. Wilmer, 29 anos, Demi, 17.
Demi teve uma relação longa com Valderrama, totalizando seis anos, que foram descritos por ela, na época, como algo especial que a ajudou bastante a enfrentar sua batalha diária com vícios. Já Taylor teve uma relação bem mais curta, de cerca de 3 meses, mas o padrão de se relacionar com homens bem mais velhos se repetiu. Aos vinte anos, ela namorou o ator Jake Gyllenhaal que tinha, naquele momento, quase trinta anos. Ambas lançaram em 2022 músicas autorais que falam da experiência com essas relações e agora a mídia e a sociedade, como um todo, entenderam o nível de absurdo que até poucos anos atrás era normalizado. A música da Demi é “29” e da Taylor é a “Would've, Could've, Should've”.
Além do fato de falarem de relações desiguais em maturidade, existem muitas outras semelhanças nessas canções. As duas as escreveram na mesma idade que seus abusadores tinham na época do relacionamento (29 e 32), trazendo esse sentimento de, ao chegar nessa idade da vida adulta, entender o que realmente havia acontecido com elas e quão absurdo é uma pessoa com essa idade cogitar relacionamentos com adolescentes. As músicas têm esse tom de ironia, sobre como chegou a vez delas contarem seu lado da história, uma versão nada romântica, entrelaçada pelo controle e abuso de homens que conseguiam manipular meninas mais jovens e eram bem conscientes do que estavam fazendo.
Comentando alguns trechos, vamos entender melhor sobre o assunto. Demi afirma na canção que “Jamais passaria na sua mente” estar com alguém tão novo e, por isso, ela não os enxerga como um casal, mas como “o professor e a estudante”, deixando claro que havia um desequilíbrio de poder na relação. Taylor coloca como John, sendo adulto, não deveria ser recíproco ao encantamento dela, fruto de uma visão de uma menina sobre um homem mais velho (“Eu gostaria que você tivesse me deixado imaginando”). Cabia a pessoa mais velha estabelecer os limites e não se aproveitar da situação, como Demi diz: “Os números te disseram não, mas isso não te parou”.
As cantoras entendem que, no jogo de sedução, eles se aproveitaram da sua inocência e fizeram com que elas se sentissem importantes (Tay diz: “Você me fez me sentir importante” e Demi: “Parecia que estava vivendo um sonho de menina”), bem no jeito que comentei anteriormente sobre como uma adolescente, naquela época, se sentia especial por ser escolhida por um homem mais velho. Só que aquilo não era saudável e nem seria duradouro, pois seria uma relação marcada pelo controle deles sobre a vida dessas garotas. Como Taylor afirma: “Depois você tentou nos apagar” e Demi canta: “Você me tinha em suas mãos”.
Para elas, viver essa experiência foi um processo traumático e ambas canções surgem com esse peso de reviver uma situação do passado que as colocaram em um ciclo de dor, raiva e arrependimento. A canção da Taylor, em especial, carrega muita aflição. Ela fala que imagina como seria sua vida se não tivesse encontrado o John e se sente torturada pelas memórias. Ela canta: “E agora que sou adulta / Tenho medo de fantasmas / As lembranças parecem armas”. Demi retrata sua dor pela ira e diz: “Me tinha em suas mãos, combinou direitinho com / Todos os meus problemas paternos, e a merda continua (...) Talvez agora isso não importe / Mas eu entendo essa porra melhor / Agora eu entendo essa porra melhor”.
Não há detalhes sobre o que ou como fizeram, mas é certo que esses dois homens adultos marcaram negativamente suas vidas e elas, por muito tempo, carregaram a sensação de se sentirem culpadas por essa escolha. Taylor inclusive afirma: “Se ao menos eu tivesse sido cuidadosa”, mas logo adiante ela diz, “Se você nunca tivesse me tocado, eu teria / Me comportado do jeito certo”. Ou seja, ela sai desse lugar de auto-martírio para reconhecer que a responsabilidade era do homem adulto na relação. Isso acontece especialmente pelo fato das cantoras chegarem na mesma idade de seus abusadores e entenderem que não havia qualquer maturidade da parte delas para entender o que estava acontecendo. Por isso, cabia a eles terem noção da situação e rejeitarem qualquer tipo de relação amorosa ou sexual com meninas adolescentes.
Para fechar, quero apontar o trecho de cada uma das músicas que mais me marcou. Na da Taylor, no ápice da canção, ela diz: “Devolva minha meninice / Antes, ela era só minha”, que pode ser interpretado como a possibilidade de sua primeira relação sexual ter sido com Jonh Mayer ou, na maneira que entendo, dele não ter respeitado o tempo dela de explorar sua sexualidade. Acho isso muito forte, porque talvez ela não tenha dito “não” a ele ao longo da relação, mas talvez seu corpo, seus gestos e outros sinais mostravam seu incômodo por ainda não saber lidar com suas próprias vontades. Essa questão casa com o trecho da música da Demi que mais me impactou. Ela diz: “Que porra é consentimento?”, revelando que Valderrama pode alegar que a relação com ela foi consentida. Mas será? Quando uma garota ainda não desenvolveu autonomia suficiente sobre o que quer em relação ao seu corpo, podemos dizer que ela está ciente da decisão de ter uma relação sexual?
No final das contas, ambas cantoras querem deixar claro para nós que não há como normalizar relações de homens mais velhos com meninas adolescentes. Elas se mostram como provas vivas dos danos que isso causa às emoções, ao psicológico e até a condição física. Mesmo após quase quinze anos da experiência que viveram, Taylor e Demi revelam a dor, a angústia e tristeza que carregam por saberem que foram manipuladas e abusadas em uma relação que se vestia de romantismo. Eu, particularmente, agradeço muito a elas por dividirem suas vulnerabilidades e me mostrarem que precisamos proteger, com educação e inteligência, nossas meninas adolescentes.
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Poisé,Karla,se tornou um grande clichê homens mais velhos com novinhas,algo como citado no texto relação professor-aluna. E é importante sim cantoras pop cantarem os dissabores em um relacionamento como esse. Resta saber o quanto o público feminino se liga nisso,pois os critérios de envolvimento muitas vezes não são simples assim a ponto de um grande sucesso se tornar um ponto de reflexão fundamental