JUNHO, ORGULHO E RESISTÊNCIA: entre conquistas jurídicas e a violência digital contra a comunidade LGBTQIAPN+
- Nieissa Pereira
- 22 de jun.
- 4 min de leitura

Junho é mais do que um mês de celebrações coloridas e campanhas publicitárias repletas de arco-íris. Ou, ao menos, deveria ser. Nos últimos anos, o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+ vem se consolidando como um período de afirmação política, de luta social e de memória coletiva para a população LGBTQIAPN+. É um tempo que carrega o peso histórico do que aconteceu em Stonewall, das vidas interrompidas pela intolerância e das incontáveis batalhas travadas em nome da dignidade, do respeito e dos direitos fundamentais.
No entanto, neste ano de 2025, o que se percebe é um esvaziamento preocupante das campanhas publicitárias voltadas para a visibilidade LGBTQIAPN+. Empresas que, em anos anteriores, aproveitaram o mês de junho para associar suas marcas ao discurso da diversidade, este ano se calaram. O que antes era visto por alguns como “pink money” – a exploração comercial da luta LGBTQIAPN+ – agora dá lugar ao silêncio estratégico, reflexo de um ambiente político e social cada vez mais hostil à diversidade. É a retirada silenciosa das marcas que, diante de pressões conservadoras, preferem não se posicionar, reforçando o ciclo de invisibilidade e exclusão que essa comunidade historicamente enfrenta.
Em meio a esse cenário de ausência de visibilidade, o dia 13 de junho permanece como um marco incontornável. Nesta data, em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a homofobia e a transfobia deveriam ser enquadradas como crimes de racismo, nos termos da Lei nº 7.716/1989. Foi uma vitória histórica, fruto de décadas de mobilização de movimentos sociais e da sociedade civil organizada.
No entanto, a decisão do STF, embora emblemática, nasceu da omissão persistente do Congresso Nacional, que até hoje não se comprometeu a produzir uma legislação específica para combater a violência contra pessoas LGBTQIAPN+. Trata-se de uma solução judicial emergencial, que não supre as inúmeras lacunas legislativas e que, na prática, enfrenta resistências em sua efetiva aplicação por delegados, promotores e juízes em diferentes partes do país.
Se a violência física e institucional já era uma ferida aberta, a era digital trouxe novos campos de vulnerabilidade para a população LGBTQIAPN+. A internet, que deveria ser um espaço de expressão, inclusão e construção de redes de apoio, tem se tornado um território hostil, onde o ódio encontra terreno fértil para crescer. Os crimes digitais contra pessoas LGBTQIAPN+ assumem formas variadas e cruéis: discurso de ódio, ameaças de violência física, cyberbullying, prática de outing (exposição pública da orientação sexual ou identidade de gênero sem consentimento), vazamento de imagens íntimas, deepfakes com conteúdo humilhante ou sexualmente explícito e até o doxxing — divulgação de dados pessoais com o claro intuito de provocar perseguição e violência.
A resposta institucional a esses crimes, infelizmente, ainda é tímida e insuficiente. As plataformas digitais mostram lentidão na remoção de conteúdos ofensivos, os processos de denúncia são burocráticos e confusos e a responsabilização dos agressores é rara. As delegacias de crimes cibernéticos são poucas, mal equipadas e os profissionais muitas vezes não estão preparados para acolher as vítimas LGBTQIAPN+, que acabam revitimizadas durante o processo de denúncia e investigação. Além disso, o Marco Civil da Internet, embora seja um importante marco jurídico para a proteção de direitos na esfera digital, carece de regulamentações mais específicas para lidar com o crescente fenômeno dos crimes de ódio virtuais.
O silêncio de parte da mídia, de empresas e de instituições durante este mês de junho só reforça a urgência de uma resposta coletiva. Celebrar o orgulho não pode ser apenas uma ação de marketing esporádica e conveniente. O orgulho LGBTQIAPN+ é um ato político de resistência, que exige compromisso durante o ano inteiro, e não apenas durante 30 dias. A luta contra a homotransfobia, seja nas ruas, nas escolas, no ambiente de trabalho ou no mundo digital, é uma responsabilidade social que não pode ser negociada diante de pressões de setores conservadores.
Junho deve continuar sendo um chamado à ação. Um período para lembrar que a homotransfobia é crime, que o silêncio institucional e comercial também mata, e que as vítimas da violência digital precisam de proteção efetiva. É fundamental que o Legislativo, o Judiciário e o Executivo avancem na criação de políticas públicas robustas, na capacitação de servidores públicos e no fortalecimento da legislação penal, de forma a garantir que os direitos fundamentais da população LGBTQIAPN+ sejam protegidos não só no papel, mas na vida real – física e digital.
Em tempos de retrocessos sociais e avanço de discursos de ódio, o orgulho é, acima de tudo, resistência. Que junho sirva de lembrete de que ainda há muito a ser feito. Que a ausência das campanhas não silencie as vozes de quem, todos os dias, precisa lutar simplesmente para existir.
___________________________
Link da imagem: https://www.revistacapitaljuridico.com.br/post/direitos-e-conquistas-juridicas-da-populacao-lgbtqiapn
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF e Mandado de Injunção nº 4733/DF. Rel. Min. Celso de Mello. Brasília: STF, julgado em 13 jun. 2019. Disponível em: https://portal.stf.jus.br. Acesso em: 22 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 06 jan. 1989.
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 24 abr. 2014.
MELLO, Patrícia Peck Pinheiro de. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
PENIDO, Carolina Cabral. Crimes digitais e discurso de ódio: desafios para a proteção de minorias na internet. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 30, n. 174, p. 179-202, 2022.
SILVA, Maria Betânia Ramos da. Cibercrime e discriminação: o impacto da violência digital contra pessoas LGBTQIA+ no Brasil. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 1543-1566, 2021.
Causas importantíssimas e urgentes, mas que estão longes de serem firmadas como Leis, infelizmente é contar com a boa fé dos juízes e as jurisprudências, quando elas existem.