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O PERIGO DE NÃO SER CAPAZ DE OPINAR EM QUESTÕES DE DIREITOS HUMANOS




Confesso que estou entre os fascinados pelo mantra “Não sou capaz de opinar”. Faz bem, nos põe humildes, nos deixa em alerta de escuta. Que bom seria se essa fosse a tônica dos nossos tempos, a propósito.

 

Acontece que, como tudo na vida, uma prática saudável como essa nunca é absoluta. Em determinados contextos, não ser capaz de opinar sobre questão fundamentais de direitos humanos fortalece o espaço daqueles que opinam a favor dos opressores e pautam o espaço público com distorções perigosíssimas da realidade. E para lutar contra isso, acredito que o posicionamento é essencial, mesmo às custas de um debate mais qualificado.


A questão Palestina


Seria maravilhoso se todas as opiniões sobre Israel X Palestina fossem de pessoas que realmente estudam e sabem todo o histórico do conflito, as tratativas diplomáticos mais recentes, os caminhos mais efetivos para a paz, etc. Me coloco entre aqueles que sabem muito pouco – li algumas coisas, ouvi algumas pessoas, porém não me aprofundei no assunto. Mas o pouco que sei já é suficiente para entender que, embora a questão seja, sim, super complexa, a síntese do conflito é muito simples de captar, e suficiente para eu ter um posicionamento irrestrito à causa Palestina.

 

Isso ficou muito claro para mim quando entendi que a ação de Israel é, e sempre foi, uma ação imperialista – expulsão, morte e perda de cidadania de povos que ocupavam uma terra para o estabelecimento e ampliação do estado de Israel, ponto. O que veio depois, surgimento do Hamas, radicalização de certas alas muçulmanas, aumento do antissemitismo e tudo o mais que torna a solução tão complexa, é consequência dessa ação imperialista, com a origem na própria criação de um Estado a despeito dos povos que ocupavam aquele território.

 

É verdade que esse entendimento é muito pouco para dar conta de toda a complexidade do conflito atual, como os riscos reais do antissemitismo e do fortalecimento de grupos terroristas como o Hamas. Mas me parece que a intelectualidade brasileira à esquerda, de maneira geral, não encara a questão em seu elemento central, que não é muito complexa de entender. Israel é um estado terrorista, com uma criação extremamente problemática que buscou solucionar a perseguição aos judeus às custas do povo palestino. Para quem se considera de esquerda ou defensor dos direitos humanos, não vejo por que ter tanta dificuldade em se posicionar nesse conflito.

 

Agora, como resolver essa nhaca depois que tudo isso foi gerado, realmente não sou capaz de opinar. Em partes, na verdade, porque qualquer solução de paz que não passe pela autodeterminação do povo palestino e pelo fim da ação expansionista de Israel é uma solução a favor de um projeto de nação colonialista.


Inteligentes cheios de dúvidas, idiotas, cheios de certezas


O “Não sou capaz de opinar” de Glória Pires dialoga com uma frase atribuída a Bertrand Russell: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas”. De fato, a dúvida é uma das grandes virtudes dos sábios, mas traz o perigo dos ignorantes, e canalhas, dominarem cada vez mais o debate público.

 

Usei a questão Palestina como um exemplo, mas sinto que vale para tudo que seja relacionado a direitos humanos: não podemos deixar de nos posicionar e defender causas importantes por nossa falta de aprofundamento em certos temas e assuntos. Até porque, em geral, o nível de discussão e debate na internet e grande mídia é péssimo, raso, e o pouco que a gente sabe pode ser suficiente para, pelo menos, trazer visões de mundo alternativas às narrativas hegemônicas.

 

Não quero de maneira nenhuma desestimular que a gente estude e se aprofunde cada vez mais sobre temas que nos tocam, mas apenas jogar na roda a importância de se posicionar naquilo que é importante, mesmo sem um grande domínio de determinados assuntos. Os idiotas estão às soltas, e descer um pouco nosso nível de rigor sobre certos conhecimentos pode ser uma atitude inteligente na disputa de narrativas.


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