Antes de tudo é preciso saber o que se procura, qual o motivo de se buscar, seja esta movida por uma cobrança social ou por um desejo. Você já se perguntou porque sempre ou às vezes te bate uma vontade de viver um grande amor ou estar em um relacionamento amoroso? A resposta parece simples e indigna de reflexão, mas discordo, a meu ver é necessário uma profunda análise.
É fato científico que o ser humano não é um animal solitário e que necessita de seu grupo para existir, mas este argumento não está apenas ligado a alguma relação amorosa, mas na convivência e esta pode se configurar em qualquer relação social. O toque e o carinho podem ser vivenciados de diversas formas, mesmo que nossa sociedade nos reprima tanto que vivemos com medo de tocar o outro. O que mesmo nos impulsiona a viver relações amorosas?
Se pensarmos no quesito sexualidade, este argumento parece bem sólido, afinal, sentimos necessidade biológica e orgânica de nos procriar, mesmo que por muitas vezes o intuito seja o prazer, extremamente benéfico ao corpo humano, afinal, o orgasmo ou o gozo liberam quimicamente hormônios e neurotransmissores responsáveis pela saúde física e mental. Porém é realmente necessário estarmos em um relacionamento amoroso para atingir tais experiências? Seja pelo auto prazer ou pelo prazer com o outro ou os outros, ele é possível sem necessariamente vivermos o papel social aqui relatado, o que ainda se configura em um tema bastante tabu.
Embora tenhamos avançado de tantas maneiras, os tabus nos conduzem a não refletir e apenas a agir sobre determinados padrões e certamente grupos sociais específicos acabam vivendo sobre a sombra de alguns deles com mais ênfase que outros. Este é o caso da população feminina, não todas, obviamente não trabalhamos com generalizações, nem apresentarei estatística, mas as mulheres por terem um papel social bem definido por séculos de opressão não conseguem fugir completamente dos padrões à elas associados. Sabemos que o prazer feminino por muitos anos não era legitimado, muito menos estimulado, o que causa danos na saúde pessoal e reprodução de determinados padrões estipulados, como, por exemplo, o discurso de “sexo é permitido apenas com amor ou apenas dentro de um relacionamento amoroso”.
As religiões assumem um papel importante neste modelo, que se configura na cobrança social, pois mulheres não têm o “direito” de viverem o prazer “carnal” sem estarem em um “casamento”. Tais modelos se atualizam e por mais que muitas mulheres hoje não sejam religiosas nem frequentam uma determinada religião, reproduzem tais padrões mentais, por muitas vezes inconsciente, tal como “não posso ter orgasmo em relações furtivas e pontuais, preciso estar em uma relação para que isso seja permitido, seja em um namoro ou em um casamento”.
Por muitas vezes são padrões inconscientes o que faz com que algumas mulheres vivam relações casuais e não encontrem o orgasmo ou quando o atinge aparece uma estranha sensação de culpa, vergonha ou demérito. Não obstante ainda está muito presente termos como: promiscuidade, galinha, safada, puta, etc, que desvalorizam mulheres que vivem relações casuais de forma saudável, mentalmente e fisicamente, tendo orgasmo sem sentir tal culpabilização.
Muitos homens também vivem sob esta égide, não o de reter o gozo nem de sentirem culpados por isso, não foram esses os modelos mentais sociais e religiosos que os foram incubidos, mas tendem a reproduzir a fala que é consciente ou discursiva de que as mulheres deveriam ser como os homens, transar sem precisar se envolver em relações amorosas, só pelo prazer. Desse modo, ao olhar raso deles, acarretaria no acessar variado de fontes de prazer sem muitas responsabilidades, pois para os homens a religião e a sociedade os trouxe como julgo a responsabilidade financeira e afetiva das mulheres, sob a cobrança de as satisfazer, as sustentar e as dignificar, concedendo-lhe ou não o direito ao respeito. Esta cobrança pesa nos ombros dos homens, pois a eles é cobrado fazer a sua companheira feliz. Em um padrão de relacionamento homoafetivo também vemos tais papéis sociais se reproduzirem mesmo que em nível inconsciente.
No entanto, o que acontece no inconsciente do masculino são padrões mentais solidificados durante sua formação educativa social, são como programas de um computador que funcionam com determinados comandos e que não possui capacidade de funcionar de outra maneira a não ser o que lhe foi codificado.
Mentalmente e de forma muitas vezes inconsciente existe a percepção de que companheiras de sexo não têm valor e portanto precisam ser desprezadas e desrespeitadas, figurando em seu imaginário como as antigas prostitutas dos cabarés que a sociedade lhe oferecia para o prazer, diferente das esposas, na busca de alivio ao buscar prazer sem muitas responsabilidades, bastando apenas pagar pelos seus serviços. Esta prática perdura nos encontros furtivos com interesse apenas sexuais, seja com mulheres ou com travestis e por muitas vezes associando esta imagem corresponde até aos homossexuais “afeminados” como costuma-se classificar de maneira bastante preconceituosa. Acontece que independentemente dos afetos e dos interesses sociais os padrões heteronormativos predominam e são os responsáveis pelos rótulos e padrões em relacionamentos homoafetivos.
Na ilusão do consciente, o discurso que aparece é o de que mulheres teriam total liberdade para serem "promíscuas" contanto que seja pelo próprio e unicamente exclusivo benefício masculino que atualmente se responsabiliza ainda menos, pois no encontro casual percebe-se uma resistência ou intolerância em pagar pelos custos da saída. Tal resistencia pode advir do padrão inconsciente da sensação de cobrança de ainda ter que pagar por serviços sexuais, o que contradiz o discurso de direitos iguais no sexo que tanto ouvimos discursarem, pois se ambos buscam o prazer, não deveria haver este incomodo interno. Os parceiros precisam estar dispostos ao encontro e ambos precisam se responsabilizar, reconhecendo cada um o seu lugar na sociedade e os papéis que exercem, ignorar fatos reais da desigualdade entre os sexos é de fato muito absurdo.
O que ocorre é que o padrão inconsciente é que está no comando e o desejo de realmente viver relações amorosas sem o peso das cobranças sociais da responsabilidade pelo outro e poder viver uma relação sexual apenas de modo auto responsável de saudável não acontece, pois mentalmente a programação é de desqualificação do feminino e a depender do nível de absorção desse modelo, eles podem até agredir a parceira sexual, seja verbalmente seja fisicamente, pois o “comportamento liberal” delas estaria dando-lhe esta permissividade.
O idealismo do prazer sexual sem o compromisso de uma relação amorosa acaba sendo frustrante tanto para o homem quanto para a mulher, cada um em suas devidas proporções. A relação de afeto, respeito, responsabilidade, cuidado com o próximo que poderia acontecer em relações sexuais casuais não ocorre e desta forma pesa a qualificação de um relacionamento amoroso que aparenta ser um lugar mais seguro.
Percebe-se desta forma que a relação amorosa é uma cobrança social, mental, mas também inconsciente. Porém, podemos reduzir apenas a isso?
Sendo bastante limitada e trazendo o assunto de uma maneira enxuta, não podemos negligenciar o desejo interno de viver um grande amor que não tem muito a ver com prazeres orgânicos nem repetição de modelos sociais, afinal, podemos viver um grande amor de um dia, fora de um relacionamento, por um terceiro parceiro e de outras mil formas.
Viver um grande amor, a meu ver, está intrinsecamente ligado a fatores extra sociais, embora esses também os alimente ou os reproduza, pois vem de uma ânsia psíquica ou como muitos dizem “espiritual” da necessidade de uma conexão mais profunda com outro ser, em um nível energético. Desejamos não apenas uma conexão carnal nem social, mas uma história de almas, onde a relação não se explique por modelos conhecidos, mas que se configure como algo quântico. Todo ser humano tem esse desejo interno e por mais que seus padrões mentais não o estimule, existe uma semente crescendo no interior. Talvez seja ela a responsável por nos envolvermos afetivamente, apaixonarmos e vivermos histórias de amor que por muitas vezes, como somos doentes e imaturos, sejam tóxicas, abusivas ou trágicas.
Acontece que o mundo psíquico não possui a mesma linguagem humana e na tentativa de traduzi-la, a modificamos. O que acredito que existe na psique humana seja uma auto busca, uma auto integração, tal como já foi bastante teorizado por Carl Gustav Jung , responsável pela psicologia analítica como a imagem da busca pelo Self.
Esta busca incessante pelo “outro” não é, nada mais nada menos, que a busca incessante por si mesmo. Como não acessamos este conteúdo, ele se transforma em imagens e estas se formam por contatos entre sociedades, culturas e histórias. A imagem acaba se formando com a linguagem do encontro amoroso. Algumas dessas imagens podem ser vinculadas ao mito da alma gêmea da divisão dos seres por Zeus na cultura grega, o que explicaria o ser humano viver eternamente em busca de sua outra metade.
Parece levemente frustrante, mas a verdade é que todo ser humano está em desejo constante por si mesmo, para se descobrir, se entender, se curar, se modificar, se entropiar. Somos seres biológicos que possuem ciclos não finitos, como uma planta que murcha para depois desabrochar, no entanto, jamais da mesma forma.
Se viver um grande amor é uma forma de acessar o que não conseguimos sozinhos acessar-nos, parece uma forma bastante não romântica e utilitarista do outro, mas não se preocupe, porque no fundo, é um diálogo, ambos estão na mesma sinergia, seja por um relacionamento que venha a ser construído de forma tóxica ou benéfica, ambos estão colaborando com o desvendar de si mesmos. Servimos como espelhos a todo instante, seja da nossa sombra ou da nossa luz.
Não precisamos desmerecer tanto este processo, mas talvez seja o que nos une quando não há mais necessidade de procriação nem por prazeres físicos. A questão toda a saber é, o outro que você se conectou te espelha na sua luz ou na sua sombra? Porque se ele te espelha na sombra, cuidado, você pode estar num processo longo de auto descoberta extremamente doloroso e ao sair desse relacionamento se conhecendo um pouco mais, você pode em conjunto, formar profundas feridas que determinarão suas próximas relações.
Nesse momento trago como exemplo de tudo que discutimos a série sul coreana “Hotel Del Luna” disponível na Netflix. Excelente roteiro, atuação louvável dos atores e principalmente da atriz principal, com filmagem, montagem, captação de câmera, iluminação e música altamente qualificados. Não à toa esta série está em uma das mais assistidas atualmente na Netflix e ganhando bastante notoriedade. A série narra a história de Jan Man Woll na época Jonseon, antiga coreia, que enquanto ladrona se apaixona pelo chefe da guarda do Rei. Um romance improvável que acarretará em profundas feridas com traição, morte e vingança. O que ocorre é que a Jan Man Woll, agora assassina fria e sombria é mantida viva na Terra por mais de 3 séculos sendo dona de um Hotel que acolhe almas mortas em passagem para o além vida, para poderem reencarnar. Ela recebe este “castigo” como oportunidade para curar-se de todas suas mágoas, pois seu destino seria ter a alma evaporada por ter assassinado muita gente e em consequência não poderia reencarnar novamente.
Nenhuma alma que guarda rancor ou remorso consegue atravessar o rio do pós morte e este também é o caso de alguns funcionários do hotel. O que jamais Jan Man Woll esperava era que os deuses a fariam ter que encarar novamente seu passado para forçá-la a autocura, ela precisa partir e para isso precisa decidir pelo novo eu, luminoso ou trevoso, cabe a ela decidir o que o espelho do amor, que novamente aparece, irá refletir.
Série com direito a fantasmas, mundo espiritual, fantasias de sobra, muito amor e muito trauma, mas acima de tudo trata-se de um tema de processo de cura. O que ocorre é que o processo de autoconhecimento se dá pelo relacionamento amoroso ou pelo sentimento amoroso e ele pode te levar a partes mais sombrias e danosas de si mesmo ou te ajudar a acessar sua luz interna que transforme a dor e cure as feridas. O amor verdadeiro nada mais é que a pessoa que nosso inconsciente escolheu naquele momento para nos ajudar a curar, porém, na ficção isso nada mais é que um arquétipo o que não necessariamente acontecerá na vida real.
A minha resposta é exatamente esta, queremos uma relação amorosa pois desejamos o amor verdadeiro que nos ajude a acessar nossa luz para nos curar, o que estamos equivocados é que esta é uma tradução do nosso desejo interno psíquico (a alma). Esta tradução não corresponde com o original, o que gera uma nova resposta. Não precisamos necessariamente de um par amoroso para acessar esses conteúdos, seja luminoso ou trevoso. Ele pode ser feito por qualquer outra relação, seja familiar, amizade, animais, ou até mesmo pela auto relação. Existem milhares de formas do amor ser um caminho, algumas pessoas encontram na espiritualidade, outras na terapia, muitas na ciência, algumas na natureza, plantas, animais, outras em sonhos,projetos e realizações e ainda existem muitas outras formas do amor estar presente e fornecer a você o que sua alma deseja.
As relações humanas sejam amorosas ou não, são apenas relações de pequenas trocas, não precisa colocar nelas a responsabilidade da auto imagem, da auto busca nem do auto amor, que mesmo que você não esteja na busca consciente, ela ocorre em nível inconsciente. Não deixe que as projeções te torne uma vítima das circunstâncias, assuma essa responsabilidade, pois você veio a vida para curar a sua alma, para se auto amar e para se auto descobrir. Deixe que o outro e as relações amorosas sejam saudáveis, onde você seja responsável por si e o outro seja responsável por ele, em uma troca em que um não precisa ser o espelho do outro. O que ocorre nas ficções nos parece lindo, mas é altamente trágico na realidade.
Independentemente do seu processo, seja ele de sexo casual, de relacionamento social, de um grande amor ou de desejo, respeite o corpo, a mente e a alma desse ser que está no mesmo processo de auto cura e de auto busca. Não permita que ele te faça de espelho nem faça-o e para isso, para realmente conseguir fazê-lo, não basta ter uma determinação discursiva, é preciso alterar seus padrões sociais, mentais e psíquicos, o que gera uma necessidade de uma longa caminhada de autoconhecimento.
No entanto, por mais que não escolha conscientemente este caminho saiba que a natureza sábia vai te levar às profundezas de si mesmo quer você queira ou não. A questão é… você estará pronto para mergulhar em águas profundas sem ter preparo para isso?
Ou a gente se prepara para não se afogar ou a gente se perde na escuridão das águas profundas, não há outra saída, ou você se responsabiliza por você ou você será levado pelo tsunami interno, pois a vida cobra evolução, transformação e entropia, quer você deseje ou não.
Qual será a sua decisão? Aprender sobre o barco, segurar o leme e correr o risco da direção ou deixar seu barco ser engolido pelas sombras do mar?
Para melhor aprofundar nesse tema, aconselho que assista a série com esse olhar menos romântico e mais responsável, “Hotel del Luna”. Desejo boa sorte na sua caminhada, que decida pela auto responsabilidade e que corra o risco dos erros e acertos e dos recomeços que fazem parte do processo de ser condutor de si mesmo e gerenciador de seus próprios processos.
referência da imagem : Ilustrações: James R Eads
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