*Por Jessika Alves
Em 2023, o Brasil respira um pouco mais aliviado em relação à Covid-19, com muitos já imunizados na 4ª dose, já nem lembramos que há menos de dois anos estávamos todos trancafiados em casa, ou encarando as ruas vazias e mantendo o isolamento. Na rádio, já podemos ouvir propagandas institucionais com artistas enfatizando a importância das vacinas e o perigo das fake News. No entanto, tem algo que ninguém está comentando – o fato de novas pandemias poderem surgir a qualquer momento, e não termos nenhum plano internacional forte em relação a isso!
A grande maioria das doenças humanas, epidêmicas e pandêmicas são de origem animal, geralmente chamamos essas doenças de Zoonoses. Peste negra, AIDS, gripe suína, gripe aviária, gripe espanhola e a COVID-19 são todas doenças zoonóticas- ou seja- que saltaram de animais para seres humanos. Isso acontece porque somos muito mais próximos geneticamente dos animais vertebrados do que de qualquer outro ser vivo do planeta, logo, os agentes patogênicos saltam com mais facilidade de animais para seres humanos.
E qual o grande problema disso? Na verdade, os vertebrados silvestres são grandes amortecedores de pandemias no mundo. Esses animais, que geralmente vivem em florestas, abrigam vírus e bactérias que evoluíram junto com eles, em equilíbrio com o meio ambiente. Entretanto, o desmatamento intenso e perda de hábitat levou a taxa de extinção desses animais a níveis inimagináveis. Dessa forma, todos esses vírus e bactérias que viviam com esses animais, passam a buscar outros vertebrados para se alojar e encontram- o ser humano.
Para além disso, a forma como planejamos a criação animal para consumo é um laboratório de novos vírus e bactérias resistentes. Muitos animais são criados em espaços minúsculos, em alto nível de stress e sem dieta adequada. Quando um animal adoece, por conta da falta de inspeção correta, antibióticos para animais podem ser adquiridos sem nenhuma fiscalização em cooperativas de produtos agropecuários – o que é um prato cheio para o aumento da resistência bacteriana. Além disso, muitos trabalhadores desse setor não possuem formação adequada e se expõem de forma arriscada aos dejetos, ferimentos e animais, facilitando o salto de possíveis patógenos. E sim, hoje os sistemas de criação animal são fatores de grande risco no surgimento de novas pandemias.
Temos ainda outros fatores problemáticos: o aquecimento global está fazendo com que todos os processos de destruição ambiental sejam maximizados, aumentando a taxa de extinção animal e favorecendo a proliferação de patógenos e vetores de doenças. Boa parte da população mundial não possui acesso ao saneamento básico e água potável- que só favorece o estabelecimento de doenças epidêmicas. Além disso, reféns da indústria farmacêutica, as pesquisas voltadas para doenças de países pobres são pouco apoiadas e financiadas. Logo, muitas doenças estão ganhando potência pelo simples fato de não olharmos para as necessidades da nossa população mais vulnerável.
Os cientistas já avisaram por meio de diversas publicações que existem vírus prestes a saltarem para a espécie humana nas próximas décadas. No Brasil, existe uma série de viroses como o vírus sabiá e outros causadores da febre hemorrágica altamente letais e ainda sem pesquisa suficiente. Fora a insegurança alimentar que faz com que nossa população passe a caçar e se alimentar de animais silvestres – e diversas doenças letais já causaram óbito no nosso país por conta do consumo de animais como tatu-bola, por exemplo.
Tantos culparam a China por conta da cultura dos mercados vivos. Mas se pararmos para pensar, no nosso país temos diversos fatores que favorecem o surgimento de surtos e possíveis pandemias que ninguém parece estar preocupado. Mas quando elas chegam, matam pessoas e devastam famílias, assistimos apreensivos a falta de atitude da humanidade diante de processos que poderiam ser minimizados e evitados.
Quando a nova pandemia vier, iremos culpar os homossexuais? Os comunistas? As pessoas amaldiçoadas por Deus? Melhor que culpar o indivíduo, é importante agirmos enquanto sociedade. Tanto dinheiro é gasto em guerra e disputa de poder... se esse recurso fosse destinado à garantir a segurança alimentar das populações mais pobres do mundo, saneamento básico para todos, hospitais de grande porte e sistemas de saúde integrados, valorização da pesquisa e fabricação de vacinas para patógenos já existentes, plano de conservação ambiental e contenção do aquecimento global, com certeza estaríamos em uma situação bem mais segura.
Por conta disso, precisamos nos próximos anos aumentar as discussões da nossa saúde e da saúde do meio ambiente. Muitos pensadores já falam no termo “saúde única”, essa expressão significa que só existe saúde humana, se houver saúde animal e equilíbrio ambiental. É possível que saúde única crucial para que não sejamos extintos desse planeta.
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* Jessika Alves é Professora da rede estadual de ensino Bióloga e Doutora em Diversidade Animal pela UFBA. Instagram: @jessikacientista
Fontes:
PAIM, C.; ALONSO, W. Pandemia, saúde global e escolhas pessoais. Alfenas:
Cria Editora, 2020.
MOTA, R. A.; DA SILVA, K. P. C.; DE FREITAS, M. F. L.; PORTO, W. J. N.; DA
SILVA, L. B. G. Utilização indiscriminada de antimicrobianos e sua contribuição a
multirresistência bacteriana. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal
Science, 42(6): 465-470, 2005.
PAIM, C.; ALONSO, W. Pandemia, saúde global e escolhas pessoais. Alfenas:
Cria Editora, 2020.
Seu texto é tão maravilhoso que fiquei emocionada. Aprendi muito e me sensibilizei mais ainda. Isso é uma urgência inimaginável. Parabéns
Texto importantíssimo. Essa dos animais aglomerados em cativeiro é uma bomba relógio. Ainda tem o perigodo derretimento das geleiras. Cientistas afirmam que há possíveis protozoários perigosos por lá