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Foto do escritorThiago Araujo Pinho

O SÉCULO XXI É O SÉCULO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS (HUMANAS)




Como a física quântica e as tecnologias digitais parecem tão populares e impactantes no mundo contemporâneo, eu sempre pensei que o século XXI pertencia às duas, pelo menos de uma forma intuitiva eu acreditava nisso. Quem nunca ouviu o termo “quântico” em algum lugar? Talvez no subtítulo de algum livro de autoajuda na prateleira de sua livraria mais próxima ou até mesmo na embalagem de seu hambúrguer preferido (agora com carne quântica!!!).


Em uma de suas entrevistas, o psicólogo social Jonathan Haidt, autor de clássicos como “the righteous mind”, lançou um argumento sobre a mesa que mexeu muito comigo, mudando completamente aquela minha intuição inicial. Segundo ele, esse novo século XXI pertence às ciências sociais (humanas) e não aos espaços biológicos, químicos, matemáticos ou físicos. Mas por que? De onde ele tirou essa ideia? Depois do choque, e de alguns minutos de breve reflexão, ficou claro a linha argumentativa de Haidt.

Pense um pouco... olhe ao seu redor. Cantores, atores, físicos, químicos, empresas de grande porte, pequenas empresas, religiosos, jogadores de futebol, apresentadores de TV, chefes de cozinha... todos tem arriscado um mergulho no campo das ciências sociais (humanas), ainda que de forma amadora, informal. Todos opinam sobre o papel dos indivíduos e das instituições ao nosso redor, comparando, contrastando, criticando, assim como sugerindo, refletindo e até mesmo punindo. Quando entramos no twitter, algo parecido acontece. Embora sem o grau de refinamento que encontramos nas fronteiras universitárias, a maior parte dos tweets apresentam reflexões sociológicas, antropológicas e até filosóficas nos bastidores. Não são simples descrições de fatos ou memórias, mas algo além, um tipo de recurso analítico, até mesmo performático.


Anitta não apenas canta, Regina Duarte não apenas atua, a Ford não apenas vende carros, Hollywood não apenas produz filmes, Elon Musk não é apenas um físico, Luciano Hulk não é apenas um apresentador, Tucker Carlson não é apenas um âncora de jornal... Todos aqui listados, além de milhões e milhões de outros perdidos por aí, sentem uma certa urgência nas profundezas de seus corpos, um desejo que não se tinha há séculos atrás, um desejo por análise, por interpretação, por mais frágil e até equivocada que ele seja. Esse ensaio não tem como objetivo questionar o conteúdo das interpretações feitas, muito menos definir seus méritos, se elas são falsas ou verdadeiras, bonitas ou feias, agressivas ou calmas e científicas ou leigas... o propósito é apenas identificar uma nova estrutura de comportamento que nos cerca, uma nova exigência pulsando no subsolo da vida cotidiana, ainda que muitos não percebam. Nós somos convidados o tempo inteiro a invadir a esfera pública, assim como a encher todos seus contornos com análises, justificações e até teorias.


Esse mundo hipereflexivo, diz Giddens, convida cada um de nós a um espaço complexo de viagens filosóficas, sociológicas, além de políticas, mesmo quando não temos repertório o suficiente, mesmo quando essa bagagem é falsa ou vaga. Como disse antes, não importa o conteúdo em jogo, a inclinação sempre continua, o mesmo desejo por justificativas e interpretações. Em uma sociedade tradicional, como os Cuna, os Araweté, os Pueblos, ao menos a partir das etnografias já documentadas, não existe nem de longe a mesma busca por justificativas, já que o mundo, em geral, é apresentado como sólido, estável, consistente, e não como um pacote de ideologias, interpretações e interesses. Em outras palavras, o século XXI é o século das ciências sociais (humanas) porque o nosso mundo é visto como contingente, suspeito, precário, instável... nada é óbvio, simples, claro, mas sempre diverso, complexo e contraditório.


Em um mundo tão frágil, é preciso o tempo inteiro justificar, sugerindo argumentos, teorias, comparações, além de muitas outras manobras retóricas. Em outras palavras, o custo de viver em uma democracia liberal é muito alto, já que nesse regime político transcendências não existem, sendo reduzidas a pactos provisórios, a retórica e a manobras sempre suspeitas. Vivemos na época das ciências sociais (humanas) porque não temos sossego, porque somos forçados a marcar nosso território, a dizer o tempo inteiro quem somos, o que acreditamos e para onde vamos. Nada é óbvio, nada é claro, nada é evidente... tudo é questionável. A hermenêutica da suspeita, pensada por Foucault como a base de criação das humanidades no fim do século XIX, hoje cai no cotidiano, fazendo parte das redes sociais e até de conversas inocentes numa esquina qualquer. O hermeneuta da suspeita deixou de ser o doutor em filosofia ou o poeta apaixonado por longas conversas em cafés elitistas. Joãozinho do pão, meu clássico exemplo do sujeito do cotidiano, também mergulha em comentários, justificativas, análises e até arrisca grandes teorias sobre a origem do coronavírus, os problemas do país, os deveres da igreja, etc.


Parece que não basta apenas produzir músicas, poesias, pinturas, filmes, ou jogar futebol, atuar, fazer fórmulas químicas ou modelos físicos... seguimos também por especulações a respeito do comportamento humano, justificando brechas, incoerências e silêncios. Um exemplo do quanto Jonathan Haidt tinha razão, é o fato de boa parte do repertório das ciências humanas e sociais terem caído em domínio popular. Joãozinho do pão fala de ideologia, poder, interesse, “coisas por trás”, lugar de fala, gênero, raça, assim como se aventura com termos como populismo, fascismo, comunismo, psicopatia, depressão, ansiedade e tantos outros termos antes especializados.


Se por acaso a tese levantada por Jonathan Haidt tenha algum grau de sentido, e as ciências sociais (humanas) sejam uma substância inevitável no século XXI, uma pergunta meio óbvia brota no horizonte: “Como as pessoas lá fora usam nossas ferramentas epistêmicas? Com qual propósito? Quando elas se apropriam tão facilmente de termos sociológicos, psicológicos, políticos ou filosóficos, isso deve disparar em nós algum alerta? Ou talvez isso seja um ótimo sinal, já que mostra o quanto as pessoas são criativas, reflexivas e autônomas? O que você acha? O fato das ciências sociais (humanas) terem se tornado populares é algo de positivo, negativo ou uma combinação estranha das duas opções?


Referência da Imagem:


https://paraibaja.com.br/para-que-servem-as-ciencias-humanas/

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