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O CPF (CÓRTEX PRÉ-FRONTAL) NA PRÁTICA: Um escudo e ferramenta que demora a se formar




Série: Infância - #3



Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite.


Espero que estejam todos soterofelizes, com grana no bolso às vésperas do Carnaval.

 

Após o texto #2 de nossa série Infância, com foco técnico (se não leu ainda, depois desse aqui dá um pulo lá), vamos destrinchar um pouco mais sobre o desenvolvimento do CPF (Córtex Pré-Frontal do cérebro), e sua interferência direta na prática dos infantes, para uma melhor compreensão?

 

Para isso, revisito alguns conhecimentos já edificados e facilmente disponíveis (dá um Google):

 

1.    O ser humano nasce com seu cérebro ainda em formação, com volume 4 vezes menor do que o cérebro adulto (aproximadamente);


2.    O desenvolvimento mais intenso do cérebro é nos primeiros anos de vida, quando é mais plástico e suscetível a influências ambientais. A maturação cerebral corresponde à progressiva complexificação estrutural e funcional da rede neural. Durante os primeiros anos, milhões de conexões são formadas a todo instante;


3.    A parte mais evoluída do cérebro, que é nosso querido CPF, só começa a amadurecer a partir dos 3 a 4 anos;


4.    90% das conexões cerebrais já estão estabelecidas aos 6 anos;


5.    O cérebro só fica completamente maduro por volta dos 25 a 28 anos, e continua a se desenvolver aproximadamente até os 30 anos;


6.    O cérebro humano é plástico o suficiente para permitir o aprendizado até o fim da vida.

 

O papel do CPF é fundamental para o desempenho das funções executivas e comportamento complexo, que requer processos cognitivos específicos e é influenciado por vários fatores. As habilidades cognitivas permitem que o indivíduo se relacione com o mundo ao seu redor, compreenda o ambiente e tome decisões. Do CPF dependem a capacidade de adquirir / construir conhecimento, de pensar criticamente, planejar, exercer o autocontrole e a autorregulação emocional, tendo como base o raciocínio, linguagem, memória etc.;

 

Quando o ser humano surge no mundo para além da barriga de sua mãe, tudo é novo: a luminosidade em seus frágeis olhos; os barulhos assustadores (que podem ser apenas a equipe médica conversando enquanto faz o parto); o contato de sua pele com o ar, tão seco e frio, para quem acabou de sair de um líquido quentinho e acolhedor; o fluxo de ar enchendo suas vias respiratórias. “O que é isso?! O que está acontecendo?!” indagaria o recém-nascido desesperado, se assim já pudesse. “Não corta ainda meu cordão que é daí que vem minha vitalidade! Espera ele parar de pulsar para eu me sentir mais seguro! Por favor!”

 

E é ao sentir o calor de um colo, vozes familiares que ouvia em seu internato, as batidas de coração que sempre estiveram juntas às suas... que a serenidade lhe alcança. “Não me limpa! Todo esse líquido será absorvido pela minha pele e servirá de proteção. Me coloca logo nesse colo! Deixa-me exercitar o sugar do leite materno.” Com esta sua inauguração, nasce também o maior dos cientistas. Cérebro a mil, precisam experimentar, experienciar, aprender a controlar aquilo que depois chamará de “meu corpo”. Para isso é preciso tocar, pegar, derrubar, quebrar, chorar, observar, ouvir, repetir, emitir uma infinidade de sons, altos e baixos, agudos e graves...

 

Por que não? Por que não enfiar o garfo na tomada, por que não andar até a piscina, por que não virar a jarra de suco no copo? Por que não puxar o rabo do “cachorrinho”, colocar a mão na grade do “leãozinho”, ou riscar a parede? As respostas a estes porquês serão processadas pelo CPF. Eita! Cadê o CPF. Só chega aos 3 ou 4 anos, lembra? É apenas após uns 3 anos de vida que o cérebro da criança começa o amadurecimento desta parte tão importante. O que isso nos diz? Crianças pequenas tomam “más decisões” não porque são “birrentos”, “teimosos”, para “provocar o adulto” ou por “falta de inteligência”, e tantas outras barbaridades que ouvimos (e repetimos). Simplesmente, simplesmente, eles não possuem a capacidade biológica para entender, aprender, guardar, algumas informações durante o início da vida.

 

Não sei se vocês (infelizmente) lembram de um vídeo que viralizou de um adulto simulava, em frente à uma criança muito pequena, que uma boneca colocava um objeto em uma tomada de energia, e em seguida ele batia violentamente na boneca até destruí-la (partes da boneca como a cabeça se soltaram). E a criança horrorizada. Sabe o que isso a ensinou? Que a mesma pessoa que lhe acolheu em seu colo, lhe deu segurança enquanto conhecia os “novos mistérios da vida”, comemorou seus primeiros passos e riu de todas as suas fofices, enquanto aprendia o que era amor; essa violência, que me recuso a chamar de educação, ensinou ao infante que esta mesma pessoa que deveria sempre seu refúgio pode ser seu pior carrasco. E, neste caso, a quem ela irá pedir socorro?

 

A “educação” violenta desconstrói o espaço seguro que a criança precisa para se desenvolver. Gritos, mal humor, violência física, psicológica, chantagens, depreciação, castigos (os quais não fazem sentido para a criança pois o que tem a ver ficar sem celular por quebrar algo? Pense no desenvolvimento do cérebro infantil.)... Nada disso educa. Ensina à criança que ela não está segura, mina sua autoestima, freia seu desenvolvimento, sua criatividade, sua curiosidade, sua tentativa e erro...

 

Gostaria de escrever um livro, mas por ora temos estes textos.

 

“Áurea, mas foi assim que fui educado e não morri”. (Cadê a figurinha com a mão na testa?!!! Ah!!! Respira...) vamos lá. Vamos apenas ignorar todos os transtornos de personalidades, depressões, busca por algo que nunca teve, mas nem sabe o que é, e outros males que atingem os adultos devido a uma infância violenta. Vamos ignorar também todos os estudos científicos, médicos, que comprovam que violência (física, emocional, psicológica...) não são pedagógicas (ou sejam, não educam), e trazem mais malefícios do que benefícios (que sempre é o benefício do conforto e comodismo do adulto). “Abstraia a ilha, Vinícius!”. Abstraia e me responda apenas:

 

Se existir uma forma respeitosa de educar, sem a covardia de agredir fisicamente (ou outras formas de violência) um ser humano vulnerável, bem menor e mais frágil que você, cuja sua função deveria ser de defendê-lo, você estaria disposto a aprendê-la, sem despejar impiedosamente suas frustrações, raivas, mal humor, cansaço, falta de paciência... sobre este serumaninho?

 


Imagem 2

 

Você quer quebrar o ciclo? Porque você PODE.

 

Este é um dos cárceres onde meus textos sobre a infância pretendem chegar, pois não inclui e limita apenas o pleno desenvolvimento de crianças, e adolescentes, mas também de seus cuidadores (pais, familiares, educadores, profissionais da infância), que não cogitam a liberdade, mesmo sendo capazes, como o elefante que preso foi quando jovem a uma forte corrente, mas que não se dá conta que já se tornou mais forte que seus grilhões. São muitas dores, eu sei... Portanto também é sobre cura.

 

Mas vamos voltar pro CPF?

 

Lembra que lá no começo vimos que aproximadamente aos 6 anos 90% das conexões cerebrais já estão estabelecidos. Isto não significa que o CPF já está “com a corda toda”, e que não faz mais sentido sua criança se comportar de maneira inadequada (e tomemos muuuuuuito cuidado com o que é definido como adequação – mas um tema para os próximos textos).

 

Vou dar um exemplo mais palpável: quando a criança está aprendendo a andar, ela passa um tempo dando passos em falso, caindo, ficando insegura, bambeando. Nós vemos, acolhemos, incentivamos, ensinamos.

 

Precisamos estudar, adquirir conhecimento, para que também saibamos dar suporte com o que está acontecendo onde não vemos: dentro dos cérebros de nossas crianças. Ao entender que seu cérebro “está aprendendo a andar”, vamos propiciar um terreno seguro, incentivador, com muitas repetições e paciência, amor e cuidado.

 

E este processo vai demorar muito, mas muito mais do que aprender a andar ou a falar. Alguns psicólogos infantis já estão trabalhando com um a nova faixa etária, que vai de 0 a 25 anos, e não mais de 0 a 18 anos. “A neurociência tem mostrado que o desenvolvimento cognitivo de um jovem segue adiante após os 18 anos, e que sua maturidade emocional, autoimagem e julgamento serão afetados até que o CPF se desenvolva totalmente.” (A Adolescência acaba aos 25 anos? – BBC News)

 

E tem mais: as funções do CPF podem ser afetadas (assim como em nós adultos) por fatores como sono, fome, cansaço, frustração, neuro divergências, insegurança, ansiedade, medo e outros descontroles emocionais. E as crianças, e incluo os adolescentes também, precisam de bastante descanso, pois TODO seu corpo está a pleno vapor de desenvolvimento, além das aprendizagens das interações e convívios sociais. Cansa muito física, mental e emocionalmente.

 

Então, durante o dia, uma criança pode ser “super madura” pela manhã, e à tarde estar jogando coisas e batendo nas pessoas próximas. E compreenda: não é que a criança, ou o adolescente gritando e batendo portas, não entenda, porque você já o ensinou, que estas atitudes não são legais. Mas quando chega a este ponto é porque o seu organismo (corpo, cérebro, emoções) está em pane. Há algo, ou acúmulos de “algos” por trás deste “comportamento indesejado”. Se irritar, brigar, punir, seria como chutar a lataria de um carro que quebrou: você só vai quebrar mais o carro.

 

É preciso pausa, análise e compreensão do contexto da situação. Aprender previamente sobre autorregulação emocional para ensinar sua criança, e saber como melhor a ajudar nos momentos de crise. O tapa que seu filho pequeno lhe dá, ou o “eu te odeio!” do adolescente, são pedidos de socorro. “Me ajude. Eu não sei o que fazer com tudo isso que está acontecendo dentro de mim. Estou fora de controle.”

 

À medida que o CPF amadurece, cabe a nós, educadores, ensinar nossos serumaninhos a bem usá-lo. Aprender e ensinar técnicas/conhecimentos de autorregulação. Não os julgar com os olhos da sociedade repressora, mas ajudá-los a se autoconhecer e se autorregularem quando necessário. Aumentar a sua autoestima e deixar claro para eles que é uma fase. Que você entende que em determinado momento, por exemplo, ele lhe mordeu porque estava muito cansado e com sono. E dizer que este comportamento não foi legal, que você sentiu dor e que ele não tem o direito de fazer isto no corpo de outra pessoa. Mas deixar claro que seu amor por ele não diminuiu por isso.

 

Não falar coisas subjetivas como “isso é feio”, que só confundem a cabeça da criança. É conversar objetivamente, quando a criança não esteja desregulada, óbvio, e de forma que seu CPF compreenda, de acordo com sua idade, sobre o que aconteceu, porque aconteceu, porque não deveria acontecer, e como evitar que aconteça novamente, trazendo as técnicas/conhecimentos de autorregulação (provavelmente isto terá que ser repetido váááárias vezes até não mais acontecer).

 

Tenho que parar por aqui. Espero que estejamos caminhando juntos para novas direções, conquistando a cura e quebra de ciclos violentos. Pega na minha mão e vamos. Nós vemos no próximo texto desta série.

 

Axé e Até.

Áurea Añjaneya

 

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Fontes:


Ø  RHEINGOLD, H. (1980). A Criança Social e Socializante. Fundão: Moraes Editores.

Ø  O cérebro na infância e na adolescência: trajetórias do neurodesenvolvimento https://institutoconectomus.com.br/o-cerebro-na-infancia-e-na-adolescencia-trajetorias-do-neuro-desenvolvimento/

2 comentários

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Mariana Navarro
12 de fev.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Amei o texto! Além de um excelente conteúdo, leitura fluida e agradável!! Sempre bom lembrar que a gente pode quebrar o ciclo. Podemos fazer diferente com nossos filhos! Nosso cansaço não pode justificar a falta de delicadeza com eles!

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Áurea Añjaneya
12 de fev.
Respondendo a

Exato, Mariana Cinco Corações (agora seis? Rsrs).


Agradeço a você por todo seu trabalho em prol da educação não violenta, e por ser parte do meu início neste caminho.


Adupé!

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SOTEROVISÃO
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