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NÃO QUERIA ENXERGAR UM MUNDO SEM "AUGUSTUS"

Foto do escritor: Equipe SoteroprosaEquipe Soteroprosa



Itabuna, 13 de dezembro de 2022, sábado.


Querido amigo,


Escrevo agora idealizando que você seja uma pessoa incrível. Alguém que entende sem julgar e, acima de tudo, mantenha sigilo sobre tudo que eu venha escrever aqui. Aos vinte e cinco anos, tudo parece meio confuso. Escrevo isso enquanto leio livros onde protagonistas são parecidas comigo, com os mesmos sonhos e ambições. Me vejo exatamente no mesmo lugar que ela, no capítulo onze de minha história, onde espero que algo aconteça. Em contrapartida, estou na minutagem 2:16 de um de meus filmes preferidos que, pela primeira vez, encontrei equivalência entre a literatura e o audiovisual.


O livro a qual me refiro é “Um dia”, de David Nicholls. Sim, gosto de romances que fogem da linha clichê. O filme, por sua vez, é “As vantagens de ser invisível”; lembro que antes mesmo na menção de que o livro seria transformado em filme com a presença formidável da atriz Emma Watson, eu o li. E como eu fiquei triste por me identificar com Charlie.


São dois universos totalmente diferentes, diga-se de passagem, quando um está prestes a ingressar no primeiro ano do ensino médio e a outra, aos 25 anos, formada e perdida, trabalhando em uma escola, escrevendo seus textos, poesias e romances sem perspectiva viável de publicá-los. Como eu posso estar em dois lugares ao mesmo tempo estando exatamente aqui? Não me pergunte, mas é assim que eu me sinto. Estou deslocada tal qual um calouro no ensino médio e tão perdida quanto uma adulta sem perspectiva.


Ao mesmo tempo, esse deslocamento não se dá apenas por estar numa cidade diferente, longe de sua família ou distante de amigos próximos. Se dá por outra referência cinematográfica que sim, meus amigos, também alcançou o ápice da emoção literária: O filme ou livro “A culpa é das estrelas”, de autoria do escritor infantojuvenil inglês clichê que eu adoro e venero, John Green. Já li esse romance algumas vezes, mas o que me fez lembrar da cena específica a qual estou me referindo foi o fato de recentemente ter assistido o filme. “Eu não quero enxergar o mundo sem Augustus Waters”, Isaac, melhor amigo do Augustus, diz isso no elogio fúnebre que ele lê para o amigo antes de seu funeral.


Mas onde eu quero chegar com todas essas referências? Bom, além de Emma, - protagonista de Um dia, não a Emma Watson, foca aqui! - tem a ambição de ser escritora e está muito mais próxima do que Charlie, que também tem a ambição de ser escritor, mas está no começo do ensino médio, ambos escrevem diário, textos e gostam de cartas grandes. Então é assim que a vida de escritor começa? Se sim, eu estou indo pelo caminho certo.


Depois da pandemia do coronavírus que, no início da pandemia era chamado de “Novo Coronavírus”, mas em 2022 já não é mais novo, querido, você está começando a ficar inconveniente - eu fui obrigada a sair do casulo a qual entrei desde 2019. Mais especificamente, no dia 15 de abril de 2019 aconteceu uma catástrofe. Você sabia que essa é a data mais convencional para se acontecer desastres? Pois foi em 15 de abril de 1912 que o Titanic afundou. E no mesmo dia do desaparecimento de meu amigo, houve um incêndio na Catedral de Notre-Dame de Paris. Sim, em 2019. Pode pesquisar.


O dia 15 é muito comovente. No dia 15 de julho é o dia do homem, você acredita? Mas isso só no Brasil. Tinha que ser um país liderado por homens que haveria um dia do homem sem nenhuma justificativa pertinente. “Lavem seus pintos”, devem ter pensado. Um dia nacional da lavagem do próprio órgão sexual. Que alegria.


Feminismos à parte, no dia 15 de julho é o dia de São Swithin. É uma crença inglesa utilizada no livro que estou lendo atualmente. Diz que se chover ou fizer sol no dia de São Swithin, irá se repetir o clima pelos próximos quarenta dias. Eu não faço ideia de quando eu comecei a falar do número quinze, mas queria deixar claro que ele me é benquisto.


Certo, voltando ao nosso enredo, foi no dia 15 de abril de 2019 que meu amigo desapareceu. Foi no dia 15 de maio de 2019 que eu tentei suicídio pela primeira vez. E foi a partir daí que minha vida mudou completamente e eu não estava nem ligando pra isso. Naquele momento eu não queria viver. Não queria enxergar um mundo sem “Augustus”. Sim, não vou citar o nome de meu amigo aqui. Além de meu amigo, ele era filho, neto, irmão e sobrinho. A família dele não precisa relembrar desse momento doloroso apenas por que eu me vi finalmente preparada para seguir em frente.


2019 foi o pior ano da minha vida. Os remédios que eu tomei eram muito fortes. Minha cabeça parecia estar em outro lugar enquanto meu corpo insistia em ficar aqui. Me isolei de todos que eu conhecia antes mesmo de acontecer o inesperado: A pandemia no começo de 2020. Isolada por depressão eu já estava. O que deveria ser um inconveniente na vida, para mim, se tornou cômodo. Agora eu não precisava sair, não precisava ver as pessoas, não precisava enxergar uma vida sem Augustus. E foi assim que eu fiz. Por quase dois anos.


Acontece que agora, em 2022, quase 2023, eu preciso aceitar os olhos robóticos que por ventura ofereceram a Isaac. Sim, você precisa ler todos os livros que eu estou citando para entender o contexto de minha história. Eu preciso aceitar enxergar novamente, entende? Mas a claridade parece me engolir. Todos esses anos dentro de casa, evitando humanos e, de repente, você deve sim viver, Polly, esse é o seu momento. E você quer isso, mas tem medo. Tem medo de chegar o dia 15 de abril de novo e outro Titanic afundar, não é? Você tem medo de ser a Rose de novo, e não o Jack. E ver o seu Jack afundando no mar gelado e você ficando sozinha novamente. É desesperador subir num navio após um naufrágio.

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