Em um programa jornalístico de TV – destes em que reportagens sobre violência urbana e atividade policial abundam – o âncora entrevista uma autoridade que detalha os grupos prioritários no plano de vacinação contra a COVID, que incluem profissionais da saúde, idosos, indígenas, pessoas com comorbidades, em situação de rua e população carcerária. Nesse momento, o apresentador pede explicações sobre a inclusão de detentos. O dirigente afirma que são pessoas que vivem aglomeradas. Não contente, o jornalista reclama o fato de criminosos serem imunizados previamente a sujeitos livres, mas também não faz nenhum escarcéu sobre o assunto. E então? Como aceitar que custodiados passem na frente do cidadão de bem, pagador de impostos e por isso teria o direito de se vacinar primeiro?
O Ministério da saúde de fato havia excluído esse grupo no plano inicial, mas depois voltou atrás, deixando, porém, para os governadores a incumbência em programar um esquema para isso. Especialistas em saúde pública defendem a necessidade em proteger essa população encarcerada. Alegam o ambiente insalubre, propagador de pestes e doenças, e que atingem não apenas os condenados, mas agentes penitenciários, policiais, visitantes, fornecedores de comida, parentes dos presos e demais expostos. Muitos deles saem da cadeia para audiências, julgamentos, indultos e outras atividades. Um surto pandêmico num local desses não apenas surtirá atendimento em alguma unidade ambulatorial – que pode estar sobrecarregada e sem vagas - como também entrará em registros de notificação, causando assim aumentos dos casos naquele município, o que acarreta pressões sobre governantes e demais responsabilidades que recaem sobre o poder público.
Mesmo assim, deve haver resistência quando a notícia “pegar”, pois, como indicado no primeiro parágrafo, podem ocorrer indignações de setores da sociedade, revoltadas ao saber que um “rebanho de vagabundos” vão ser vacinados em detrimento de trabalhadores que estão se aglomerando nos coletivos e metrôs país afora.
Vamos problematizar esse assunto. Qualquer portaria, decreto, plano ou artigo de lei seguem medidas estudadas e delimitadas por estudos, pesquisas, e investigações sobre determinado fato a ser apresentado e explanado. E quando despachado cumpre-se o decidido. No caso de projetos de vacinação, caso esteja estipulado que o agente causador de uma moléstia se prolifera com mais rapidez em ambiente onde convivem grupamentos extensos, e que nestes locais devem ser aplicadas as primeiras doses, segue-se o roteiro. Normas regimentais não estipulam se o espaço é habitado por pessoas de boa índole, senhorinhas simpáticas, moças de fino trato, ou conservadores patriotas. Princípios constitucionais ou legais se estendem a todos, sem atribuir distinções de caráter. Não seguem, portanto, quesitos morais. Não vivemos num regime de exceção ou num Estado utilitarista pra diferenciar cada um conforme merecimento ou generosidade. Podemos até ficar chateados particularmente com ações desse tipo, mas como cidadãos temos que exercer a compreensão e entendimento de como funcionam as instituições republicanas.
Mesmo que a ira continue, não devemos esquecer que presídios são áreas de abrigo criminal para condenados, não eliminando o convívio com criminosos aqui fora. Guilhermes de Pádua, goleiros Bruno, Suzanes Von Richthofen, Flordelizes, “comunistas”, estão nas ruas, sejam absolvidos, sejam libertos pelo cumprimento da pena, ou ainda nem investigados. Estelionatários, feminicidas, e integrantes de redes de pedofilia, idem. Exploradores de trabalho escravo, políticos corruptos, e chefes de quadrilha também aguardam suas picadas. E não esqueçamos: nos presídios estão inclusive pais que não pagaram pensão alimentícia, jovens negros pegos com algumas graminhas de maconha, e até quem cometeu crimes famélicos!
O melhor nesse caso não é bradar – sem máscara – a injustiça em não ser vacinado antes de um detento. Guarde sua zanga para quem zombou da pandemia, desrespeitou distanciamentos sociais, e não tomou nenhuma atitude responsável para contê-la. Depois você pode até refletir quem é criminoso............
FONTE:
IMAGEM: UNIPAR (Universidade Paraense)
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