
Chegou até mim, por meio das redes sociais, a seguinte chamada: “Influencer de conteúdo adulto desiste de desfilar após enredo sobre candomblé”. A tal moça, Débora Peixoto, encena vídeos eróticos e é casada com mais duas pessoas, ou seja, vive em um trisal. O fator principal para a desistência era de que a mesma possuía “valores cristãos muito fortes”. Foi criticada por internautas que apontaram hipocrisia em seu argumento, tanto pelas filmagens pornográficas, quanto seu estado civil. E aí, ela se saiu com aquela moeda muito comum a certos segmentos ideológicos: o direito à badalada, ovacionada, linda, maravilhosa, diva, ela... a liberdade de expressão!! E aí? Ela foi cara de pau mesmo? Decidi escrever sobre isso, mais precisamente pra opinar sobre o que significa ter valores cristãos para colocar em prática ou exercer certas medidas. O texto pode sair um pouco difuso, já que não me preparei cientificamente para montar um artigo impecável e edificante.
A começar, eu tenho valores católicos muito fortes também. Digo católicos, não cristãos, e vou explicar por quê. Minha família materna e paterna tem raízes fortes no catolicismo, sou devoto de Santo Antônio - rezo a trezena todo ano, no mês de junho; oro ao acordar e dormir todas as noites; em datas festivas, já participei de muitas missas e procissões; antes de sair de casa, faço o sinal da cruz pedindo proteção; uma vez na vida, entro numa igreja para agradecimentos e louvores. No entanto, não leio a Bíblia, não sou crismado, e malmente sei o “Salve Rainha” ou a “Oração de São Francisco”. Posso até ser o que chamam de “católico não praticante” e todas as minhas incursões acima citadas fazem parte do catolicismo popular. Não sou cristão porque não sigo a doutrina, estou por fora de boa parte da liturgia, e desconheço os principais salmos e versículos. Além do mais, me considero até certo ponto ecumênico, pois posso acompanhar rituais de qualquer outra religião sem abalar minhas crenças. e sim, poderia até mesmo desfilar numa Escola de Samba falando sobre referenciais sacros de religiões afro-brasileiras.
Ser cristão, pelo menos na minha concepção, é seguir a ética determinada, repassar os ensinamentos, estudar os textos sagrados, respeitar a doutrina, e principalmente, saber que aquilo que prega não é supremo, superior, ou melhor que qualquer outra filosofia. É salvacionista, mas não supremacista. É não apontar o dedo, nem julgar que a religião que o outro segue é “errada”.
E aí, vou tentar refletir o que essa moça quis dizer. Me pareceu que ela reflete um significado contemporâneo em possuir valores cristãos. Peixoto afirmou que o enredo não condizia com a fé dela. Normal, compreensível. Porém, ela também diz que ficou com medo de ser julgada pelos que compartilham a mesma fé e decepcionar a família. E aí, dizer ter valores cristãos, segundo suas palavras, é repudiar e se afastar de algo que desconhece, e assim, evitar sofrer opressões de outros que comungam das mesmas crenças, caso ela aceitasse desfilar. Significa não tolerar outra religião, no caso, o candomblé. É estar imbuído em um sistema de pensamento diferenciado, com comunicação própria, criando um passado idílico que precisa ser retomado, e criar empatias por sujeitos de caráter duvidoso.
E aí, ser cristão fica a critério do que certos grupos consideram ser. A própria Peixoto, mesmo não afirmando categoricamente ser cristã, iria desfilar no carnaval, festa pra lá de pagã e rechaçada pelos protestantes; trabalha com filme pornô (“influencer de conteúdo adulto”, pra ficar mais bonito), algo totalmente combatido - e não apenas pelos mais fanáticos. Vive num relacionamento a três – Jesus Maria José!! Relação absolutamente imoral e não aceitável pelo Evangelho. Mas aí, os valores cristãos falam mais alto mesmo, quando aparece “esse negócio de macumba”.
Tudo bem, eu também não concordaria em me divertir com uma letra que falasse “Satã, eu te amo”. Mas não é o caso. A Escola de Samba está tratando de um tema que há séculos está presente em nossa cultura, principalmente nos morros onde surgiram as primeiras agremiações. Faz parte da preparação de comidas, como o acarajé, nas preces populares, nos desejos do povo, na fé de quem anda a pé. Uma religião que sofreu várias agressões, distorções, perseguições, e mal dizeres. Agressões que já geraram mortes, ações judiciais, movimentos de paz, e delegacias especializadas. E aí, alguém decide não participar de um desfile ao som de uma letra não condizente com sua fé. Razão principal? Medo do que os outros vão falar! Um típico caso no qual a intolerância vale mais do que atividades de sua vida que não condizem com preceitos cristãos arraigados.
É o típico caso em que princípios não batem com os valores, e vale mais o senso comum do que se sabe da religião do outro que o respeito que se tem fé alheia. Já houve “cristão” que, ao avistar menores de idade se prostituindo, afirmou que “pintou um clima”; muitos, ao invés de passar adiante a importância de praticar atos de fé, preferem lutar contra supostas pedagogias que pregam “ideologia de gênero”, como se a condição sexual de cada um fosse alterada pela aula do professor; que defendem a vida do feto, mas torcem o nariz para o crescente número de feminicídios que proliferam após sucessivos casos de violência doméstica; que bradam contra a corrupção política, mas permitem que os púlpitos dos templos que frequentam tornem-se palanques eleitorais; que acolhem quem se relaciona a três e produz pornô, mas podem repudiar quem ouve samba-enredo sobre Exu.
FONTE:
Samba-Enredo 2025 - Salgueiro de Corpo Fechado - G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro (RJ) - LETRAS.MUS.BR
Amei o texto, Carlos! É isso aí.
Não tem lógica. Ficam sempre na superficialidade.
São pessoas com muita hipocrisia encharcando suas poucas conexões neurais.
Afff...