top of page
Foto do escritorEquipe Soteroprosa

A VIDA COMEÇA COM UM GRANDE SIM!




Clarice Lispector inicia A hora da estrela exclamando: “tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida”. (2017, p. 47). Gosto dessa imagem, é aprazível pensar que a vida começa com uma afirmação. Nietzsche, consoante à Lispector concorda: “Sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado ‘sim’.” (2014, p. 53). É como dizer que a força motriz criadora depende de uma disposição favorável, de uma abertura ao “aqui” e “agora”.


2020 marca o começo da nova década. Observo uma atmosfera de renovação e ansiedade, como se a virada do ano representasse automaticamente algum tipo de mudança. A natureza nos ensina preceitos valiosos se pararmos para observar a metamorfose da lagarta em borboleta. O destino da lagarta é ser borboleta. Mas nessa trajetória de crescimento há dor e sofrimento, se a lagarta diz “não” ao seu processo ela possivelmente morrerá ou deixará de ser o que é. Trata-se de um exemplo clichê, admito, mas o óbvio também precisa ser rememorado, sobretudo em tempos de pós-verdade.


No presente texto gostaria de reiterar juntamente com Clarisse Lispector e Nietsche que tudo começa com um grande e sonoro “sim” e para dar esse passo em direção à afirmação é necessário ter coragem. Já que estamos iniciando uma nova década é possível compreender esse “sim” como um estado de abertura que conduz o indivíduo a cumprir com o seu próprio destino. Duas premissas da sabedoria grega antiga me orientam na construção desse texto e da minha própria vida. A saber, a inscrição na entrada do oráculo de Delfos “Conhece-te a ti mesmo” e o imperativo do poeta Píndaro “Torna-te o que tu és”, essas são duas chaves capazes de abrir muitas portas para a subjetividade contemporânea.


Vivemos um período no qual a juventude está um tanto confusa, nadando no mar de informações, memes e vaidades. A frase que viralizou ao final de 2019 foi “eu que lute”. De fato somos mesmo responsáveis por travar e vencer ou perder as nossas próprias batalhas, embora muitas pessoas vivam uma vida inteira tuteladas por terceiros, existindo conforme os sonhos e expectativas de outrem. No entanto, há uma dimensão humana referente ao viver com o outro e ser solidário à dor do outro que não pode ser diminuída ou desprezada. Há uma frase muito conhecida de Nietzsche que adverte “quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha pra você”, parafraseio da seguinte forma: quando se olha muito tempo apenas para o próprio umbigo, corre-se o risco de sucumbir ao próprio ego.


É necessário, de um lado, autoconhecimento para saber o que se é e, de outro, coragem para se tornar aquilo que se é. Liberdade exige romper com vários padrões que aprisionam, receitas cognitivas que levam à repetição de erros, comodismos triviais que impossibilitam o crescimento interior e pequenos vícios diários que mal são percebidos como vícios.


Na entrada da nova década teremos problemas, catástrofes, realizações, crises, perdas, ganhos e uma série de fatores positivos e negativos que são constitutivos da experiência humana. É necessário não sucumbir ao medo, não desistir na primeira derrota e, sobretudo, dizer “sim” ao potencial criador que nos mobiliza para fora da inércia.

“Viver é coisa perigosa”, o grande Guimarães Rosa afirma, mas ele nos dá uma pista muito atual sobre o que 2020 espera de cada um de nós: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.


REFERÊNCIAS:

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de janeiro: Rocco, 2017.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

REFERÊNCIA DA IMAGEM:

https://alunosonline.uol.com.br/biologia/metamorfose-borboleta.html


132 visualizações0 comentário
bottom of page