A série “O Problema dos Três Corpos”, baseada na trilogia de livros homônima de Cixin Liu, e desenvolvida pelos mesmos produtores de Game of Thrones, trata de uma possível invasão alien– os San-ti – na terra. Seu planeta natal está nas últimas, relacionada com três sóis que geram influências desastrosas, com suas forças gravitacionais ameaçando toda a vida possível. Também é uma raça com tecnologia mais avançada. Mas o fundo moral em questão é muito interessante. É o que vamos tratar nesta coluna.
Em vários momentos da ficção, os personagens maquiam suas intenções, não transparecem quem realmente são. Ou mudam com facilidade. Esse é um problema real dos humanos: não são transparentes sempre. Por isso não se entendem como espécie. Nossa linguagem é heterodoxa, com uma diversidade cultural rica. Além disso, a linguagem é complexa, com várias conotações e nuances simbólicas, lógicas, alegóricas, valorativas, sentimentais, emocionais.
Há um custo alto nessa diversidade e na falta de uma linguagem comum e transparente: a desconfiança eterna. Fazendo uma referência com o mito bíblico, a torre de babel, Deus teria castigado a humanidade por querer alcançá-la no céu. Qual a praga lançada? Confundir os homens com línguas diferentes. Essa referência ao Gênesis 11: 1-9 pode ser associada a confusão, ao desentendimento dos povos, gerando uma eterna desconfiança. Eis a passagem bíblica: "Venham! Desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais o que dizem uns aos outros".
Os aliens que pretendem chegar na nossa amada terra não conseguem entender as camadas das palavras, frases e comportamentos humanos. A mentira e a simulação são incompreensíveis.
Então, será que chegaremos em um patamar em que todos seremos transparentes e entendidos? Em que A é A, B é B e C é C. Não haveria outra interpretação. Não haveria confusão, mentira, falsidade, faceta, simbolismo, mal entendido.
Se as palavras tivessem sempre um sentido óbvio e único, não haveria literatura, não haveria mal-entendido e controvérsia. Se as palavras tivessem sempre o mesmo sentido e se indicassem diretamente as coisas nomeadas, como seria possível a mentira? (Chauí, p. 119).[1]
Seria possível uma inteligência atual e sofisticada com um código de entendimento automático? A inteligência artificial. A linguagem é simplificada. É um ecossistema digital capaz de entendimento direto. Eles se entendem. Imagine um grande sistema, com suas ramificações, organizando-se para um empreendimento comum? Salvar o planeta? Escravizar toda uma civilização?
O seriado aponta mais para a raça alienígena, não para uma inteligência artificial que tornou-se autoconsciente. Porém, não deixa de ser interessante pensar nos diversos problemas insolúveis decorrente da nossa incapacidade de entendimento automático.
Por fim, leitor(a), será vantajoso viver neste mundo em que nosso comportamento tem diversas camadas? Ou será que isso é uma desvantagem? É vantajoso viver em desentendimento, desconfiança, dissimulação, mal entendimento e confusão? Voltando a uma velha questão do racionalismo moderno: é possível compartilhar uma dimensão comum, original, a priori, que prescinde de toda a experiência humana?
Até a próxima.
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Notas: [1] CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000.
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Os 3 primeiros capítulos são sensacionais,porém,vai ficando um tanto estranho depois e nos últimos episódios desalinha com o princípio promissor. Achei razoável.