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"Baixa essa...": o drama da poluição sonora em Salvador

Foto do escritor: Carlos Henrique CardosoCarlos Henrique Cardoso

Uma metrópole como Salvador, com seus aproximadamente três milhões de habitantes, apresenta problemas a granel. Lixo pelas ruas, transporte público ineficiente, déficit habitacional gritante, assalto a ônibus freqüentes, engarrafamentos quilométricos. Poderia ficar aqui listando outros agravantes, mas gostaria de falar de um em especial: a poluição sonora. Eita cidade barulhenta!


A Organização Mundial da Saúde – ligada à ONU – já havia divulgado um estudo o qual revelava que a capital baiana é a campeã brasileira do barulho. Dados da Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município – SUCOM – revelam que entre janeiro e maio de 2016 o órgão registrou mais de 23 mil ligações denunciando som alto. A maioria proveniente de veículos particulares. Porém, as autoridades responsáveis pela fiscalização e apreensão de equipamentos que causam transtorno afirmam que o número de prepostos para tal atividade é muito pequeno. Haja sonzeira!


Percorrendo os bairros da cidade, conversando com amigos e parentes, lendo depoimentos e assistindo reportagens, sabemos que a situação é muito grave. Extremamente grave! Muitos não conseguem assistir TV, falar ao telefone, ou mesmo papear em sua própria residência. Falo de situações “mais leves”. Boa parte não consegue dormir durante os fins de semana. Outro problema são estudantes que se prejudicam, pois não conseguem obter concentração necessária para a leitura. Há pessoas que adoecem em razão de som muito alto ou a convivência com barulhos constantes. Indivíduos nessa situação podem apresentar falhas na memória e dificuldade de aprendizagem, segundo especialistas. Vou mais além e me arvoro a citar também estresse e até depressão.


Posso descrever o cotidiano de muita gente nessa passagem que agora descrevo: em um sábado pela manhã, um indivíduo acorda com automóveis anunciando promoções em algum mercado local. Nas alturas. Logo após, o vizinho resolve lavar o carro ou fazer uma faxina em sua casa e coloca “um sonzinho”. Nas alturas. No início da tarde, o bar logo a frente resolve chamar a clientela com o som “comendo no centro”. À noite “o pessoal” resolve fazer uma festança daquelas – que muitos popularmente nomeiam de “paredão”. Até a madrugada. Na manhã dominical tudo se repete com mais dois acréscimos. Um rádio narra um jogo de futebol “no talo” e à noite um culto em um templo religioso a poucos metros se dá com muita gritaria. A pergunta que se faz é por quanto se descansou? Quantas horas de sono e de repouso foram aproveitadas por quem sofreu esse bombardeio sonoro?


Não basta apenas reclamar, seja com a polícia ou a SUCOM. Alguns locais estão “administrados” por grupos que detém o controle político e econômico do logradouro. Para ter paz (entenda-se paz como sinônimo de silêncio) é preciso negociar. Mas quando festas ou “paredões” acontecem, os interesses comerciais falam mais alto, e a conciliação certamente se interrompe. E vem mais uma condição para que se estabeleça a guerra dos decibéis: Emitir uma alta sonoridade por meio de potentes aparelhos significa estabelecer um poder. E não precisa pertencer a grupos dominadores, esses são exemplificações. Qualquer um que se considere um importante articulador ou reconhecido membro da comunidade – seja por favores prestados, ajuda financeira, ou que imponha respeito através de práticas ilícitas que provoquem receio nas pessoas em realizar qualquer denúncia - vai se achar “no direito” de fazer as coisas a seu jeito. Todo esse martírio gerado por músicas altas apresentam situações inusitadas: devido ao volume no máximo, muitos conversam berrando nos ouvidos uns dos outros. Isso pode demonstrar muita coisa. Que importa menos uma confraternização entre amigos e mais uma representação de superioridade social. Naquele espaço. E também um caldeirão que inclui má educação, ignorância, soberba e – vá lá – um pouco de sadismo (satisfação com o sofrimento alheio).


Qual a solução para isso? Resposta difícil. Só posso mesmo apontar um princípio que é batido, rebatido e nocauteado: cidadania. Ter noção de espaço público e saber onde termina seu direito e começa o do outro. Básico. Apresentar uma alternativa pra um balaio tão grande de ruídos avassaladores é muito pouco. Lamento.


Por fim, quero deixar aqui algo que verifico muito. Quando alguém se queixa de som alto na rua ou no vizinho, sempre alfinetam o estilo musical que está sendo escutado. Entendo que ouvir o que não lhe agrada piora a sensação de terror. Mas não deixa de ser desvio de foco. Barulho é barulho! Impede de concentra-se com qualquer coisa que tenha vontade de fazer naquele momento. Se incomodar com o som é porque há doses e mais doses a mais de decibéis. Seja um funk ou uma suave bossa nova. Jazz, blues ou o que seja. O volume do som é que atesta a irritação, e não o gênero musical. Porém, associações entre ritmo e índole pessoal fica para outra ocasião.


Para encerrar, fico com a sensação que esse artigo é um desabafo. São diversos soteropolitanos, moradores dessa cidade, com suas enormes carências, que me acompanham nessa narrativa. É um texto escrito por milhares de mãos, que sofrem diariamente nos fins de semana, períodos festivos, feriadão, enfim, com brados intermináveis nos tímpanos. E não estou fazendo drama não. As situações são reais para muita gente! Ainda bem que textos não emitem sons. Pois este aqui seria mais um grito.


Fontes:


https://pixabay.com/pt/alto-falante-som-%C3%ADcone-volume-2488096/


http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1282032-salvador-e-cidade-mais-barulhenta-do-brasil,-aponta-oms


http://g1.globo.com/bahia/noticia/2016/06/salvador-registra-mais-de-23-mil-denuncias-de-som-alto-em-5-meses.html


http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/07/120728_som_alto_memoria_dano_lgb.shtml

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