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Pátria Amada, Linchadora, Salve, Salve!

No último dia 2 de fevereiro, iniciaram os trabalhos no Congresso Nacional para esse ano de 2022, ano de eleição e de muita movimentação parlamentar nas suas bases. Muitos falando que esse seria o ano das reformas, reforma disso, reforma daquilo... Daí o deputado Marcelo Freixo assumiu a plenária e fez um bom discurso sobre o assassinato do congolês Moise Kabagambe, espancado em um quiosque da Orla do Rio de Janeiro, na segunda feira 31, por três elementos – todos detidos. Freixo lembrou que a família fugiu da Guerra no Congo para um membro ser covardemente morto por motivo torpe e como a conjuntura do Brasil atual contribui para fatos como esse não chocarem tanto. Este caso deveria deixar todo o Parlamento aviltado com a banalização de morte tão brutal. Mas não foi o que eu observei...


Esse espancamento desmedido infelizmente não é raro no país. O sociólogo José de Souza Martins publicou em 2015 o livro “Linchamentos: a Justiça Popular no Brasil” onde afirma sermos um dos países que mais lincham no mundo e que nos últimos 60 anos, 1 milhão de brasileiros se envolveram nessas práticas de justiçamento. O sociólogo diz que a ocorrência desses atos são diários: pelo menos um por dia. O primeiro linchamento nacional foi em 1585, em Salvador. Um índio foi agredido até falecer.


Moise era refugiado político. Veio para o Brasil com a família em 2011, aos 14 anos, fugindo da fome e da Guerra na República Democrática do Congo. Desde então, vivia de bicos, trabalhando como atendente freelancer de quiosques à beira-mar, sustentando-se apenas de comissões. Segundo informações da polícia, o jovem estava reivindicando uma dívida salarial com o dono do comércio, quando um desentendimento com outros frequentadores levou a uma surra covarde que o levou a óbito. Detidos, os assassinos revelaram que o real motivo seria uma briga com um senhor da barraca ao lado e que Moise estava embriagado e alterado. Todos os envolvidos se encontram em prisão preventiva.


Notamos nessa tragédia duas questões: o caos do subemprego no Brasil e a nossa triste recorrência em agressões coletivas. Milhões vivem apenas de bicos, mendigando por um serviço qualquer por dinheiro ou um prato de comida. No mês de janeiro, foi divulgado que no ano passado 1937 indivíduos foram resgatados da escravidão, maior número desde 2013. Isso já dá um tom de miséria absoluta e mazela social degradante, em um país que está num abismo profundo, comandado por um boquirroto desvairado que estimula desde sempre o uso de armas. Moise não era um trombadinha ou delinquente. Os que “defendem” a iniciativa da surra social, costumam falar da violência urbana que leva a uma atitude coletiva. E agora? Alguns jornais informaram que o país estava “chocado” com o homicídio de Moise. Não consegui perceber grandes movimentos de repúdio. O país que se indigna com a morte de um pai de família, não teria mostrado o mesmo vigor contra o espancamento de um refugiado africano. Pouquíssimos parlamentares se manifestaram sobre o episódio.


Com tantos casos de linchamentos, é utilizada a expressão “enfermidade social” para analisar os modelos de agressão pública. Ela seria uma degradação do tecido social que fragiliza a sociedade e incumbe os sujeitos a agirem por autoproteção, despertando medos inconscientes. Martins também revela que “o crime de multidão no Brasil é praticado por gente que tem medo”. O pavor leva a uma reação e uma desconexão dos sentidos, levando a um comportamento de multidão onde todos são anônimos e não há um responsável direto.


Lembro que há alguns anos ouvi em uma emissora de rádio entrevista do então deputado que hoje preside o país. Havia ocorrido um linchamento de um jovem que teria furtado um aparelho celular, amarrado posteriormente a um poste até a chegada da polícia. Perguntado sobre como interpretava atos como aquele, ele mandou: “parabenizo a população que deteve o marginal”. E assim, asneiras desse tipo foram se normalizando para o eleitor. O modos operandi do presidente se relaciona com incrementos violentos no corpo da sociedade, que realiza justiça com as próprias mãos para deter meliantes. Até que é morto alguém que não preenche requisitos criminais e ninguém mais liga...


FONTE:


MARTINS, José de Souza. Linchamentos: a Justiça Popular no Brasil. Contexto. Rio de janeiro: 2015.


https://reporterbrasil.org.br/2022/01/brasil-fecha-2021-com-1937-resgatados-da-escravidao-maior-soma-desde-2013


IMAGEM: Esquerda on Line

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