“Ceci n’est pas une pipe” ou ''Isto não é um cachimbo” é uma frase que faz referência ao poder da linguagem ou da abstração das coisas. O cérebro humano, mais complexo que o de outros animais, possui a capacidade da linguagem, construto abstrato com a função de facilitar a comunicabilidade entre os seres. Saímos dos sons, ruídos, desejos rupestres para a grafia e a linguagem, evoluímos em formas de transferência e tradução dos pensamentos no que chamamos de palavras. Também inventamos os números como forma de compreender a realidade através dos fractais, da bela geometria da geografia biológica. Dotados de capacidade para a criação de novas realidades, criamos o virtual, as linguagens matemáticas servindo como códigos e ferramentas ou de linguagem de programação. Universo completamente programado com invenções abstratas que tratam de desabstrair a mais abstrata das ideais, os pensamentos. Você já pensou que seus pensamentos utilizam a linguagem para se comunicar consigo? Assim como os sonhos utilizam-se de símbolos e arquétipos, relações também de experiências humanas com a natureza. O que seria considerado então realidade?
Os objetos ao nosso redor existem independente de nossa percepção, interpretação e interação? Eis novamente uma questão filosófica. O humano é o único animal, até então observado cientificamente, que produz filosofia. Esta, por sua vez, busca questionar, entender e interpretar a realidade, ou a experiência humana na Terra, nas suas relações e interações com as coisas. A partir da linguagem analisamos a própria linguagem seja ela oral, gestual, artística, sempre buscamos exprimir o que nos báscula, sejam emoções ou pensamentos. Há de fato uma água fervendo dentro de nós, agitando as moléculas, nos levando a criar conceitos e formas para entender os próprios conceitos e formas elaboradas por nós, como um eterno redemoinho, lembrando a cobra que come seu próprio rabo. Por este viés o sofrimento não seria então apenas uma dor filosófica ?
Seria por demasia abstração, afinal, quando você esbarra seu dedo mindinho na quina de uma superfície rígida você sente dor e ela é real. O quão seria real? Afinal tudo que está escrito aqui é criação humana, é linguagem, que serve a um determinado fim. Biologicamente falando nosso corpo é composto de células e neurotransmissores que enviam codificações ou seja um tipo de linguagem para seu cérebro que funciona como uma massa muscular em constante circuito elétrico, conectando-se em sinapses, interagindo, formulando, interpretando, criando, até mesmo as emoções ou sensações. Afinal, quando há um erro nessa codificação, uma lesão cerebral, pode nos ocorrer de não sentir dor por uma interrupção da mensagem pelos neurotransmissores no cérebro. Nosso corpo, pura energia interagindo nesse enorme circuito chamado corpo. Não obstante existe o membro fantasma, que quando perdemos uma parte do corpo, seja um braço ou uma perna, o cérebro ainda mantém seu mapa mental presente fazendo com que tenhamos sensações de que o membro ainda existe. Até que ponto sentimos a realidade senão por uma perspectiva irreal e filosófica?
Até que ponto a bela metáfora filosófica de Platão sobre a caverna e as projeções, as sombras, não seria a mais bela forma filosófica de entender a construção irreal da realidade humana?
Seguindo esse raciocínio que é apenas filosófico e então criação de uma mente que não há nenhuma função a não ser criar, o sofrimento é apenas uma criação infernal da mente humana. Verdade que a depressão e a ansiedade é um mal funcionamento químico do cérebro, um erro no envio de determinadas mensagens e substâncias ao cérebro, um desequilíbrio hormonal que compromete o bom funcionamento de nossa máquina biológica. Essa química que produz a filosofia, ou esse mecanismo que está falho, talvez a única coisa que possa ser considerada real e não produto da filosofia. Talvez a única realidade sejam as moléculas, as células, as cargas elétricas, o mecanismo das máquinas que criam a matrix.
O sofrimento pode de fato ser consequência de um mal funcionamento químico do cérebro, mas os pensamentos não seriam também influenciadores na produção química? Onde começa e termina? Quem nasce primeiro, o ovo ou a galinha? São construtos interdependentes e dialógicos, talvez o verdadeiro criador da dialética. Se pensamentos são massa energética de cargas elétricas que interferem nas moléculas, não são eles os responsáveis pela criação do sofrimento? Dessa forma o sofrimento é apenas uma questão filosófica. Agora resta saber porque o criamos.
Restringir a quantidade de material orgânico necessários ao funcionamento biológico do corpo humano interfere no bom processamento da máquina cérebro e pode criar um desequilíbrio nas redes de transmissão e no fomento de energia necessária para que funcionem corretamente. No entanto, será nosso corpo apenas consumidor de matéria alimentar? Sabemos que também absorvem os nutrientes através do maior órgão do corpo, a pele, como a vitamina D na exposição ao sol. Somos seres ambientais, precisamos do ambiente para sobreviver, a interação com os outros seres vegetais e animais e com outras formas de vida e de energia nos permite coletar o que necessitamos para uma sobrevivência adequada. Seguindo esta perspectiva um meio social, interacional, nutritivo e ambiental de qualidade é de extrema importância no bom funcionamento de nossa máquina orgânica. Portanto, geram sofrimentos, formas reais. Criam pensamentos que se comunicam através de uma linguagem e eles podem estar desequilibrados gerando alto nível de sofrimento, como os traumas, as perdas, as catástrofes.
Não é a toa que criamos a terapia, as consultas psicológicos, a espiritualidade, ou seja, nada mais nada menos do que formas de compreender, processar, educar os pensamentos que são co-construídos através das interações entre o meio químico biológico e outros meios químicos de origem orgânicas ou sociais. Criamos ideias, conceitos, formas, pensamentos, para compreendermos o próprio funcionamento do nosso cérebro enquanto ser indivíduo único e ser social. Vivemos em um eterno loop interno, a mais curiosa forma de vida, que um dia funciona e em outro momento deixa de funcionar, transformando a matéria morta em outra forma de energia.
Não seria irônico pensar que o ser humano nasce e cria realidades de profundo sofrimento e de alegrias ou estados de equilíbrio ou desequilíbrio orgânico para simplesmente deixar de existir um dia? Toda sua produção resta para os novos humanos que virão e criarão seus próprios infernos e paraísos. Os humanos vivem em eterna e profunda necessidade de mitos, da mística e das artes para minimamente compreender sua existência, buscando em si a existência de uma lógica, seja a de proteger ou destruir o planeta Terra, sua própria casa, sem entender que não destrói o planeta a não ser unicamente a subsistência e existência de sua espécie.
O inferno são os outros ou somos nozes, o que de fato é que ele não é uma noz a não ser que a noz não seja a noz. Criação linguística, simbólica e metafórica, sombra das cavernas, sombra da linguagem, criamos e elaboramos o paraíso e o inferno para nos distrair e nos fazer egoicamente ter uma função no existir e na passagem à vida. O que seria de nós se não criássemos um significado mais profundo para a existência do que apenas o existir como outras espécies? É tão desesperador não produzir pensamentos sobre si mesmo ainda que busque analisar e compreender aquilo que se chama de externo ou ambiente?
Estamos sempre correndo atrás do próprio rabo e talvez seja essa a única significância dada do humano a si mesmo, apenas questões filosóficas para passar o tempo e não se sentir tão ocioso, criar realidades e formas e estruturas para distrair suas próximas gerações na ânsia de se sentir um pouco importante ou, talvez, demais. A nossa mísera existência insignificante nos causa tanta frustração e desespero que somos capazes de abrir o buraco linguístico do termo “inferno” e habitar em profundo desequilíbrio químico e existencial.
Mas não precisa disso, afinal a sua vida e a minha nesse exato momento de leitura e reflexão é apenas uma inquietação filosófica e um sofrimento inventado. Portanto, relaxe, ligue o foda-se, e preencha sua máquina com os nutrientes sociais, ambientais, nutricionais e todos os “ais” possíveis para te dar uma química saudável e produzir mais paraísos do que infernos, esse talvez seja o grande boom humano, encontrar uma forma de ser feliz. No entanto, a felicidade também é apenas linguagem, conceito e apenas uma questão filosófica que apesar de não existir na realidade, existe por termos criado-a. Portanto a filosófica importa mais do que imaginamos, pois tudo não passa de filosófica e construtos sociais linguísticos e simbólicos.
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Amei os questionamentos! Uma vez, conversando com um amigo, ficamos questionando o quanto nossas sensações são mais memórias do que fatores físicos. Por exemplo, quando digo que sinto frio, é uma sensação puramente física ou é também uma relação com a memória de frio que tenho armazenada internamente? Sobre sofrimento, as questões do texto me lembraram o livro "Histórias lindas de morrer" de Ana Claudia Quintana Arantes que retrata relatos de pessoas no fim da vida e como o sofrimento é um processo relativo, que pode ser amenizado ou "apagado" quando profissionais de cuidado apelativos compreendem as necessidades do seu paciente. As histórias são incríveis!