Eles estão sempre ali, de boinas ou bonés, alguns de bengala, calças sociais e camisas de botão. Em bandos, eles atravessam ruas e lentamente se aconchegam no desconfortável banco de cimento. O papo rapidamente começa e um deles lança a notícia mais fresquinha que ouviu no Jornal das seis da matina. Opiniões são lançadas, e talvez uma leve discussão, até que alguém chega com o tabuleiro de damas e o jogo começa. Você entendeu de quem eu falo. São eles, os véios da praça.
Mas, intrigada como sou, não consigo visualizar a mesma situação para elas, as mulheres. Onde estão as véias da praça? Elas estão lá, correndo de um lado para o outro, atrás dos netos, sobrinhos-netos ou bisnetos. Estão cheias de sacolas de compras e talvez um carrinho de bebê. Acomodadas umas com as outras, elas não parecem entretidas com jogos, brincadeiras ou com a última notícia quente do Jornal Hoje. O papo do encontro é o preço do feijão, a oração pelo emprego do genro, ou a dica para conseguir mais um cliente que compre seus bordados caseiros.
As véias estão ali, de atentas a exaustas, sem oportunidade para desocupar o papel múltiplo de cuidadoras, provedoras, sustentadoras da família. Se não cuidam mais dos filhos, agora são dos netos. Ou quem sabe do marido que insiste em comer picanha quando o colesterol está nas alturas. Ou da irmã mais velha que foi abandonada pela família e apresenta sinais de Alzheimer. Na dinâmica de ocupação dos corpos em relação ao gênero, cabe ao homem trabalhar por anos e parar na aposentadoria. Para a mulher, ela trabalha ad infinitum, seja pelos meios laborais capitalistas com salário e patrão, seja nas tarefas domésticas eternas, ou até mesmo quando decidem criar outras ocupações para garantir uma renda a mais porque mais um membro da família está precisando de suporte financeiro porque perdeu o emprego.
As véias da praça passarão por esse espaço por alguns minutos do dia para uma pausa culposa ou para o entretenimento das crianças sob os seus cuidados. De qualquer forma, não terão qualquer privilégio de ficar o dia todo nesses lugares. E mesmo que, por uma dádiva do destino, nenhuma dessas ocupações lhes acometam, e o que restar para sua rotina é ter muito tempo livre, o condicionamento mental de anos de serem vistas como importantes e amadas apenas quando estão a serviço de algo ou alguém não lhes dará sossego e elas vão inventar moda. Vão estar mais ativas na igreja, ou na associação de moradores do bairro ou em qualquer outro tipo de comunidade que receba essa gana de produzir afeto e segurança sempre para os demais.
Se uns estão e outros não, no espaço da praça, é porque ficou combinado, por um acordo sem palavras, que a velhice de uns seria sinônimo de descanso, lazer e até enorme monotonia. Para outras, a terceira idade será mais uma fase mal percebida em meio a uma pilha de roupas para lavar, contas para pagar e uma panela de feijão chiando. Por vezes, a véia vai desejar muito ficar apenas na praça, como os véios risonhos e tagarelas que observa, mas, o bebê vai chorar pedindo o colo e o mais velho vai reclamar que está com fome e a pausa não vai chegar. Porque as praças, não tem véias. Não há véias da praça.
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Não deixei de pensar em minha avó que com 80 anos cuida do meu avô de 89, ele tem demência. Ela possui algumas comormbidades motoras, não tem levantando completamente os braços, mas continua a cozinhar e a limpar. Apesar dos filhos ajudarem hoje, ainda sim a responsabilidade maior continua sendo dela. Lembro de quando eu era criança e adolescente, meus avós estavam nos 60 e poucos e meu avô ia todos os dias para o sindicato e ela no cuidado diário do lar e da família e eu como neta estava sendo cuidada por ela. Infelizmente a invisibilidade da velhice das mulheres, principalmente as que se dedicaram aos afazeres domesticos é uma realidade dura, comum e que muitas vezes não…
Infelizmente, as nossas mais velhas são legadas ao trabalho ad infinitum perpetum. E piora se é negra. O papel principal é cuidar. Mas quem cuida delas?
Triste realidade. E não observada!