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Bote um sorriso nessa cara!


“A pior parte de ter um transtorno mental é que as pessoas querem que você haja como se não o tivesse”


Produto de uma infância abusiva e sem conexão emocional? Vítima de uma sociedade cruel, exigente e escassa de empatia? Vilão psicótico? Apenas um ser humano carente?


Joker, produção americana, que estreou essa semana, traz uma visão profunda sobre todas essas facetas do personagem, arqui-inimigo do Bruce Waine. E vai muito além de um filme para fãs de histórias em quadrinhos.


Ao sair da sala de cinema, me pergunto se somente eu que me compadeci com o drama de Arthur Fleck. Fui a única a sentir raiva das pessoas que o rodeavam e o tratavam com extremo desprezo e das condições sociais desumanas com as quais ele tinha que conviver?


Será que eu ou você nunca passamos por um Arthur na rua por onde caminhamos freneticamente todos os dias? Será que você o enxergamos? Quem sabe nem o quiséssemos enxergar...


O sofrimento psíquico é invisível, silencioso. As pessoas não querem vê-lo, quanto mais escondido estiver, melhor. O que os olhos não veem, coração não sente - não é assim?!


Se, por ventura, o social é forçado a pôr os olhos nele, das duas uma: ou estigmatiza ou quer moldá-lo ao que considera normal - “...as pessoas querem que você haja como se não o tivesse". Essa frase está incessantemente passando pela minha cabeça desde que assisti ao filme ontem. A segunda mais marcante é:

“Ter que ser feliz o tempo todo é extremamente cansativo, amigo".


Pra você não o é? Como ser feliz o tempo todo? Como ser feliz numa sociedade que o massacra os todos os dias, que não provê condição alguma de mínima qualidade de vida? Como estar com um sorriso na cara (não um fake) se você sofre de uma dor de proporção indizível?


Eu sei, minha resenha de hoje está repleta de questionamentos, leitor. Isto por que, foi assim que saí do cinema ontem, impactada. E saiba que meu trabalho é ouvir o sofrimento. Mesmo assim, o impacto veio. E talvez, por isso mesmo, potencializou-se em minha mente e alma.


Todos nós sofremos, em escalas e momentos diferentes. Sofrimento de origem profunda, de necessidades emocionais não atendidas, da criança de cada um, esquecida, mas que insiste em aparecer. Sofrimento atual, que esmaga profundamente, de padrões revividos, em diversos aspectos de vida.


O Coringa construído por Todd Phillips e genuinamente encarnado por Joaquin Phoenix, continua sendo um vilão, mas não de uma loucura promíscua, sem porquês.


Pra mim ele foi talhado através da raiz infantil abusiva, da frustração diária social e emocional, da invisibilidade contínua, da desesperança extrema. Um conjunto coerentemente explosivo.


Quantos Coringas existiram, existem, existirão? Nunca teremos a resposta.


Sim, ele é delirante, um lunático! Mas tenho algo a te dizer: psicótico também é ser humano. Sofre, ama e sangra, igual a todo mundo!


E quanto aos que, mesmo sem esse componente, são trazidos à tona, todos os dias, fora e dentro de nós, uns um pouco mais benevolentes, outros tão cruéis quanto? Até consigo mesmos...


Joker merece nosso olhar para além do habitante de Gothan. E acredito que o objetivo do roteiro e da atuação seja exatamente esse: promover o questionamento no espectador. Fazer pensar sobre empatia, sistema social, condições de vida, transtorno mental, invisibilidade, ditadura da felicidade, etc.


Convido você a assistir o longa, acompanhar as danças metafóricas e tocantes de Arthur/Joker/Phoenix, mergulhar nesse drama denso e fazer as suas próprias reflexões. Com certeza, as minhas irão me acompanhar durante algum tempo.

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