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SÓ É MÃE QUEM ADOTA, QUALQUER OUTRO AMOR É LOROTA (ou A Falácia do “Amor de Mãe”)





Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite, Soteroleitor!

 

Animados pro Dia das Mães? O mercado tá aí nos lembrando freneticamente que o dia está chegando e que OBVIAMENTE você não pode ficar de fora desta: você precisa comprar algo para este ser fenomenal (se ainda em vida). Será você o “filho ingrato” a não homenagear a MELHOR PESSOA DO MUNDO: sua mãe? 

 

Será?

 

Será que é você quem precisa?¹ E o mais importante:

 

Será que este ser “fenomenal” é mesmo sua mãe?

 

Bom, isto é o que querem que acreditemos desde que nascemos: “não existe amor maior do que o amor de mãe”; “não existe lugar melhor do que colo de mãe”; “amor de mãe é incondicional”.

 

Qualquer atitude do filho/filha, infante, adolescente ou adulto, que cause desconforto a uma mãe (que é uma mulher com seus próprios traumas e limites diversos) é condenado por “desrespeitar pai e mãe”, “pecado” altamente repreendido. E este ser no lugar de nossa mãe tem amplo poderes sobre nós: físicos, psicológicos, emocionais, materiais... Algumas os usam para nossa felicidade e desenvolvimento saudável. Já outras...

 

Não vou entrar aqui no que faz uma “mãe” agir assim ou assado. São muitos caminhos e histórias, que devem ser respeitados.

 

Muito menos meu objetivo é reacender dores, raivas ou tristezas. Sinta-se acolhido se esses são seus sentimentos ao pensar em “mãe”. Lamento que tenha passado pelo que passou. <3

 

Mas não deixarei de fazer um texto polêmico.

 

O que almejo é desromantizar a ideia de glorificação de “ ser mãe” apenas porque pariu.

 

Um exemplo. No Estado de Pernambuco existe um programa pioneiro chamado “Mãe Legal”, onde mulheres grávidas ou no puerpério podem, anonimamente, entregar seus filhos recém-nascidos ao cuidado do Estado.

 

Sabe o que atrapalha este programa e a possibilidade de um futuro melhor para estes recém-nascides?

Resposta: a romantização social e culturamente construído do que é ser mãe.

 

A sociedade impiedosamente julga uma mulher que engravidou, seja por qual motivo for, mas não quer, ou não tem condições de, criar seu filho. “Como uma mãe pode abandonar um filho?!” - dizem as senhorinhas da igreja, afortunadas em suas vidas sociais e econômicas - “Que mãe desnaturada.” E esta mulher será assim julgada pelo resto de sua vida por esta decisão. Inclusive mulher mãe que provavelmente foi ela mesmo uma criança abandonada (não confunda com criança em situação de rua), e agora são novamente abandonadas e negligenciadas. Para qualquer lado que ela olha, há dor.

 

A sociedade prefere que esta criança seja criada abandonada, sem os devidos cuidados, proteção e direitos fundamentais - que a mulher quando grávida já sabia que não conseguiria suprir - do que permitir que a genitora tome a decisão mais sensata por sua cria.

 

E quando esta cria alcança uma idade em que, ou já se tornou uma “criança-problema” para a família e sociedade, ou é finalmente destituída do poder familiar pelos abusos que sofre, é que é aceita como solução a tutela do Estado, que “protege as cidadãs e cidadões de bem” deste convívio indesejado, enquanto a criança ou adolescente é estocado, aguardando uma família para adotá-la. Ou fazer 18 anos e ficar “livre” deste depósito, o mais comum de acontecer.

                           

Mas já é tarde demais, pois mesmo havendo um número de pretendentes habilitados à adoção 7 vezes maior do que as crianças e adolescentes prontos para a adoção no Brasil², a grande maioria só pretende adotar recém-nascidos ou crianças até 6 anos (Vide gráfico abaixo).





Fonte ³

 

Estas crianças/adolescentes que vão e estão nas Casas de Acolhimento, em sua maioria, não são educados para a sua vida futura na sociedade; tem iniciação precoce da vida sexual, sem nenhuma orientação básica; fogem, engravidam e voltam para o acolhimento com outra criança no bucho ou nos braços; sofrem abusos, físicos e sexuais, dentro das próprias Casas de Acolhimento; tem seus processos jurídicos negligenciados.

 

Mesmo as crianças que vão ainda novas para as Casas de Acolhimento, geralmente demoram anos para terem seu processo de destituição familiar finalizado e estar pronto para adoção (prazo que por Lei deveria ser de 6 meses) o que consequentemente, dia após dia, diminui suas chances de adoção por uma nova família. Isto se deve tanto pela morosidade e irresponsabilidade jurídica, como por funcionários, geralmente fundamentalistas religiosos, que trabalham no sistema de acolhimento e adoção dessas crianças, mas insistem que a família e mãe biológica é SEMPRE a melhor opção para o retorno desta criança à sociedade, mesmo que a criança tenha passado por abusos e negligências nesta família. Acreditem neste absurdo: não vou ficar pasma sozinha.

 

Eu definitivamente considero uma melhor mãe aquela que permitiu melhores chances para seus filhos, como no Programa Mãe Legal. Mas a ideia romantizada da maternidade as destroem: as chances e as genitoras, no exemplo apresentado. O que você acha?

 

Bom, apesar do título, e do exemplo apresentado, assim sugerir, este texto não é sobre processos de adoção por mães não genitoras. Mas a necessidade de compartilhar e refletir sobre um conhecimento que adquiri nos cursos de pretendente à adoção⁴:

 

Tode filho, filha ou filhe, ainda que biológico,

precisa ser adotado para que tenha uma mãe.

 

Daí voltamos para o início do texto e a confirmação de que NÃO BASTA PARIR PARA SER MÃE.

 

Você, que é filhe, já se perguntou se você foi realmente adotado por sua mãe (e tudo isso vale para pais também)?

 

E você que é mãe? Você realmente adotou seu filhe?

 

Em tempo, preciso fazer um adendo de acolhimento às mães que realmente amam e adotaram seus filhes, mas que odeiam a maternidade. Sim! Isso é possível! Ser uma ótima mãe e odiar a maternidade como se constitui em nossa sociedade. E se sentir exausta, sobrecarregada, incompreendida, julgada incessantemente... Mas mesmo assim não despejar suas dores em seu ser amado, ou, quando faz, reconhecer que não foi justo e pedir desculpa, buscando as curas. Este texto não é sobre vocês.

 

Venho aqui lhes dizer com toda certeza do mundo que grande parte dos filhos biológicos não foram adotados por suas mães. Estou cercada deles e de suas dores e comportamentos consequentes. É justo cobrar destes seres humanos que nunca foram realmente acolhidos e adotados que idolatrem suas mães? E que sejam julgados quando assim não o fazem?

 

Já passou da hora de questionarmos padrões socio-culturais adoecidos e adoecedores. Vamos pensar mais sobre isso?

 

_____________________________________________________



Fontes e Notas:

 

¹ É lógico que não é você, mas o mercado quem precisa que você compre.

 

² Em outubro de 2024 existiam “4.935 crianças e adolescentes prontos para adoção no Brasil e 35.622 pretendentes habilitados a adotar.” https://www.cnj.jus.br/atualizacao-do-sna-amplia-informacoes-sobre-pretendentes-a-adocao/

 

 

⁴ Além de mãe genitora também sou mãe por adoção.

2 Comments

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Carlos André
há 2 dias
Rated 4 out of 5 stars.

Grato por partilhar seus saberes e me ensinar enquanto homem a refletir sobre minhas práticas no enfrentamento a desigualdade de gênero.

Os textos publicados nesse site nos ajuda a quebrar o ciclo romantizado desta data e discutir as reais questões que as mulheres enfrentam, como você fez.

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Alice Maria Conceição Sacramen
há 4 dias
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente reflexão sobre a adoção da mãe biológica por seus filhos que engravidaram para manter o casamento e os benefícios materiais que são oferecidos🤔 e entregam os filhos nas creches ao longo de um dia inteiro, algumas trabalham fora ou em casa e aproveitam esses motivos e se acham que são "mães".

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