Já se vão quinze dias que se iniciaram os trabalhos da CPI do MST, que pretende investigar invasões de terra praticados pelo Movimento Sem Terra. O pretexto para criação dessa comissão parlamentar seria a “onda” de ocupações no campo, protagonizada pelos líderes dessa organização. Dos 27 membros dessa missão congressual, 20 são de oposição e boa parte deles pertencente à bancada ruralista. Já ocorreram bate boca, confusões, e até falas sem noção, como um deputado que falou até em “legalização do incesto”, nada a ver com pauta discutida. No entanto, o que interessa nesse texto não é informar sobre o andamento dessa CPI, mas tentar esclarecer algumas observações feitas em relação a esse movimento, já que o senso comum que corre é que o MST vive invadindo a terra dos outros e tomando conta. Será?
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um projeto popular criado em 1984 que reivindica uma justa reforma agrária no país, baseado numa injusta divisão de terras que acomete o país desde as Capitanias Hereditárias, lá no século XVI, quando Portugal forneceu milhões de hectares para erem administrados por alguns privilegiados. O MST também luta por combate à violência, saúde pública gratuita, igualdade de gêneros, democratização da cultura, etc. Porém, o que se propaga como rastro de pólvora é que o grupo sai invadindo a fazenda dos outros, disseminando revoltas e querendo ocupar territórios na marra.
Em alguns momentos, esse coletivo apresentou atitudes questionáveis, como quando invadiu a fazenda do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em Minas Gerais, e lá adentrou a sede, fumou charutos, comeu, bebeu e dançou. Claro que foi um destacamento, não foi um agrupamento numeroso, e nem recebeu ordens superiores pra isso. Entretanto, repercutiu mal em quem já desconfiava deles. Em outros momentos, seus principais representantes se deslocavam por transporte comercial, enquanto “a massa” andava dezenas de quilômetros, o que denotava assimetria e perda de integridade. Nos últimos 20 anos, foram surgindo dissidências, como o MLST, um grupo que invadiu o Congresso Nacional e provocou uma quebradeira sem sentido.
Todavia, o que marcou lamentavelmente o movimento foi o massacre de 19 trabalhadores sem terra em Eldorado dos Carajás, Pará, perpetuados pela polícia militar, em 1996. Houve 155 envolvidos e apenas dois oficiais condenados. Detalhe: oito deles foram mortos por foices e facões, o que descarta legitima defesa policial. Os condenados cumpriam pena em liberdade, inclusive um deles faleceu em sua própria residência. O chamado “Abril Vermelho” acontece para recordar desse triste acontecimento.
Os trabalhos da CPI ganharam estofo muito em razão das ocupações. Essas ocupações se diferem muito de uma invasão. Elas são realizadas em latifúndios improdutivos; que estejam denunciados por trabalho escravo; ou que não cumprem acordos judiciais. Por muitas vezes, tive que pesquisar a fundo a natureza dessas ocupações, já que grande parte do que é divulgado pela imprensa é incompleto e carece de maiores investigações.
O MST é o maior produtor de arroz orgânico do mundo, distribuiu toneladas de alimentos durante a pandemia, e mantem cooperativas que disputam licitações para fornecer alimentos a instituições de Estado, mantém escolas agrícolas, e realiza feiras de produtos por todo o país. O direito à terra é previsto constitucionalmente, no entanto, a intolerância ao movimento num país insanamente mergulhado numa “onda liberal” – que muitos dos seus adeptos nem mais acreditam tanto – fazem com que o MST seja identificado com o tráfico de drogas – como mencionou o governador de Goiás durante sessão da CPI. É nesse momento turbulento e polarizante que o garimpo faz o escambau em terras indígenas e muita gente desse meio ignora ou não dá a mínima. Uma draga utilizada em garimpos dragou duas crianças Yanomami, e quase ninguém ligou, porém, se uma madeira que fixa uma tenda em um acampamento cair na cabeça de um filho de fazendeiro, aí a celeuma é grande!
Tentei ser muito mais interpretativo que opinativo, nas considerações sobre o MST. Mas quando um grupo eleitoralmente forte bate no movimento em defesa de grandes proprietários, fica difícil não tomar partido. É o MST X MST: os sem terra contra os sem tolerância.
FONTE:
IMAGEM: Jornalistas Livres
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