Em breves palavras, pretendo despertar você, caro leitor e leitora, da importância de colocarmos na mesa o debate sobre a questão racial.
Sem dúvida, já ouvimos falar, por aí, que não existe racismo; que isso é invenção para dividir as pessoas; para atender certos interesses políticos ou mesmo que só existe uma raça humana. São clichês que escutamos em conversas no âmbito familiar, na roda de amigos e nas andanças públicas. Pois bem. Estamos falando das impressões vagas e vulgares do senso comum, que, normalmente se pauta pela experiência cotidiana, sem disponibilidade para adentrar nos caminhos mais complexos e sutis. A sutileza não é obra do senso comum. Muitos indivíduos, inclusive negros, talvez nunca tenham sofrido racismo explícito, ou mesmo quando presenciou algo, achou que era muito excepcional; mas, muitos devem ter sofrido um racismo mais velado, invisível quando não se tem olhos para ver. É, justamente, essa superficialidade que emperra um olhar mais acurado sobre os fenômenos sociais. A experiência individual não dá conta da realidade e das inúmeras relações e teias sociais que ocorrem diariamente.
É preciso dar esse salto, se realmente queremos olhar para além de nós mesmos. Quem está disposto a isso? Ao me sentir disposto, sentir que a vida não se resume a somente ao que experencio, sinto e penso, dou espaço para entender e refletir sobre coisas que, normalmente, ignorava. E a ignorância justifica a banalização das inúmeras injustiças permanentes. Ao ignorar o racismo, estou ajudando a contribuir com o status quo, com a generalização de uma astuta e enraizada construção social que nega a existência do próprio racismo. Essas ideias disseminadas tendem a propagar a culpa da desigualdade social e racial nos próprios indivíduos. “Ah, se há poucos negros na política, no judiciário, nos meios de comunicação, nas chefias executivas, é porque não se esforçaram ou não estudaram suficientemente para alcançar tal mérito”. Esse é um pensamento comum. Um pensamento que justifica conhecer alguns casos isolados, que alcançaram algum sucesso profissional, e colocá-los como se as exceções fossem a regra.
Se não encaramos a desigualdade racial como um sistema social, ou seja, com relações padronizadas, duradouras e estruturais, em nada adianta lutar pela valorização das políticas públicas e pelos esforços de personagens importantes: intelectuais, artistas, políticos que lutaram e lutam contra o racismo.
E como iremos aperfeiçoar a democracia que tanto defendemos, sem lutar pela inclusão racial? Sem enfrentar o mito da democracia racial? Porque, quem realmente entende o que a democracia, compreende os valores de igualdade. Se uma sociedade nega a igualdade, ela não quer democracia. Se uma grande parcela da sociedade acredita que tudo que aí está é natural, obra do acaso, da meritocracia, obra da Providência, não há espaço para o aperfeiçoamento social. E se não há para onde ir, resta a completa resignação social e moral.
Se quisermos chegar na igualdade precisamos reparar as desigualdades. E não há como pensar em liberdade sem antes tornar iguais as oportunidades sociais. Defender o contrário, na defesa de uma democracia mais robusta, é ignorância ou oportunismo.
Procuremos, assim, leitores, nos afastar dessa chaga existencial que nega a transformação íntima e social. A luta contra todas as formas de opressão é uma luta a favor de valores elevados e duradouros. É uma luta para alcançar a igualdade, nas suas diversas formas de oportunidades, mas, também, efetivar a igualdade moral, na prática.
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Excelente! Se não repararmos nossas falhas mais profundas não avançaremos.