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Foto do escritorThiago Araujo Pinho

A GENIALIDADE DO “CANETA AZUL, AZUL CANETA”: Memes, Vírus e um pouco de Sociologia


Você provavelmente deve ter assistido nos últimos tempos um vídeo curioso, na fronteira do estranho, envolvendo uma música “tão ruim que chega a ser boa!”. O maranhense Manoel Gomes, 49 anos, cantou a história de uma caneta, mas não qualquer caneta: A caneta era azul!!! O mais curioso ainda foi a reação de muitos internautas, como eu e você, surpresos com o sucesso de um vídeo tão ingênuo, tendo sido visualizado mais de 10 milhões de vezes. Parece estranho como alguns conteúdos brotam de repente, como um vírus que se espalha, ganhando sempre maiores proporções, quase como um movimento ondulado de um rio quando uma pedra é lançada em seu centro. Quem não lembra do famoso Gangnam Style, lançado em 2012 pelo artista Psy, um Rapper e produtor musical sul-coreano? O vídeo já alcançou seus 3,4 bilhões de visualizações, quase como se a metade da população do planeta tivesse assistido. O que justifica tanto sucesso e de uma forma tão rápida?


Na sociologia, como em outras áreas de humanas, a realidade quase sempre é explicada por alguma estrutura que a organiza, alguma matriz que a justifica. O objetivo do sociólogo, portanto, é resgatar essa mesma estrutura de fundo, escondida nos bastidores, distante dos olhar ingênuo do sujeito comum. Em outras palavras, se algo acontece, se um fenômeno brota na superfície do mundo, alguma coisa o motivou, talvez algum sistema, alguma matriz, alguma estrutura. Esse modo kantiano de entender a realidade é chamado de transcendentalismo, uma busca por estruturas que se encontram por trás da experiência, enquadrando tudo dentro de um retrato ordenado e previsível. Ao invés de perder tempo no fluxo de práticas e justificações, a meta é extrair, mesmo que seja à força, uma forma de fundo, uma estrutura. Exemplo: “como um sociólogo tradicional explicaria o sucesso de Coringa, o filme?” Provavelmente buscando essa mesma forma, essa estrutura, depositada nos bastidores de todo comportamento, o que justificaria a ida até o cinema. Talvez tenha sido Hollywood com sua lavagem cerebral ou o capitalismo com sua ideologia ou mesmo o Estado com sua presença sutil e perversa. De qualquer forma, existe sempre algo por trás, cabendo a nós, pensadores críticos, descobrir esse “algo”, descortinando a verdade, revelando os fatos. As experiências, portanto, são apenas efeitos de uma cadeia rígida de determinações, de uma matriz que as ordena e as justifica.


Gabriel Tarde, sociólogo do século XIX não apostava muito nessa ideia de estrutura (sistema, etc), nessa busca paranoica por uma matriz toda poderosa, embora tenha sido a moda do século XIX, com Marx, Comte, Durkheim, Spencer, e tantos outros. Tarde, ao contrário, defendia a imitação como uma alternativa aos modelos da sua época. Indivíduos são levados a fazer algo, não porque existe alguma matriz que os obriga, alguma estrutura internalizada, mas sim porque um fenômeno simplesmente “viraliza”, afetando todos em um ritmo contagiante e imprevisível. Não existe, nesse caso, nenhum motivo anterior que justifique algo ser imitado, mas sim um contágio sensível, corporal... em rede. Graças a chegada da internet, e seus memes, Tarde nunca foi tão contemporâneo, tão presente no modo como organizamos o mundo. Um vídeo pode ser contagiante independente do seu conteúdo ou de qualquer tipo de expectativa prévia, podendo envolver gatos, crianças, explosões, crises, gafes... ou até mesmo uma simples e inocente caneta azul!!!. Ou seja, ele SIMPLESMENTE ACONTECE, brota, surge, propaga. Para o sociólogo paranoico, aquele kantiano, essa explicação não faz sentido, já que tudo precisa de um motivo, uma razão, uma causa. Como qualquer paranoico, nada é por acaso, nada SIMPLESMENTE ACONTECE, mas tudo é apenas um pretexto de uma estrutura mais fundamental. Se pessoas marcham juntas nas ruas é porque foram levadas por alguém ou por algo. Será mesmo? E se elas apenas tiverem sido contagiadas por um “meme”? E se todo o comportamento humano for um meme que se espalha, se irradia, muitas vezes sem qualquer motivo? “Como explicar a greve de caminhoneiros com a abordagem sociológica clássica?” Alguns falavam de uma manipulação do setor empresarial. Será mesmo que foi tão organizado assim? “Como explicar o sucesso do filme Coringa?” Alguns falavam da manipulação da indústria cultural e a maneira como controla as expectativas? Será mesmo tão simples?


Segundo a imitação tardiana, corpos são afetados e afetam outros em um ritmo imprevisível. Enquanto Durkheim explicava o suicídio em termos sistêmicos, envolvendo a crise no sentimento moral da sociedade, entendida aqui como um grande organismo vivo e todo poderoso, Tarde, ao contrário, compreendia o suicídio a partir do conceito de imitação. Um suicídio se propagava, afetando alguém, que afetava outro alguém, em uma rede complexa de afecções. O suicídio seria um meme, embora sem aquela carga de humor.


Talvez o vídeo “Caneta Azul, Azul Caneta”, e a surpresa gerada em torno dele, realce um aspecto fundamental das experiências. Talvez nunca tenham sido estruturais, talvez nunca tenham sido tão organizadas como imaginamos, mas apenas uma série de corpos que se propagam, se afetam, quase como um “meme” que simplesmente viraliza. Em outras palavras, talvez a realidade sempre tenha sido tão frágil, tão precária, quase como um castelo de cartas no meio de uma tempestade. Talvez a estrutura ou sistema seja um desejo por estabilidade que nunca existiu de fato, mas que buscamos em todas as esferas, seja na ciência, religião ou senso comum. Talvez por trás de tanta estrutura, tanto sistema, exista apenas um fluxo imitativo de corpos que se afetam, se reconhecem e se propagam.


REFERÊNCIA DA IMAGEM:


https://diarioprime.com.br/tv-online/entretenimento/caneta-azul-azul-caneta-o-novo-sucesso-da-internet/



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