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O caso do menino curandeiro: O Brasil à espera de um milagre




Por acaso, soube de um curioso fato ocorrido em Belém de Cima, distrito de Cruz, município cearense. Não acompanhei notícias na TV, nem reportagens que costumamos receber via zap. Uma mulher com sérios problemas de visão estava afirmando que voltou a enxergar depois de ser curada por uma criança de seis anos. O zum-zum-zum se espalhou, algumas pessoas passaram a serem atendidas e pimba! A residência do curandeiro mirim se transformou num pronto-socorro. Centenas de indivíduos formaram filas na esperança de cura, vindos de outros municípios, numa verdadeira romaria. O louco disso tudo é que ninguém sabe se o milagre ocorreu mesmo, ou se outras pessoas conseguiram o feito da cura, tudo ainda na base do rumor. A diocese local não vem acompanhando o caso, que seria responsável por investigar o suposto milagre. Mas o Conselho Tutelar soube e notificou os pais do garoto, que devem responder por exploração infantil. Foi há duas semanas, no inicio do mês de setembro. Não há novidades do caso, tudo ainda incerto e impreciso.


Não é incomum aparecer uma movimentação dessas, uma mistura de medicina, espiritualidade e fé. João de Deus recebia uma centena de gente diariamente para atendimentos espirituais, antes de ser acusado de assédio sexual; Nos anos 1980, um espirito de um médico chamado Doutor Fritz, encarnou em alguns médiuns, realizando cirurgias sem nenhum protocolo cirúrgico; fugindo um pouco de terapias medicinais, uma mancha na janela de uma casa em Ferraz de Vasconcelos (SP) formava uma imagem semelhante a Nossa Senhora, o que causou uma peregrinação à frente do local, com longas orações pelo “milagre”, que a Igreja Católica não reconheceu. Ainda assim, esse lugar virou uma espécie de atração turística, e muita gente ainda visita, 20 anos após a repercussão. Tudo isso basta pra justificar a fé do povo. Será só isso mesmo? Cada ocorrência tem a sua peculiaridade, mas façamos um exercício de entendimento, baseando-se nesse caso do Ceará.


Alguns estudos apontam a resiliência de rezadeiras, benzedeiras, e parteiras nas comunidades interioranas, porém é algo pontual. Em muitos lugarejos, vilarejos, quilombos e bairros periféricos que visitei, há pouca informação dessas agentes sociais, tão comuns décadas atrás. Atuação, apenas nas lembranças da população. Com deficiências no atendimento em unidades básicas, muitos recorrem a chás e rituais religiosos para aplacar sintomas e mal-estar. Quando surgem casos como esse “minicurandeiro”, existe essa reconciliação afetiva com o passado, uma memória comunitária dos tempos de outrora. Uma tentativa de não deixar escapar laços com os ancestrais, manter a chama acesa da esperança e crença. Ainda mais em uma pequena região bucólica do Nordeste, detentora de marcadores culturais e religiosos bem arraigados. Gente que já se curou de espinhela caída, gota, impaludismo, com muita reza e folhas de aroeira. Nota-se também o sincretismo do ato reportado: uma interface entre catolicismo, xamanismo, e espiritismo.


Não só isso. É resolver por meio de um fenômeno metafisico um mal sem precisar dormir ao relento, em plena madrugada, pra ver se marca um especialista pelo SUS; ver se livra de males ocasionados por uma alimentação deficiente, pouco nutritiva, num país que vem passando por índices alarmantes de insegurança alimentar; onde indivíduos que se acham superiores por ter uma conta bancária satisfatória, brincam de dar ou não comida por conta de votação em candidato A ou B; onde tanta gente perdeu parentes, amigos e familiares por conta de uma pandemia descontrolada. É nesse ambiente que muita gente enfrenta uma enorme fila, à espera de um milagre.



FONTE:





Imagem: Diário do Nordeste














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Putz, que texto emocionante! Você fala de uma maneira muito criativa e inteligente sobre as idiossincrasias do Brasil. Continue com essa escrita maravilhosa e acho que você deveria investir em um podcast só de causos brasileiros!

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