Após anos de estudos e qualificação, uma mulher está diante de um evento importante no seu ambiente de trabalho. As expectativas são enormes e quando alguém íntimo lhe pergunta se ela se sente pronta para o desafio, a resposta é a seguinte: “Acho que sim… Não sei… Sempre me saboto nesses momentos e não me sinto confiante o suficiente. Tenho a síndrome da impostora”. Quem ouve isso, se for um homem, recebe tranquilamente, se for uma mulher, se identifica completamente com a sensação. E se eu te disser que essa tal síndrome não é real? De fato, é muito além de uma síndrome. O que existe, de fato, é o fenômeno da impostora.
Qual a diferença entre essas nomenclaturas? Quando falamos de síndrome, nos referimos a um condição pessoal onde a possível regulação ou cura depende de atitudes próprias. Ao usar o termo fenômeno, falamos de uma condição social, uma construção histórica embasada em preconceito de gênero, estereótipos e desigualdades. Resumidamente, aquilo que parece ser uma condição pessoal, se bem analisada, pode ser percebida como uma consequência de um teia de poderes que colocam as mulheres nesse constante medo de errar, de não ser o suficiente, de não se sentir 100% pronta para as atividades, especialmente, não vinculadas ao gênero feminino.
Sem nem ao menos saber sobre a análise desses termos, eu percebi essa característica quando, em um momento da minha vida, oferecia voluntariamente uma assessoria para palestras a diferentes mulheres. Era uma conversa simples, onde eu as ajudava a preparar uma palestra e como se apresentar com mais confiança. Digo, sem pestanejar, que, em 100% dos casos, um dos motivos que elas alegavam para terem dificuldade em se sentir prontas a darem palestras era o fato de serem “muito perfeccionistas”. Mulheres de diferentes histórias e backgrounds, muitas delas com uma oratória impecável e com vários cursos no currículo, simplesmente achavam que uma característica pessoal as faziam mais inseguras.
De fato, o que se passa com elas e muitas outras mulheres é essa necessidade de se provarem impecáveis como um mecanismo de sobrevivência aguçado já que, em certas áreas da vida, elas são altamente analisadas sobre suas capacidades e competências. Provavelmente, a de maior destaque é o ambiente profissional, como aponta uma pesquisa, que constatou que as mulheres só consideram se candidatar a uma vaga de emprego ou promoção se notarem que cumprem todos os pré-requisitos. Se não for assim, elas dispensam de imediato. Quanto aos homens, eles tendem a se arriscar mais, e aceitam se candidatar caso cumpram 60% dos mesmos pré-requisitos.
Mas, será que as mulheres estão exagerando com a ideia de que precisam ser tão perfeitas para serem aceitas? Minha primeira recomendação é, claro, é que você converse com qualquer uma delas e rapidamente concluirá que esse tipo de pensamento domina suas mentes, especialmente se escolher conversar com aquelas onde os recortes sociais delimitam outras opressões, como as mulheres pretas, trans ou lésbicas. Se não quiser ter esse trabalho, abordo aqui, rapidamente, uma situação relatada por um americano, o Martin R. Schneider, que, por conta de uma confusão nas assinaturas de email com sua colega de trabalho, Nicole Pieri, criou um verdadeiro “experimento social” sobre sexismo.
Martin sempre ouvia do chefe que Nicole demorava mais tempo que ele para entregar as tarefas da agência de publicidade que eles trabalhavam. Para o profissional, a diferença entre eles era por conta do tempo de experiência que tinham no mercado. Até que um dia, sem querer, ele, por conta da caixa de e-mails compartilhada, enviou um e-mail assinado como Nicole. Sabe o que aconteceu? Martin descobriu um abismo de diferença na maneira como os clientes o tratavam, achando que ele seria a Nicole, uma mulher. Instigado por isso, Martin, em um combinado com sua colega, se fez passar por ela durante duas semanas.
Nesse período, tudo que ele, fingindo ser a Nicole, perguntava ou sugeria era questionado, ou tratado de forma condescendente, ao ponto de um dos clientes perguntar se ‘ela’ estava solteira. O que antes era fácil e simples, foi completamente dificultado. Já para Nicole aconteceu completamente o contrário. Ela teve a semana mais produtiva de sua carreira, já que, vista como um homem, ela era mais respeitada e ouvida. Martin saiu dessa experiência chocado sobre as situações que uma mulher pode passar, enquanto a Nicole afirmou que sabia exatamente que esse seria o resultado do experimento.
Fica aí o convite para vocês perceberem que a conjuntura social impõe à mulher um ambiente avassalador de cobranças pela perfeição e, por conta disso, ela rapidamente apresenta o que, antes, poderia ser visto como sintomas de uma síndrome da impostora quando, na verdade, são de um fenômeno social, o triste fenômeno da impostora.
FONTE:
Fonte da imagem: https://www.instagram.com/p/CneL41POoT3/
Impõe mesmo. E por vezes vocês não percebem de tão aderente que está o processo na cultura.