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O ILÊ AIYÊ E A ARTE GENUÍNA

Foto do escritor: Alan RangelAlan Rangel



Meu primeiro texto de 2025 fala sobre uma expressão cultural riquíssima para o Brasil e para o mundo.


Em Estética e Filosofia da Arte, Noyama (2015) descreve a cultura de massa como um conceito discutido pela Escola de Frankfurt. Amparado pelos estudos nos EUA, os intelectuais, como Adorno e Horkheimer, acusaram a cultura americana e democrática a adotar um processo de lógica de produção, associando os produtos como se não houvesse nenhuma diferença entre produzir sapatos ou poemas. A indústria capitalista igualou toda a forma de arte para mercantilizar seus valores e tornar tudo um mero entretenimento, desprovido de reflexão e crítica, principalmente pelos meios de comunicação de massa, rádio, televisão e o nascente cinema.


Nesse sentido, em nome da saúde financeira de uma indústria ou da economia de um país, toda a produção cultural é direcionada para satisfazer necessidades da elite econômica.


A arte popular se expressa de maneira que se afasta da cultura da massa, mas também da chamada arte erudita ou academicista. Ela pode ser considerada uma produção do cotidiano, do espontâneo, sem o rigor técnico e formal, expressando as vivências práticas, os costumes e crenças coletivas, ou mesmo de determinada região. Tem forte origem na tradição, e é uma transmissão que passa por gerações (Engelmann, 2012).


Assim, a arte popular é uma manifestação do povo, uma produção genuína expressa na música, dança, artesanato, pintura vinculadas às origens socioculturais.


O exemplo genuíno que iremos tratar daqui para frente em nada tem a ver com a cultura de massa, mas, sim, com arte popular: o Ilê Ayiê, na cidade de Salvador. O ilê fez 50 anos de sua existência em 1º de novembro de 2024.


O que é o Ilê? Foi o primeiro bloco afro do Brasil, formado exclusivamente por negros. Porém, o Ilê vai muito além de ser um bloco. Sua influência atravessa várias dimensões. Foi fundado em 1974, por Antônio Carlos do Santos Vovô, em plena Ditadura Militar. Sediado no terreiro de candomblé Ilê Axé Jitolu, no bairro da Liberdade, na ladeira do Curuzu, em Salvador – Bahia. Logo, o bloco tem forte influência da religião genuinamente afro-brasileira. Nesse contexto, é importante mencionar Mãe Hilda Jitolu, a Ialorixá do Terreiro, que foi matriarca do Ilê. Ela teve papel crucial para promover a valorização das raízes africanas e, também, da mulher negra, além de cumprir um papel crucial na educação afropopular.


A palavra Ilê significa casa, e Aiyê significa terra. Expressa a conexão do bloco com as heranças dos orixás e costumes sociais e culturais de África.


O Ilê representou e representa resistência popular da negritude contra uma cultura hegemônica branca. Nasceu dentro de um contexto maior de movimentos negros, na segunda metade do século XX, que lutaram, publicamente, em favor dos direitos sociais, civis e políticos, com origem nos EUA. 


O Ilê Aiyê revolucionou a festividade do Carnaval e tornou-se um símbolo de resistência negra, ante à exclusão racial nos blocos carnavalescos da época, desafiando preconceitos e promovendo a autoestima da população afrodescendente.


O Ilê é acompanhado de enorme riqueza estética, por suas cores, trajes e estampas bem estabelecidas. Há vários adereços, como a máscara africana com quatro búzios abertos na testa e que formam uma cruz, originária de diversos rituais religiosos de etnias africanas. As cores marcantes são o vermelho, branco e amarelo.


As músicas retratam as origens do povo negro, as lutas diárias, a cultura e seus valores altivos, a valorização da cor, da força de vontade e dos orixás, não fugindo, também, dos aspectos espirituais, retratando a natureza, o ser humano e o místico.


Outro aspecto importante, é que 15 dias antes do Carnaval há o concurso de beleza da mulher negra. Todo verão é escolhido a “Deusa do Ébano – a Rainha do Ilê”, que ocupa lugar importante durante o desfile anual. É uma valorização importante para as mulheres negras, historicamente colocadas fora do padrão do feminino pelo eurocentrismo e pelos meios de comunicação de massa.


Um último ponto, é o Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, criado em 1995, versando sobre a educação da cultura negra. É um trabalho de conscientização, que conta com uma rede de apoio e voluntarismo. Os jovens negros e periféricos recebem aulas de percussão, literatura, dança, canto, coral, e outros conhecimentos que são importantes na formação do cidadão e do trabalhador.


Viva a sábia cultura popular. Viva o Ilê Aiyê!

 

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Notas



Bibliografia

ENGELMANN, Ademir Antonio. Filosofia da Arte. Curitiba: InterSaberes, 2012

NOYAMA. S. Estética e Filosofia da Arte. Curitiba: InterSaberes, 2015.(BVP)

TVE BAHIA. Ilê Ayiê do axé Jitolú para o mundo. Documentário. YouTube, 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QKGZtrsDEeg. Acesso em: 06 jan. 2025.

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2件のコメント

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Áurea Añjaneya
1月26日
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Viva!!!

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ゲスト
1月20日

Que a casa seja nossa terra... Que a terra seja nossa casa ... Terra e Casa sem separação!

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