"Diz-se que é livre o que existe só pela necessidade de sua natureza e que é determinado a agir por si só enquanto é necessário ou coagido aquilo que é induzido a existir e a agir por uma outra coisa, segundo uma razão exata e determinada." (SPINOZA, 2015).
Minha coluna de hoje é a primeira parte de uma breve série das principais ideias do filósofo holandês Baruch Espinosa, nascido em 1632, em Amsterdã. Pouco conhecido no senso comum, esse autor fez parte das minhas leituras, em 2016, na construção de um projeto realizado no curso de pós - graduação em Filosofia Contemporânea, da Faculdade São Bento da Bahia. Espero que suas ideias possam interessar ao público, pois seus conceitos atravessam a História.
A liberdade não é contrastante com a necessidade! Eis a primeira polêmica de Espinosa. Necessidade, aqui, bem delineado como fruto de uma coação, de uma dependência determinada por outro a existir; que opera de uma maneira definida. Por outro lado, a liberdade é pensada não no sentido de uma vontade humana própria, de uma escolha autônoma entre várias alternativas; pelo contrário, liberdade e necessidade é a mesma coisa! Não sendo ideias opostas, a liberdade se configura como uma manifestação natural e necessária de uma potência interior, de uma essência.
Liberdade como um caminho de compreensão das ideias adequadas[1] que se desaguam na busca da Substância, Deus, do intelecto divino, da ordem natural das coisas. O homem na busca de uma compreensão da necessidade da eternidade divina se defronta com os constrangimentos externos, objetivos, ou seja, das paixões, que só tendem criar a servidão, comportamentos voltados para apetites lúbricos.
Essa concepção de liberdade em Espinosa, é bem diferente do conceito de liberdade que estamos acostumados a ver, e que foi brilhantemente trabalhado pelo filósofo francês Paul Sartre. Para este, o homem é condenado a ser livre, sem determinismos absolutos, e qualquer tentativa de determinação na sua conduta é vista como má-fé. Essa condenação da liberdade precede qualquer princípio moral. De tal modo, que nada pode determinar essencialmente as decisões que o ser humano toma, e tudo o que ocorre em sua vida é fruto de escolhas deliberadas, de engajamento. A má-fé é o contrário da livre escolha.
Oposto ao existencialismo de Sartre, a concepção de Espinosa não separa necessidade de liberdade. De acordo com Delbos (2004) o autor é um idealista concreto, pois além de considerar que existe um Ser racional, a priori, ele fundamenta que o próprio Ser está também inscrito na existência. A verdade, portanto, estaria na ideia e na coisa.
A questão da liberdade passa pela inquietação do autor da Ética – seu livro mais conhecido - pela preocupação de como atingir um conhecimento verdadeiro, estável, eterno, livre da gratuidade dos afetos, da contingência. Como pensar na estabilidade da mente e do corpo, sobretudo para lidar com a complexidade e instabilidade da experiência humana? Nesse sentido, libertar os homens do peso de suas superstições e preconceitos apontando para uma compreensão verdadeira das causas das suas paixões.
Espinosa conduz a ideia de que todo aquele que age livremente, age de acordo com a natureza da potência de agir – perseverança para viver de acordo com o Ser – e se aproxima da liberdade, da própria essência de Deus. O homem livre age de acordo com a necessidade da eternidade da Natureza; ou seja, é guiado pela potência divina, e não pelos afetos fortuitos dos encontros diários.
O que é Deus para Espinosa? Uma substância com infinitos atributos, que exprimem uma essência eterna e infinita. Causa de si mesmo, que envolve toda a existência. Deus existe necessariamente. Deus é imanente à todas as coisas, e nada existe fora Dele.
Deus como substância, como Natura Naturante (que existe em si mesmo e por si mesmo é concebido) engloba toda a Natureza Naturada (tudo que se segue da natureza de Deus, os atributos e modos).
O mais elevado nível de conhecimento que pode alcançar o homem é a intuição ou ciência intuitiva. Nesse gênero, ele começa a compreender a essência de todas coisas. E a essência das coisas é algo maior, um Todo, Deus, como causa de tudo. O ser humano compreende a singularidade das coisas, e essa singularidade é divina, eterna. Aquilo que propicia o conhecimento da essência eterna e infinita das coisas existe, igualmente, na parte e no todo. (SPINOZA, 2015).
Em um nível extremamente elevado de conhecimento, o homem é livre quando age de acordo com a eternidade e necessidade de Deus. Sua ação é consoante com a ordem natural das coisas. É o homem sábio! É aquele que tem consciência de si mesmo, de Deus, em virtude de uma certa necessidade intrínseca.
[1] A compreensão completa das ideias adequadas é alcançada no terceiro gênero de conhecimento: “ o terceiro gênero de conhecimento procede da ideia adequada de certos atributos de Deus para o conhecimento adequado da essência das coisas. E quanto mais compreendemos as coisas dessa maneira, tanto mais compreendemos a Deus”. (SPINOZA, 2015, p. 228).
[2] SPINOZA, B. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
[3] DELBOS, Victor. O problema Moral da Filosofia de Spinoza. Trad. Jean-Marie Breton. In: FRAGOSO, E. A. R. (Org.). Spinoza: Cinco ensaios por Renan, Delbos, Chartier, Brunschvicg, Boutroux. Londrina: Eduel, 2004.