
A coluna desta semana é uma breve reflexão acerca da representação política moderna, baseado na obra Os princípios do Governo Representativo, do cientista político francês, Bernard Manin.
Manin escreveu um livro muito importante para a teoria política, sobre a metamorfose do modelo de governo representativo. O autor analisa quatro princípios - historicamente ancorados de forma institucional - de um governo representativo; I– aqueles que governam são nomeados por eleições em intervalos regulares; II– relativa margem de independência dos representantes, na aprovação de medidas políticas, no exercício do mandato. Relativa porque há sempre brecha para influencias externas; III – liberdade de opinião pública, ou seja, os eleitores possuem o direito de externar suas inquietações e reivindicar ações dos que estão no poder, vide a última cláusula da Primeira Emenda da Constituição Americana: “ o direito das pessoas de se reunirem pacificamente e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”; IV – decisões públicas sujeitas a julgamento por discussão. Equivale a dizer que é um método para testar e experimentar decisões públicas.
Seu ponto de partida remonta ao parlamentarismo liberal. Neste tipo de regime, havia certo espaço ou liberdade para os representantes votarem; eles agiam com mais autonomia frente aos interesses exógenos. Um cenário que não havia partidos políticos. Um segundo modelo mais atual, a democracia de partido, cujo os representantes perdem sua “autonomia”; não agem mais com vontade livre, orientando-se conforme as lideranças partidárias. O problema, aqui, é que quase todas as decisões políticas acontecem ad hoc, antecipando os resultados dos “debates" no Parlamento. Literalmente o termo “Parlamento”, que tem sua origem em “discutir e deliberar”, perde sua função.
O modelo atual é a democracia de público, no qual a sociedade de massa expõe os problemas sociais publicamente. O político, sobretudo os candidatos ao pleito, ganham mais visibilidade e força, através da mídia, ao traduzir as demandas sociais. O partido torna-se coadjuvante, cabendo ao candidato o protagonismo de capturar as demandas sociais, muito por força da imagem pessoal, e das redes particulares ou interações face a face, na busca do êxito eleitoral.
Alguns anos depois, após a publicação da sua obra, Manin aponta que na democracia de público ou audiência, o partido político ainda carrega um peso muito importante para o governo representativo. Primeiro, porque candidatos independentes de filiações partidárias dificilmente chegam ao poder (falarei mais ao final sobre esse ponto). Mesmo que a realidade aponte para campanhas eleitorais centradas nos candidatos (como personalidades midiáticas), os partidos continuam tendo sua importância, principalmente em relação aos financiamentos e canais de comunicação públicas. Segundo, nas sociedades avançadas, a disciplina partidária é uma constante nos parlamentos, formando coesões quase inalteráveis. É menos custoso para o representante seguir a orientação dos partidos, na busca de benesses políticas, do que agir individualmente.
Mas há algumas diferenças importantes quanto aos dois momentos da representação. Na democracia de partidos, o partido é célula fundamental para refletir clivagens socioeconômicas e culturais duráveis, unidos pela fidelidade partidária de seus membros. As agremiações se comportam como agentes coletivos dotados de identidades permanentes. Já no cenário de uma sociedade de massas, na democracia de público ou audiência, os partidos
[...] são decisivos, mas já não são unidades bem definidas dotadas de identidade duradoura. Eles têm de buscar ativamente o apoio dos eleitores a cada votação, ajustando seus temas de campanha a interesses variáveis dos eleitores, e reconfigurando, consequentemente, a composição de seu público-alvo (MANIN, 2013, p. 123-124).
A cada nova eleição a escolha dos cidadãos são contingenciais, sendo que na democracia de audiência, cabe aos partidos estarem atentos às mudanças e as diversas demandas dos diferentes públicos, já que as lealdades partidárias cairam vertiginosamente comparada com a Era industrial. Outra consequência é que os eleitores vêm o partido mais como instrumentos a seres utilizados de acordo com as circunstâncias eleitorais, e menos como um time para vestir a camisa em todas as competições.
Com o sufrágio universal, o partido político cresceu de tamanho, sendo elo inevitável entre eleito e eleitor, visando a diminuição da distância entre ambos. Para Norberto Bobbio [2] essa “era dos partidos” criou uma “partidocracia”, pois o partido tem maior protagonismo sobre o eleito e é tradutor das necessidades dos eleitores. O partido ganha uma relevância colossal na democracia liberal. A relação entre o político e partido tornou-se imperativa pela necessidade da disciplina partidária, por um mandato vinculativo. O representante não age de forma completamente autônoma, pois é constrangido a posicionar-se a favor do partido ou a seus pares. Na outra ponta – eleitores e partidos - este último apresenta-se com interesses particulares, pouco ideológicos, na concorrência desenfreada por alcançar o poder, num sistema de mercado político competitivo na captura de votos e influências permanentes.
Quanto mais fortalecido o sistema partidário, menor o mandato livre, mais reduzido o poder do representante. Em outras palavras, a liberdade política dos legisladores contemporâneos na Democracia diminui com o aumento da organização e burocratização do sistema partidário e parlamentar. E mesmo no sistema eleitoral, apesar do poder pessoal dos candidatos, os partidos são peças importantes para a vitória deles.
Atualmente há um esvaziamento dos debates. Ascender à política institucional nos dias atuais, na Democracia avançada, é enquadrar-se cada vez mais em um campo de disputa política altamente competitiva, com regras e acordos bem definidos. Qualquer tentativa de mudança é alvo de repressão, isolamento ou expulsão.
No Brasil, desde 2015, com a redução da infidelidade partidária, o espaço do político é bem menor. O representante só pode mudar de partido - sem perder seu mandato em três casos: - I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; II - grave discriminação política pessoal; III - no período chamado de “janela de oportunidades”, que ocorre no ano das eleições, no qual o parlamentar pode migrar sem punição. [3]
Um último degrau importante, é que o país está entre os 9,68% das Nações que não adotam nenhum tipo de candidatura avulsa (concorrer às eleições sem estar filiado a partidos políticos). Há tentativas para implementar as candidaturas avulsas no Brasil, o que vai na direção oposta do que a Reforma Política tem proposto: fortalecimento do sistema partidário.
Sem esgotar o assunto, queridos leitores, fica a reflexão de como seriam as eleições com financiamento privado das candidaturas avulsas, sem o capital político dos partidos. Com a Era Virtual, é possível uma nova metamorfose na representação política, ao menos nas campanhas eleitorais. A força da imagem do candidato e as diferentes formas de capturas de votos, é algo a ser pensado com mais importância. Além disso, um cenário no qual a maioria do Congresso fosse formado por parlamentares sem vínculos partidários, sem obrigação de obediência a lideranças, parece ser algo muito distante da realidade, mas nada é impossível.
Até a próxima!
Link da Imagem: http://www.webservos.com.br/gospel/estudos/estudos_show.asp?id=11942
[1] MANIN, Bernard. A democracia do público reconsiderada. Novos Estudos, n. 97, p. 114-127, 2013.
[2] BOBBIO, Noberto. Representação e Interesse. In: BOBBIO, Noberto. O Filosofo e a Política. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003, p. 283-298.
[3] link: https://www.eleicoes2018.com/como-se-da-a-infidelidade-partidaria/)