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Ser mãe e trabalhar: de caminhos opostos para espaços compatíveis







Quando citamos as recentes conquistas das mulheres, provavelmente vamos pontuar a liberdade de conseguir construir uma carreira e ser independente financeiramente. Mais ainda, que agora a mulher escolheria quando engravidar ou ser mãe de acordo com seu melhor momento profissional, garantindo que esses dois espaços de sua vida encontrassem equilíbrio. Com isso, acredito que a maioria das mulheres entendeu que esse caminho seria viável se ela usasse adequadamente toda a inteligência, esforço e empenho para que desse certo. Porém, mesmo assim, descobriu-se que o resultado não foi positivo - e nunca será. Não estou sendo pessimista, tampouco isso se deve a alguma incapacidade individual da mulher, mas é preciso esclarecer que o cenário social sobre maternidade e trabalho, apesar das conquistas, continua desigual e desfavorável.


Partindo do básico, pode-se pontuar a desigualdade salarial, que continua predominante e piorou bastante com a pandemia, onde muitas mulheres perderam suas redes de apoio e voltaram-se aos cuidados dos filhos, família e afazeres domésticos[1]. No Brasil, mesmo ocupando as mesmas funções, as mulheres recebem em média 23% a menos que os homens. Um exemplo gritante: um médico especialista ganha em média 167% a mais que uma mulher que está no mesmo patamar profissional. A pandemia agravou essa situação:


“Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, a força feminina no mercado de trabalho caiu de 53,3% – no terceiro trimestre de 2019 – para 45,8%, no mesmo período de 2020. Essa é a taxa mais baixa desde 1991. Já entre os homens, a participação é mais expressiva e a queda foi menor: de 71,8% para 65,7%.”[2]

No próprio ambiente profissional, há diversos percalços. O empregador necessita dos talentos e capacidades da mulher que contrata e quer que ela administre individualmente sua vida - incluindo a carga da maternidade - para que nada interfira nas demandas profissionais. Mesmo que o mercado de trabalho tenha muito a ganhar com a força de trabalho feminina, ele ensina que as mulheres, principalmente as mães, são descartáveis, rotativas e que depende da sua imensa disponibilidade e esforço para que se mantenha no formato que o sistema funciona. Não é à toa que, de acordo com uma reportagem de 2019 da BBC News[3], durante as recessões econômicas as empresas preferem as mulheres porque elas têm salários menores do que homens e, em geral, aceitam piores condições de trabalho. Uma das entrevistadas, afirma:


"Elas têm uma formação melhor, mais escolaridade, mas salários menores. Ganhar menos ou aceitar emprego em condições piores, sem carteira, é uma característica do emprego feminino que atrai as empresas. As empresas querem reduzir custos, se livrar das leis trabalhistas."

Afunilando para a condição materna no ambiente de trabalho, ainda é preciso falar da problemática Assédio Materno que consiste em “comportamentos de violência psicológica dirigidos contra as mulheres no local de trabalho, desde a gravidez até a amamentação e, em muitos casos, após a gravidez.”[4] Esse tipo de assédio pode acontecer em qualquer etapa da maternidade como na gravidez, licença-maternidade ou lactação e é passível de processo como discriminação trabalhista contra mulheres pelo fato de serem mães. Ele pode acontecer desde o processo de entrevista onde a mulher é indagada pelo empregador se tem ou não filhos e qual a idade deles, sem que isso tenha uma relação direta com sua função na empresa.


Mas, este paradigma discrepante entre maternidade e vida profissional não precisa permanecer dessa forma. Diante das condições desiguais de existência da maternidade na vida da mulher, cabe à sociedade, através de políticas públicas, diminuir a distância entre essas condições e o esperado lugar de equidade.


“Problematizar e desconstruir ações que ampliam as desigualdades de gênero são fundamentais para o compartilhamento das responsabilidades com as crianças, que diz respeito não apenas às mães - como comumente são direcionadas – mas, cabe também ao pai, ao estado e a toda sociedade.” (ANJOS, 2021, p. 49)[5]

O reconhecimento que o equilíbrio entre a maternidade e o mercado de trabalho depende de ferramentas de apoio e suporte bem estabelecidas e favoráveis às necessidades das mulheres tem se mantido em contínua discussão nas pautas dos movimentos feministas em prol da maternidade e, felizmente, tem dado frutos. Vou destacar duas notícias bem relevantes acerca disso.


O primeiro[6] é um projeto incrível que acabou de ser aprovado em Goiânia e visa incentivar a contratação de mulheres com filhos de até cinco anos de idade. O projeto Empregue uma Mãe oferece desconto no ISS (Imposto Sobre Serviços) de 5% a 20% às empresas que contratem trabalhadoras mães de crianças de 6 meses a 5 anos e 11 meses. A autora do projeto explica que esse projeto visa fortalecer economicamente as mulheres, já que muitas delas são demitidas ou não são contratadas por serem mães de crianças pequenas. A proposta inclui até um certificado de reconhecimento do município às empresas que adotarem a iniciativa com os dizeres: “Aqui tem uma mãe”.


O segundo[7] é um projeto de lei que já foi aprovado no Senado que garante prioridade a mães solos em diversas políticas sociais e econômicas. Ele visa favorecer de forma completa a mãe solo e seus dependentes nas áreas profissionais, de assistência social, educação infantil, habitação e mobilidade. Alguns de seus benefícios seriam o direito ao dobro do valor de qualquer programa assistencial destinado a família; serem prioridades em políticas públicas de qualificação, orientação e recolocação de mão de obra no mercado de trabalho; direito a regime de tempo especial para empregos em CLT e atendimento prioritário nas vagas em escolas públicas e nos programas habitacionais sociais.


Se colocarmos em cheque a vivência do mercado de trabalho com a prática da maternidade, fica claro o quanto estes dois espaços não convergem para um estado de equidade e respeito devido a estrutura de opressão patriarcal que prevalece na sociedade. Com isso em mente, vamos, com grande esperança, nos unir e continuar discutindo saídas coerentes e relevantes que podem ser articuladas para que o exercício materno aconteça com toda segurança e garantias que ele merece.




[1] Fonte: https://feac.org.br/pandemia-reforca-desigualdade-de-genero-no-mercado-de-trabalho%E2%80%AF/ [2] Fonte: https://www.instagram.com/p/CZ0BchcujVd/ [3] Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46642273?fbclid=IwAR2duhGuHKlSDs5eiqiZdJ6vdJiWgNIHydOssoTbrl-IlTgXIsPljKZf5es [4] Fonte: http://estadodedireito.com.br/assedio-materno/ [5] Fonte: ANJOS, Mádhava Hari Cezar dos. Políticas de acolhimento: como as Estudantes Mães vivenciam a pós graduação. Orientadora: Ana de Fatima P. de Souza Abranches. 2021. 131 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de Pós Graduação em Educação, Cultura e Identidades, Recife, 2022. [6] Fonte: https://ohoje.com/noticia/cidades/n/1379023/t/maes-conheca-o-projeto-que-incentiva-contratacao-de-mulheres-com-filhos-ate-5-anos-em-goiania/ [7] Fonte: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/03/08/senado-aprova-projeto-que-preve-lei-especifica-com-direitos-para-a-mae-solo

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