O pós-estruturalismo, ao menos como é absorvido nas redes sociais, nada tem a ver com o mergulho complexo de figuras como Derrida e sua crítica ao logocentrismo ou Foucault e seu ataque aos dispositivos sufocantes da vida cotidiana, nem mesmo diz respeito a Butler e seu performatismo genealógico. Em plataformas como Instagram, Facebook, Tik Tok e Twitter o “pós-estruturalismo” significa algo muito simples, incrivelmente rasteiro e quase infantil: “TUDO É UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL!!!!”. Não importa se falamos de critérios estéticos (belo ou feio), epistemológicos (verdadeiro ou falso) ou éticos (certo ou errado)... tudo estaria dentro de um construcionismo raso, quase como se a sociologia fosse o único parâmetro de todo o universo, assim como a proprietária de outros espaços disciplinares. Tudo se reduz ao nosso vocabulário, desde filmes nos cinemas, até descobertas científicas em um laboratório, passando pelas orações de um religioso em seu culto de domingo. A sociologia, e as próprias ciência sociais, se tornam a medida de todas as coisas, oferecendo uma gramática de interpretação de toda a existência, invadindo sem medo outros espaços, universos e relações.
Em termos gerais, o construcionismo social é interessante e até mesmo útil, servindo como um mecanismo de defesa contra instituições, pessoas e critérios que nos ameaçam, nos ofendem e nos violentam. Mas pense um pouco... Quando dizem que os critérios e parâmetros direcionados a nós são simples construções sociais, isso significa que até os sentimentos mais íntimos e positivos acolhidos por mim não passam de uma brincadeira artificial imposta por alguém ou alguma coisa. Ou seja, não apenas circunstâncias desagradáveis e inconvenientes passariam pela análise desconstrucionista, mas até mesmo dimensões que amo, gosto, sou... Essa pegada pós-estrutural, ao menos como é desenvolvida nas redes sociais, não seria também uma faca de dois gumes? Na medida em que direciono minha crítica a instituições e critérios que me ofendem, relativizando todos eles de maneira eficaz e conveniente, não estaria também fazendo o mesmo com tudo aquilo que sou, gosto e acredito? Por exemplo: uma mãe que precisa cuidar de uma criança, enquanto os homens passeiam livremente pelo mundo em suas aventuras machistas e desiguais, é uma construção social, certo? Mas também o meu amor pela criança, assim como todos os momentos espontâneos que temos juntos no parque, na história contada na hora de dormir, no abraço carinhoso depois de chegar da escola, seriam também construções sociais. Da mesma forma, a ideia de uma criança como algo inocente e fofo, nada mais seria do que resultado de um modelo rousseauniano do século XVIII, uma mera extensão de seu clássico livro “Emílio”. Logo, a primeira coisa que brota da cabeça, diante desse cenário sem qualquer controle ou parâmetro metodológico, é o seguinte: “Como traçar uma linha?” Ou seja, como não ir longe demais com o pós estruturalismo, caindo em um vale-tudo niilista e perigoso? Quando criticamos o que nos desagrada, nos insulta, parece fácil responder, e parece fácil usar ferramentas críticas como uma forma de contra-ataque, mas e quando se estende além, quando passa do limite?
O pós-estruturalismo parece algo super incrível, uma magia que todo mundo gosta de usar, inclusive contra tudo de ameaçador, perigoso e contraditório, mas essa magia talvez seja poderosa demais. Talvez a gente não consiga estabelecer seus limites, quase como aquela clássica fábula do aprendiz de feiticeiro corrompido por poderes que não é capaz de controlar. Talvez a varinha mágica do pós-estruturalismo não tenha limite e acabe consumindo tudo pelo caminho, até mesmo aquele que a manipula. Não apenas aquilo que me convém (me insulta), mas todo o resto é capturado pelas garras de um relativismo perigoso, lançando o sujeito em um campo paranoico onde tudo carrega infinitas camadas de sentido, da mesma forma que mensagens secretas e suspeitas. Não posso confiar no meu marido, já que ele faz parte de uma conspiração machista oculta nos bastidores da realidade, mas também não posso confiar no meu filho... não posso confiar em ninguém, nem em mim mesmo, nem nos sentimentos, sensações e ideias que atravessam minha cabeça.
Outro clássico exemplo: padrões de beleza são construções sociais, mas até aqueles momentos que me sinto atraente, bem comigo mesmo, disposto, feliz por ter recebido um elogio? Ou quando sou aplaudido por um artigo bem escrito ou valorizado por alguma coisa interessante feita ou dita por mim? Esses momentos também passariam pelo olhar desconstrucionista? Em outras palavras, até os meus melhores dias estariam abertos a uma inspeção profunda, infinita e racional? Quando eu devo dizer: "existe aqui um limite, uma fronteira que não quero ultrapassar”? Ao seguir além dessa linha divisória, no extremo da própria crítica e da auto-inspeção, não nos deixamos vulneráveis a vários transtornos mentais, a uma crise existencial desnecessária, ao reduzir o mundo a nada menos do que uma ficção aleatória? A mesma ferramenta crítica que nos salva dos opressores, e alivia o peso de cobranças sociais, não é a mesma que nos corrói aos poucos? Não seria isso uma faca de dois gumes? Se a resposta é “SIM”, como achar o meio termo? Como ser crítico, sem ser cínico? Como ser reflexivo, sem ser ressentido? Como ser um pensador, sem ser um idiota?
Referências da imagem:
https://guiadafarmacia.com.br/dor-de-cabeca-x-enxaqueca-saiba-diferenciar/
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