VAMPIROS QUE SE MORDAM:Passos para sair ou evitar relacionamentos abusivos e tóxicos

Sempre detestei receitas e tópicos como esse porque tendem a reduzir os problemas e nos transformar em robôs com métodos infalíveis e ao mesmo tempo nos torna responsáveis por tantas violências. Não existe bula, nem soluções prontas, mas existe uma verdade nisso, somos inteiramentes responsáveis. Não venho trazer aqui uma lista genérica que você pode encontrar em vídeos de auto-ajuda ou nesses textos do google com uma psicologia rasa do comportamento ignorando todo um contexto sócio, cultural e histórico. Trago aqui, alguns passos muito pessoais que eu aprendi ao longo da minha vida imersa em relacionamentos tóxicos e abusivos.
Antes de tudo é preciso aceitar que vivemos ( Salvador, Bahia, Brasil, 2023) em uma sociedade inteiramente e profundamente tóxica e abusiva e ainda torna esses comportamentos comuns, naturais e ainda belos, com grande toque de tragédia amorosa disfarçada de comédia romântica. Reconhecer é o primeiro passo para a mudança, aceitação, e para tanto, é preciso olhar em direção a tudo que nos causa dor e desconforto. Não há outra via para o amadurecimento e a autotransformação, não é belo, nem fácil como andam te ensinando.
Ser tóxico e abusivo é um padrão, se você não estiver disposto a ser um desviante, continuará na história da loucura de Foucault. Saúde é exceção, bem estar mais ainda. Toda a parafernalha romântica, carente e dependente vendida e consumida ao longo dos séculos nos fez assim. Se não quisermos deixar de ser Peter Pan, eternamente na terra do idealismo e nunca crescer, não vamos nos livrar, ao contrário, transformaremos o tóxico e o abusivo em tendências desejadas e reafirmadas. Se está disposto a mudar esses padrões reconhecendo-os como nada agradáveis, você está pronto(a) para ler esse texto e descobrir os passos para fugir deles e transformá-los.
Primeiramente você precisa reconhecer sua própria toxicidade. Não podemos evitar ou fugir delas se nós mesmos as produzimos, para tanto, é importante entender a dinâmica das relações que se configura em um empurra e puxa. Toda dinâmica de relações, seja amizade, amorosa, familiar ou de trabalho, é composta por duas partes que inconscientemente se completam, por muitas vezes, nas lacunas de nossas sombras. Sempre há um encaixe, onde você carece e o outro supre, mas essa dinâmica não é bela como o mito das almas gêmeas, é apenas física, onde falta um elétron em desequilíbrio no núcleo do átomo, todas girando em torno do próton, outro átomo com elétron em excesso, doa, o outro recebe e se equilibram. Nesse quesito o equilíbrio não é romântico, é apenas uma constatação. O que está sendo preenchido, doado ou recebido, é uma equação matemática de equivalência. Transferimos toxicidades em constante busca de necessidade de reparação e de cura, ou, equilíbrio.
O primeiro passo é tornar-se autoconsciente, se conhecer é o processo de entender suas lacunas, suas fragilidades, sua falta, carências e necessidades. Olhar para a raíz dos seus desejos e em como você entende um relacionamento: companheirismo, amizade, partilha, projetos em comuns, entrega, cuidado, escuta, acolhimento, suporte, proteção, segurança etc.
O que você busca geralmente é o que houve falta na base familiar, os primeiros exemplos dos protótipos mentais do seu cérebro. Essas ausências formadoras de sua identidade e autoestima. Note onde houve falha, excesso e falta e que inconscientemente você busca através do encontro com o outro ou com os outros.
Sem consciência estamos dormindo e o preço de não estarmos vigilantes é termos nosso espaço constantemente invadido e dominado. O ladrão vem à noite para roubar e destruir, como já se fala nas parábolas da bíblia, vigiai e orai, tire a trave do teu olho ao invés de procurar tirar a do irmão. Quantas metáforas mal interpretadas, a questão é que não estar consciente de si mesmo é não saber jamais estar consciente em relação ao outro ou à relação que está se criando, trazendo riscos imensos, pois o outro com total inconsciência de si também está no processo de equilibrar-se.
Acontece que existem pessoas justas e outras nem tanto, o que significa que existem pessoas que se importam com o outro e não gostam de invadir e roubar, mas podem assim fazê-los se você o permitir, mas, o injusto não se importa, ele vive para invadir, roubar e destruir, acreditando que está se curando nesse processo. Quem você é? Quem são as pessoas que te invadem? O que faz de você uma vítima fácil e saborosa?
Reconhecer nossas fraquezas é o primeiro passo para se tornar forte. Entenda que você não muda o que se é, nem tem o poder de voltar no passado e refazer os caminhos da dor e das feridas que lhe causaram. A questão é reconhecer-se humano, sempre haverão falhas e elas sempre estarão à vista para o outro, como ouro brilhando no escuro, e saiba, a vida é uma guerra, com ou sem intenção te usarão contra você. Ver suas dores, falhas, fragilidades, necessidades é tornar-se capaz de aceitar o que se é e o que se foi, essa é a sua vida, não adianta sonhar com outra, encare a realidade crua e dura do que se é.
Em seguida, o segundo passo não é negar isso, tendo raiva dos que contribuíram para suas faltas, culpando a si ou aos que te tornaram assim, nem criando uma fantasia e indo morar no paraíso de Peter Pan, tornando sua parte adulta trancafiada e mutilada e sequestrando crianças para seu paraíso fiscal. Já passamos pela fase da infância em que estávamos imersos na indiferenciação, para tanto, é preciso crescer e aceitar a vida como ela é e sua vida como ela foi. Se doer, doer muito, acolha-se, essa dor também é você, abrace-se quantas vezes for necessário e deixe-se chorar em seus próprios braços, são os mais seguros que você pode encontrar.
O segundo passo é aceitação, a partir daí, entrega e confiança, só assim você abre as portas para a mudança. Entendendo suas dores e fraquezas, você aprende a se vestir para guerra e se tornar auto vigilante. Se você sabe que sua falha é buscar no outro a felicidade, ser amado e reconhecido, se você sabe que está sempre em busca de uma alma perdida para salvar e ajudar, que tem a necessidade de ser vista ou o desejo de ser sobrepujado, guiado, protegido, você usa armaduras mais fortes nesses lugares e entende que o outro é o primeiro a te conhecer melhor que você mesmo.
O outro é o primeiro a identificar seus desejos e necessidades e te oferecer um presente de grego, para te seduzir e te enlaçar em suas armadilhas, para suprir a necessidade dele de ser cuidado, protegido e sustentado a qualquer preço, até o mesmo de sua destruição. Essa é a dinâmica das relações humanas, somos todos cegos e humanamente feridos e dilacerados por nossas experiências iniciais, se mordendo e se alimentando, devorando, em busca de alimento para sobreviver, alimentos estes que cessam rapidamente e não preenchem vazio algum, sabe porque? Somos os únicos capazes de nos curar e nos oferecer o que nos foi dado de menos e somos os únicos capazes de equilibrar o que o excesso gerou de intoxicação.
Estar vigilante é o terceiro passo, a partir de suas relações, esteja atento a si mesmo, sempre no seu centro, se auto observando, como se comporta, como sente e porque. Esteja atento(a) às suas fraquezas e o que as desperta, como elas te dominam e quais estratégias os tóxicos e abusivos usaram para te seduzir e se apropriar delas para te escravizar e te tornar bolsas de sangue de vampiros famintos. Perceba que você mesmo se torna um lobo de si mesmo, sendo tóxico e abusivo consigo, ao fazer o que te fere, ao te expor ao risco, ao perigo e à intoxicação que vai te gerar ainda mais feridas para que cure ao longo de sua caminhada.
O quarto passo é sustentar a vigilância, ou seja, o estar desperto, consciente. Ao perceber-se, não se esqueça de si. Costumamos nos distrair do nosso centro a todo instante, dispersos pelos inputs externos e pelos brilhos da sedução alheia, sempre levando-nos a sair de nós e mergulharmos em ilusões outras. Todos os dias se pergunte: quais são as minhas necessidades, as minhas fraquezas, as minhas ilusões, os meus desejos, as minhas faltas, as minhas dores, as minhas carências e as minhas buscas. Em seguida pergunte-se: estou atenta a tudo isso? Estou me cuidando? Estou me escutando e sendo para mim o que eu quero que o outro seja? Estou exercendo o papel de auto parceria? Estou me amando como desejo ser por alguém? Estou me dando prioridade? Estou agindo e fazendo o que é melhor para mim?
É uma grande ilusão criada pela toxidade e abusividade naturalizada por nosso modo tóxico de viver, ensinada e aprendida socialmente, de que estar e ficar em seu próprio centro é egoísmo, não estamos aqui para curar, salvar nem ajudar ninguém. Se seu propósito de vida é transformar o mundo, curar as pessoas e doar-se, está na direção errada. Toda interferência na vida de alguém é uma auto interferência errônea, não mudamos, nem ajudamos ninguém com essa atitude. Ao contrário, contribuímos para a ausência do outro de si mesmo, não contribuímos com sua autonomia nem autoamor e autocura, os tornamos escravos e os usamos como troféus do nosso ego. Usar o outro para seus próprios meios de manipulação e dominação, se aproveitando de suas fraquezas e explorando seus potenciais é outra maneira de se distrair de si mesmo e atrasar seu processo de evolução.
O verdadeiro propósito da vida está em você enquanto ser encarnado, descobrir-se, experimentar-se, curar-se, pois a cada degrau de evolução que você faz, você evita que as pessoas ao seu redor te usam como suporte para evitar olhar pra si mesmas, seja na dependência sobre você ou seja te tornando objeto dependente explorado por eles. Cada um está em seu próprio caminho para seu abismo interior em busca de como Dante, adentrar o inferno, encontrar a amada e não olhar para trás, porque é uma decisão, paralisar-se no que você viveu e como foi editado, e encontrar a cura e se integrar.
Para evitar relacionamentos tóxicos e abusivos entenda as ferramentas que usam e perceba que você as usa contra si mesmo, seja para você quem você mais quer encontrar como alma gêmea, se trate melhor, seja quem nunca jamais foi para você e como ninguém jamais o será. A busca desenfreada pelo outro é a busca desenfreada por si mesmo, nossa própria cura e desgraça, nosso único e verdadeiro, no qual vale a pena viver.
Por fim, analise quem está ao seu lado, você merece mesmo esse tipo de pessoa? Você aceita isso para si? Porque acredita que merece tão pouco? Pior é quando nem nos damos conta de que quem escolhemos para estar ao nosso lado está nos atrapalhando, sutilmente nos desviando de realizarmos nossos sonhos, propósitos e de sermos mais inteiros e plenamente felizes. Cegos pelo brilho que damos ao outro, afundando em uma relação que não nos tem nada para oferecer, conformados com o mínimo.
Somos inteiramente responsáveis por nós mesmos e essa responsabilidade será cobrada a você mais cedo ou mais tarde, a necessidade de continuar o processo de autocura baterá a sua porta e por mais de uma vez, faça-a ser menos dolorosa, assuma quem você é, uma riqueza ínfima, um ser divino e de compreensão infinita.
Você tem a cada dia a grande possibilidade de escolher novamente, observe suas escolhas e sinta-se insatisfeito(a), você merece muito mais do que acredita e não deve se contentar com tão pouco. Não aceite padrões tóxicos e abusivos por medo de estar sozinho, o que em você te assusta tanto? Você é a única pessoa pela qual estará ligada para sempre, portanto aprenda mais sobre si, descubra-se a cada dia e seja cada vez mais uma pessoa melhor pra si. Entenda que não existe o fim da caminhada, essa existência é eterna e a evolução nunca basta-se, não evite-se, a vida te mostrará da pior forma a sua cara através dos elementos que aparecerão na sua vida forçando-te a encarar-se de uma vez por todas. Tenha certeza de que quanto mais nós evitamos o confronto se torna mais desafiador e a vida tem a ironia de usar abusadores e intoxicadores cada vez piores para te lembrar, não deixe chegar nesse estado, tome a decisão de se amar, porque é urgente e você merece, merece acima de tudo compreender o que significa amar a si mesmo (o self, DEUS) sobre todas as coisas.
Referência da imagem: https://culturizando.com/tenebroso-origen-los-vampiros/