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POR QUE A SOCIOLOGIA É COMPLETAMENTE INÚTIL?


Em um mundo onde as coisas funcionam bem, com tudo encaixado, sem brechas ou manchas; em um mundo onde tudo tem uma justificativa disponível, uma linguagem bem articulada, além de todo tipo de conveniência, a sociologia colabora de um jeito especial, muito diferente do que se poderia imaginar. O signo nem sempre é uma ferramenta prática, nem sempre é um recurso de suporte, uma ajuda, uma mão estendida. Nem sempre é um abraço no meio do sofrimento, ou um lenço quando as lágrimas caem, nem mesmo é uma boa história quando as coisas não fazem mais sentido. Esse signo pode apresentar contornos fortes, estranhos, radicais, embora sempre rico de possibilidades. Algo se ganha, algo se perde... é a vida!!! Apesar do esforço em reduzir escolhas complexas, transformando tudo em uma decisão boba entre certo e errado, no fundo sabemos que nada é tão simples. No limite do complexo, no limite da maturidade, no limite da propria experiencia, você para e pensa: Sair do conforto de um signo útil, confortável, conveniente, vale mesmo a pena? Qual o custo de uma escolha como essa? O que perdemos e o que ganhamos?


Quando você sente dor, ou um incômodo qualquer, a primeira reação é automática, meio que espontânea: “É preciso resolver o problema, de preferência indo direto até um médico”. O papel do médico, como todas as outras áreas, é basicamente pragmático, servindo assim a um propósito claro. Existe um problema lá fora, no mundo, e por isso é necessário uma linguagem que costure esse defeito, na tentativa de fazer com que tudo volte ao normal. A ruptura, o caos, a dor, a incoerência, a contradição, sempre foram vistos como defeitos, elementos estranhos no interior do fazer cientifico e da própria atmosfera cotidiana. Aprendemos, desde sempre, o quanto nosso “Eu” é estável, claro, e bem transparente, com exceção, talvez, de pessoas doentes ou malvadas. No geral, como regra, as fronteiras são sempre claras, óbvias, puras. Problemas existem apenas enquanto externalidade, enquanto algo vindo de fora, do exterior. Em nossa fortaleza interna, em nossos pensamentos, jamais duvidamos de nada, muito menos dos nossos valores, da nossa personalidade, do nosso "Eu", o que não é nenhuma surpresa, já que tudo é costurado do modo mais conveniente possivel, assegurando todo tipo de conforto.


A sociologia, felizmente (ou não), segue um outro rumo, ao menos quando bem aplicada. Sua linguagem, não sendo pragmática, obedece um ritmo alternativo, sem fronteira, sem conveniência. Isso significa que a sociologia, assim como o poeta de Heidegger, não apenas dispensa o pragmatismo, como muitas vezes acaba sendo um exercício angustiante e até mesmo perigoso. Caso algum sociólogo, algum dia, em algum momento, tenha conseguido repousar sua cabeça tranquila no travesseiro, como se tudo estivesse encaixado, bem resolvido, provavelmente não entendeu muito bem a aventura sociológica, preservando ainda uma estrutura previsível e bastante perigosa.


Não sendo um saber determinado, ou uma justificativa bem costurada, o que é essa sociologia? A melhor resposta talvez seja a heideggeriana: “Ela NÃO É”. Não é uma essência, um rótulo, uma teoria, um autor, um conceito, sendo, portanto, muito mais um excesso, um espaço que foge a própria representação ou até mesmo um laboratório onde a linguagem pode finalmente seguir até o limite. O campo sociológico conduz a linguagem além de toda estrutura conveniente, não apenas superando o cotidiano, mas também todos os outros ramos científicos. Seu compromisso, quando bem direcionado, jamais é instrumental, jamais é um simples pacote de associações. Como na psicanálise, a sociologia implode a linguagem, seu encadeamento pragmático, conveniente, ao fazer com que o signo opere de uma forma mais saudável e aberta.


Sem dúvida, existe um preço a pagar por essa quebra do pragmatismo, assim como, na psicanálise, existe também um preço a ser pago pelo uso das associações livres. Por outro lado, existe um ganho, um efeito colateral positivo, um troféu interessante. Se existe angustia, incerteza, crise, por um lado, existe também a humildade, por outro, ou seja, a certeza que o mundo não é apenas uma extensão do meu querer ou da minha linguagem. A certeza que esse mesmo mundo carrega surpresas, aprendizados e sempre novos encontros. Essa postura humilde não é resignada, muito pelo contrário. Ela é, inclusive, o ponto de partida para novas articulações políticas, cotidianas e cientificas. A postura aristocrática tradicional, aquela linguagem pretensiosa, jamais conduziu o humano a algum lugar, a não ser rumo a um espaço de ódio, preconceito e violência. A abertura ao outro, ao novo, a diferença, a criação, depende de uma linguagem adequada, uma que fuja dos limites do conveniente, uma que ultrapasse as fronteiras do pragmatismo. É preciso, portanto, mais do que nunca, de uma sociologia completamente inútil.


Referência da Imagem:


https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-852398092-camiseta-sociologia-graduaco-curso-blusa-camisa-humanas-_JM

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