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REDPILL: monetização das inseguranças masculinas e sua relação com o extremismo político (Parte II)



*Por Jorge Antonio Ribeiro



Conforme a primeira parte publicada anteriormente, trataremos aqui de uma outra questão relevante sobre o movimento da RedPill: a sua relação com a comunidade dos Incels (sigla inglesa para “celibatários involuntários”), que compõem diversas subcomunidades de radicalização online com propagação de teorias conspiratórias e toda sorte de preconceitos e ódio (misoginia, xenofobia, racismo, supremacismo, etc). Significa dizer que por detrás de um discurso que supostamente pressupõe o desenvolvimento pessoal masculino, se esconde uma retórica odienta às mulheres e à sociedade, especialmente nos tempos recentes de protagonismo feminista e de e expansão das liberdades sexuais e comportamentais.



A questão que passa despercebida é que esse movimento funciona como uma porta de entrada para o extremismo político, com grande facilidade de recrutamento e agregação, atraindo muitos homens para a sua causa. Aqui, as frustrações masculinas não resolvidas viram combustível e estímulo de engajamento nessas teorias, que viram uma espécie de “resposta fácil” para homens frustrados com o sexo oposto. Mas mais do que isso: Esses discursos conspiratórios vêm na esteira da ramificação e aprofundamento da extrema-direita no Brasil, dentro de uma causa, de um projeto político e social de reação às transformações comportamentais, sociais, econômicas e políticas propiciadas pelo liberalismo (e pelo socialismo/comunismo em intersecção dialética com o próprio liberalismo). Esses grupos de extrema-direita visam transformar a sociedade e a ordem política vigente retornando-a para um “tempo anterior”, uma espécie de “utopia” reacionária.


Um exemplo de discurso frequentemente presente nessa comunidade é a regra de 80/20, isto é, 80% das mulheres ficariam (se relacionariam) com 20% dos homens, criando uma espécie de “aura indesejável” daqueles homens fora do escopo de 20%. Não à toa, a RedPill está permeada por Incels (Celibatários Involuntários), que são aqueles que se consideram incapazes de terem qualquer tipo de relacionamento sexual com mulheres, além de supremacistas brancos, neonazistas e diversos outros grupos vinculados direta ou indiretamente com a extrema direita transnacional, e seu discurso antiliberal dentro de um “mundo injusto e decadente”.


Outro exemplo de discurso encontrado nessas comunidades dos Incels advindos da RedPill, é a de que as mulheres possuem uma inferioridade biológica inata (uma espécie de “fragilidade” física e psicológica), que estaria por trás da necessidade delas se submeterem ao masculino. Além disso, as mulheres estariam sendo classificadas segundo critérios biológicos e comportamentais, considerando a vida sexual pregressa, características físicas, idade, preferências políticas, dentre outros fatores. De maneira geral, a tônica é a de que existem mulheres aptas para relacionamentos sérios (compromissos) e para um relacionamento casual, sendo que aquelas aptas ao casamento, por exemplo, estariam acima das que serviriam apenas para um sexo casual. Dentro desse discurso de ranking do sexo feminino, destaca-se também um discurso de ódio direcionado as mães solteiras (chamadas de MSol), tidas como as de menor valor.


Todos esses discursos paranoides e apoiados em comportamentos femininos específicos e individuais, longe de serem tendência geral do comportamento das mulheres, no limite estimulam uma reação odienta ao feminismo, à democracia liberal (com promoção de direitos igualitários para as mulheres), e aos homens bluepill (aqueles que não “despertaram” para a verdade, apresentando um comportamento inferior segundo a cartilha da RedPill), instalando uma espécie de pânico moral que tem efeitos perversos sobre homens em situação de vulnerabilidade emocional advinda de traumas familiares, sociais e amorosos (e já há evidências que esse discurso conspiratório também chega à segmentos de homens individualmente bem resolvidos, com relacionamentos estáveis e sem histórico pregresso de traumas nos termos destacados anteriormente).


O extremismo político presente na RedPill começa justamente com esse discurso inicial correlacionando as frustrações sexuais, econômicas e sociais dos homens com o movimento feminista (leia-se, liberalismo), e que os homens teriam direito (e necessidade) de “revidar”. É uma contaminação conspiratória de aprofundamento rápido e por vezes imperceptível, especialmente em momentos de vulnerabilidade emocional, no caso do sexo masculino. Essa teoria já vinha sendo propagada desde 2007, segundo Michele Prado (2023), através do blog Unqualified Reservations sob autoria de Curtis Yarvin, que era inspirado pelos intelectuais neofascistas Hans-Hermann Hoppe & Thomas Carlyle, incluindo o blogueiro paleoconservador americano, supremacista e nacionalista branco Steve Sailer (PRADO, 2023).


Michele Prado, pesquisadora e estudiosa da extrema-direita no Brasil, por exemplo, alerta já há alguns anos para esse processo de radicalização política que não é de agora e que possui relação íntima com esses movimentos extremistas internacionais que têm relação com essa comunidade da RedPill e suas ramificações na internet. Ela chama a atenção de como esse movimento da RedPill tem relação com o extremismo político, justamente por ser a porta de entrada para a ideologia da extrema-direita de derrubada da ordem social vigente em prol de uma nova ordem social, como ficou clara nos ataques à escolas na Bahia e no Espírito Santo por atiradores que faziam parte desses movimentos extremistas. Todos que passam pela RedPill viram extremistas? Não se trata disso. Trata-se de que a RedPill serve como um guarda-chuva de teorias conspiratórias, e mais do que isso: essa comunidade funciona como filtro de recrutamento para o extremismo político. É um ambiente propício para encontrar “terroristas potenciais”, cujo comportamento é guiado justamente por essa necessidade de “revidar” em prol dessa verdade que estava oculta, revelada pela pílula vermelha.


Grosso modo, esse processo de redpilling se levado adiante, abre portas para a adoção de ideias ainda mais extremistas dentro de um processo de alienação da realidade factual que dá lugar à uma distorção paranoide do mundo real. A RedPill é um “anzol” pronto para fisgar homens frustrados, portanto propensos à comprar discurso de ódio às mulheres, aos gays, aos negros, aos deficientes, aos homens tidos como chads (terminologia incel que designa “homens esteticamente bonitos”), gerando um sentimento de revolta com a ordem sociopolítica/socioeconômica em vigência. Não à toa, diversos ataques extremistas ocorridos no Brasil (como os episódios de Barreiras (BA), Aracruz (ES) e Suzano (SP)), advém dessas comunidades cujos membros vieram da RedPill, que passam por debaixo dos radares de vigilância preventiva ao extremismo fazendo parte de redes sociais alternativas (fora das big tech/mainstream), ou usando linguagens codificadas e terminologias específicas para ocultar o teor das conversas.


Fecho essa breve reflexão sobre a relação entre a RedPill como uma entrada para o extremismo político-ideológico, cujas consequências sociais, psicológicas e políticas, em relação ao indivíduo e à sociedade ao redor, são muito danosas. No limite, a RedPill estimula um processo de alienação da realidade, com a promoção de comportamentos hostis à uma sociabilidade saudável e ao relacionamento do indivíduo e seu self (isto é, com aquilo que forma a sua identidade e sua percepção do mundo, bases importantes de seu comportamento). Um indivíduo que consome conteúdo da RedPill, propagados por diversos canais do YouTube e do Instagram sem qualquer responsabilidade e apenas por razões financeiras (lucro crescente com a venda de uma realidade inexistente, contando com a apropriação das frustrações masculinas) e políticas (defesa de uma ideologia reacionária assentada numa espécie de tradicionalismo, pregando retorno a um passado onde as mulheres comportavam-se de determinada maneira e eram socialmente e financeiramente dependentes dos homens).


A RedPill pode parecer inicialmente inofensiva e sedutora, por pretender desvendar “a verdade sobre o comportamento feminino”, mas a realidade factual é outra: é um caminho sem volta para a radicalização antidemocrática online e um passe livre para o fortalecimento de grupos neonazistas, supremacistas, extremistas, que não hesitarão em usar a violência para impor a sua ordem social e política desejada. Esse movimento é a porta de entrada para um mundo destrutivo, em última instância, já que na primeira representa a destruição da sociabilidade entre os sexos, dentro de uma manipulação discursiva sobre a ordem política, jurídica e social vigente, que distorce a realidade factual em prol de uma narrativa fantasiosa e irreal, típica das teorias conspiratórias.


A realidade social não se resume a pílulas, uma vez que o comportamento humano é diverso, complexo, e objeto de intermináveis discussões entre as diversas áreas do conhecimento. René Descartes nos legou um sábio conselho: duvidar de tudo. Reflexão e bom senso são essenciais para que tenhamos cuidado com o que nos é apresentado como “verdade absoluta”. Neste caso da RedPill, muitos que acreditaram nessa “verdade” perderam seus relacionamentos estáveis, perderam seus laços sociais e familiares, por comprarem uma realidade irreal.


A discussão sobre gênero e seus papéis na sociedade não é trivial para ser apropriado por youtubers e afins, ansiosos pela lucratividade e prestígio às custas dos dilemas masculinos, dentro de simplificações grosseiras da realidade, quando não manipulações conspiratórias. Discutir “homem” e “mulher”, sob qualquer ótica das ciências humanas, está muito longe da pregação de ódio que “masculinistas autoproclamados” fazem em direção a determinado público feminino. No fim das contas, não só atraem adolescentes e adultos para teorias conspiratórias, como desestimulam quaisquer reflexão e debate sério sobre os sexos.


Hoje, dada a nossa radicalização social e as ameaças à democracia, superar esse falseamento da realidade propagado pela RedPill é um imperativo.


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*Jorge Antonio da Paz Ribeiro é Bacharel em Ciência Política (UFBA) e Mestrando em Ciência Política (UFBA).





REFERÊNCIAS:


Textos:


KUTNER, Samantha. “Take the Redpill: Understanding the Allure of Conspiratorial Thinking Among Proud Boys”. The Georgetown Journal of International Affairs (GJIA), 2020. Disponível em: <https://gjia.georgetown.edu/2020/09/07/take-the-redpill-understanding-the-allure-of-conspiratorial-thinking-among-proud-boys/>.


BATES, Laura. Men Who Hate Women: From Incels to Pickup Artists: The Truth about Extreme Misogyny and How It Affects Us All. Sourcebooks, 2021.


BRUNT, Bryan van. TAYLOR, Chris. Understanding and Treating Incels: Case Studies, Guidance, and Treatment of Violence Risk in the Involuntary Celibate Community. Routledge, 2020.


NEW AMERICA. “Misogynist Incels And Male Supremacism: RedPill to BlackPill. Disponível em: <https://www.newamerica.org/political-reform/reports/misogynist-incels-and-male-supremacism/red-pill-to-black-pill/>.


THE PROGRESSIVE POLICY THINK-THANK (IPPR). “Editorial - Reacting to 'red pill' politics: Countering extremism and the far-right”. 2022. Disponível em: <https://www.ippr.org/juncture-item/editorial-reacting-to-red-pill-politics-countering-extremism-and-the-far-right>.


ANTI-DEFAMATION LEAGUE (ADL). “The Extremist Medicine Cabinet: A Guide to Online “Pills”. 2019. Disponível em: <https://www.adl.org/resources/blog/extremist-medicine-cabinet-guide-online-pills>.


ANTI-DEFAMATION LEAGUE (ADL). Red pill/Redpilling. Disponível em: <https://extremismterms.adl.org/glossary/red-pillredpilling>.


GRIFFIN, Jonathan. “O mundo sombrio dos 'incels', celibatários involuntários que odeiam mulheres”. BBC News Brasil, 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-58300599>.


PRADO, Michele. “O Brasil não se deu conta da radicalização online em massa”. Diário do Centro do Mundo (DCM). 2022. Disponível em: <https://www.diariodocentrodomundo.com.br/pesquisadora-terrorismo-extrema-direita-assassino-no-es/> .



PRADO, Michele. “Red Pill – O guarda-chuva da mentalidade conspiratória e o Pipeline para o Neofacismo: radicalização online e extremismo”. Revista Insight Inteligência, edição 99, pp; 50-60. 2023. Disponível em: <https://inteligencia.insightnet.com.br/pdfs/99.pdf>.



MARWICK, Alice E. FURL, Kate. Taking The RedPill: Talking About Extremism. The 22nd Annual Conference of the Association of Internet Researchers (AOIR). 2021. Disponível em: <https://journals.uic.edu/ojs/index.php/spir/article/view/12207>.


PERRY, Chloe. DE MEO, Simon. The Cognitive Science of Extremist Ideologies Online. Social and Information Networks (cs.SI); 2021. Disponível em: <https://arxiv.org/pdf/2110.00626.pdf>.



Vídeos:


“Why The Far Right Are So Weird About Sex”. VICE. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jdlXkgUGLv4&ab_channel=VICE>. 2022.


“Hunting Down Incel Extremists” VICE. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9p7dRa9-7as&ab_channel=VICENews>. 2021.


“Former member of 'Incel' community speaks out about dangerous misogyny”. ABC News. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lPLdrFCAZKM&ab_channel=ABCNews>. 2019.


“Inside Incel: Alek Minassian and online misogyny”. The Fifth State. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tqWjCHPg9gA&ab_channel=TheFifthEstate>. 2019.


“Secret Service report shows growing incel terrorism threat against women”. CBS News. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=d4gyPKzT8xc&ab_channel=CBSNews>. 2022.


“This Is What The Life Of An Incel Looks Like”. VICE. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oliq8m8Qph0&ab_channel=VICENews>. 2018.


“INCEL | Drama Short Film by John Merizalde”. Short of The Week. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0NJois4JMGU&ab_channel=ShortoftheWeek>. 2018.


“Incels: how online extremism is changing”. The Economist. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3aJ1XPicw4o&ab_channel=TheEconomist>. 2022.


“A verdade sobre a Comunidade RedPill e MGTOW”. Rafael Albano (Nerd Sedutor). 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Kojx1_VG-Zo&ab_channel=NerdSedutor>.


“RedPill e MGTOW - Cuidado com esse conteúdo”. Rafael Albano (Nerd Sedutor). 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=g2BEf1UB6GU&ab_channel=NerdSedutor>.


“The RedPill”. Cassie Jaye. 2022. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Q7MkSpJk5tM&ab_channel=GravitasFREEDOCUMENTARIES>.

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Parabéns pelos textos completos e super informativos. Com certeza vou usá-los como referências para meus materiais. Fiquei intrigada que a descrição que vc faz do comportamento deles se assemelha ao de serial killers de mulheres. Muitos deles carregavam uma enorme frustração por não saberem conquistar mulheres ou pelas suas mães não terem sido amorosas ou carinhosas.

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Jorge A. Ribeiro
Jorge A. Ribeiro
23 févr. 2023
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Obrigado querida! Isso dá um bom panorama para discussões à luz da psicologia, com certeza! Sobre a relação com 'serial killers', isso ocorre justamente porque essa comunidade tem muita interface com incels e extremistas vinculados a movimentos supremacistas, antifeministas, misóginos até, embora essa questão dos assassinos em série seja multifatorial.


Como falei antes, a discussão que ocorre no exterior é que essa ideologia é uma porta de entrada para o extremismo, justamente por existir recrutadores desses grupos extremistas que estão nessa comunidade heterogênea e complexa da redpill. Não à toa, muitos acabam descendo a espiral conspiratória da loucura em direção à blackpill, que é uma espécie de 'radicalização' da redpill, com a ideia de que 'não importa o que você…


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