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Foto do escritorLaís Albuquerque

MOVIMENTO FEMINISTA (NÃO) É TRIBUNAL



O feminismo liberal nos obriga a pensar que empoderamento, meu corpo minhas regras e cada mulher decidir o que faz na questão do aborto é algo positivo. O resultado disso é uma luta desarticulada e interesses individuais acima de tudo, logo, não existem questões coletivas a serem defendidas.

 

Mas nada tem me incomodado mais no movimento do que a ideia de julgamento da moralidade alheia. Não estou acusando o feminismo de ser o único a fazer isso, mas vou me ater ao “meu lugar de fala”, já que lugar de fala tem sido utilizado para lacrar e silenciar a discussão.

 

Bom, estamos cada vez mais preocupados em julgar a moralidade do outro. E fazemos isso esvaziando completamente a discussão política que ampara o movimento. A pauta se tornou um verdadeiro tribunal que julga, condena e cancela os homens a partir de uma classificação, muitas vezes arbitrária, que os define em bons ou ruins.

 

Por exemplo, se algum homem trai, mente, engana, abandona, se isenta das suas responsabilidades, nos sentimos à vontade para dizer: homem, né? Ele não presta

 

É o julgamento da moralidade. É uma dicotomia, porque ou ele é bom ou ele é ruim. É esquecer que existe uma estrutura que promove a legitimação de determinados comportamentos.

 

Ele não presta ou existe um sistema que valida esse comportamento? Porque a ideia do movimento não é um ataque ao caráter (eu nem acredito em caráter), a ideia é discutir a estrutura.

 

Então estou removendo a responsabilidade dos homens? Não é isso. Ainda mais se esse homem assumir uma atitude criminosa, violenta, obviamente precisará ser responsabilizado. Estou dizendo que o cerne do movimento não pode ser julgar a moralidade.

 

Precisamos tomar cuidado com esse desejo, quase erótico, pela condenação, pelo lacre, pelo cancelamento, pela necessidade de se provar superior moralmente.

 

Essa divisão judaica-cristã, que divide o mundo entre bem e mal, entre anjos e demônios, esquece que o ser humano carrega contradições e que até o homem mais aliado ao movimento, ainda é um ser humano que terá pensamentos, sentimentos e atitudes contraditórias.

 

A gente tem esperado um padrão de comportamento politicamente correto e coerente, sem considerar que a experiência humana não é perfeita, que nem sempre somos éticos e responsáveis, nem os homens e nem as mulheres serão.

 

O tribunal feminista tem esquecido de discutir a influência da estrutura nas relações. Logo, é fácil dizer: ele traiu porque é homem e não presta.

 

Difícil é pensar em como a própria estrutura influencia esse comportamento masculino e que esse homem não é bom, não é ruim, não é vilão e nem vítima. Ele é um sujeito, que carrega as próprias contradições e com um sistema que valida e perdoa sua postura.

 

O feminismo não pode ser o júri que determinará o futuro desse homem, já que uma vez cancelado impedimos ele de se “reintegrar na sociedade”. O feminismo não é sobre ditar novas regras morais. O feminismo não é sobre ditar o certo e o errado. O feminismo não é sobre classificar homens entre bons e maus.

 

Feminismo é uma luta política, econômica, filosófica e COLETIVA sobre a equidade de direitos entre homens e mulheres.

 

Mas isso de alguma maneira tem se perdido. Estamos concentradas em julgar, condenar, cancelar, determinar as razões de alguns comportamentos masculinos...

 

No exemplo da traição, por que nos concentramos em dizer que homens não prestam por isso? O foco deveria ser o porque eles tem isso legitimado enquanto as mulheres tem sua reputação ferida e seu corpo violentado em situações idênticas. Sinceramente, pouco me importa as repercussões disso na vida desse homem, se ele será perdoado, se é compreensível, se isso é moral ou amoral. O que me interessa é se as mulheres terão a mesma validação.

 

Existe uma estrutura que tem sido desconsiderada e nisso seguimos responsabilizando individualmente os sujeitos por questões que nem sempre estão em uma demanda individual.

 

Mas não dá pra ficar compreendendo o mundo entre bom e mau, né? Pauta identitária se tornar tribunal já deu também.


Fonte da imagem: By Freepik

 

2 comentários

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Jac Gama
Jac Gama
18 de set.
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Gostei muito do texto. Alguns gestos de opressão também são reproduzidos pelos oprimidos. Generalizar não é o melhor caminho. No caso do movimento feminista gosto daquela máxima: "Nem todo homem, mas sempre um homem", embora muitas vezes seja empregada para confirmar o comportamento, penso que essa frase é interessante para refletir também sobre o oposto. Ou seja, que são comportamento intrínsecos ao gênero, mas que não são um regra, como qualquer comportamento social. Até mesmo porque somo sociabilizados a agir como mulher, como homem, e a se comportar de tal forma. Entretanto, podemos nos desvencilhar disso . Generalizar só tende a reforçar e não combater a opressão.

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Luiz Freitas
Luiz Freitas
17 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Importante reflexão, eu enquanto um homem negro, me bato em questões semelhantes no tocante as discussões de raça. É difícil tentar debater seriamente as questões sem que sejamos deslegitimados e/ou recebido com desconfiança

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