Esta semana assisti ao filme Mulheres do Século 20. Apesar de não ser uma produção recente, pois estreou nos cinemas em 2016, penso que vale uma resenha por aqui.
O longa, dirigido por Mike Mills, mesmo diretor de Toda Forma de Amor (2010), retrata a relação entre Dorothea e seu filho adolescente, Jamie. A trama é ambientada na Califórnia dos anos 70, regada à uma trilha sonora do mais puro punk da época, a exemplo das bandas Black Flag e Talking Heads (da qual gosto bastante).
Mas o assunto real do meu ensaio gira em torno das personalidades tão díspares e perspicazes (que roubam a cena nos 154 minutos de película), mas que possuem um lindo ponto de interseção.
Vamos à elas:
Nascidas em décadas diferentes, 1920, 1950, e 1960, respectivamente, Dorothea (Annette Bening), Abbie (Greta Gerwig) e Julie (Elle Fanning), trazem uma amostra bem característica de boa parte do século, e acredito que esta tenha sido a intenção de Mills: um recorte do período através de suas personagens femininas.
Claro que são apenas exemplos do gênero, mas este conseguiu capturar nuances importantes e bastante atuais, dadas as condições contemporâneas, ainda, de luta feminista. Além disso, é notória a sensibilidade do cineasta em focar como, cada uma, ao seu modo, tem uma influência na vida de Jamie.
Dorothea, tenta estabelecer uma comunicação aberta com seu filho, mas acredita estar falhando, então decide pedir ajuda à Abbie e Julie para fazer dele um "bom homem". As moças estranham o pedido, afinal: “Não é preciso um homem para se criar um homem?”, mas aceitam auxiliar.
Nascida em 1924, com seus cinquenta e poucos anos, independente e divorciada, cria sozinha seu filho adolescente e nunca se envolveu seriamente com homem algum, após ter se separado.
A personagem de Bening se faz de forte e é exigente quando o assunto é o sexo masculino. Aparentemente ninguém é bom o bastante e ela prefere se dedicar exclusivamente à Jamie, o que em certos momentos (apesar da atitude liberal que adota), chega a sufocá-lo.
Construiu uma relação aberta com ele, de bastante diálogo, que beira a permissividade. Mas quando o menino chega á puberdade, ela se vê perdida com sua relativa rebeldia e fechamento. Vê-se perdendo o controle sobre ele e isso a apavora.
Sua exigência interna é tanta - cresceu no período da Grande Depressão Americana e teve que trabalhar desde muito jovem, com o advento da Primeira Guerra – que não se permite ser cuidada, é insuportável estar no lugar de vulnerável, fora do controle e aí entra o incômodo com o comportamento do filho e a evitação em ter um homem ao seu lado. E isso os afasta cada vez mais.
Ela também evita as emoções - claro, emoções estão fora do seu controle! Em uma parte do filme, Jamie a questiona se é feliz. Ela hesita e responde que “Não se deve perguntar isso a ninguém. Questionar se você está feliz é um atalho para ficar deprimido".
E aí está uma contradição da mãe que inquieta o garoto: ela quer que ele se abra, mas se fecha nela mesma. Vulnerabilidade, leitor. Isso assusta muita gente, não é? Posteriormente retornarei à esse tópico.
Por hora, vamos dar continuidade, conhecendo um pouco de Abbie. Nascida em 1955, a moça achava todos “muito felizes” em Sta. Bárbara e decide se mudar para Nova Iorque. Conhece o mundo das artes e se apaixona pela fotografia. Inesperadamente, é diagnosticada com câncer na cervical e precisa retornar à sua cidade natal, para se tratar ao lado da mãe. Porém esta não soube lidar muito bem com a situação. É nesse momento em que ela entra na vida de Jamie, pois decide sair de casa e alugar um quarto na de Dorothea.
Me parece que Abbie assume uma máscara de “sou a diferentona". Essa foi minha impressão. Por isso talvez a saída da cidade, por não se identificar com quem ali vivia, sua postura reacionária (tirando a questão política feminista da época, é claro), suas roupas e cabelo de cor intensa.
Mas Abbie se depara com a sensibilidade e fragilidade ao saber que o tratamento para o câncer custou sua possibilidade lhe trouxe sequelas definitivas ao seu corpo de mulher. Mais uma vez a vulnerabilidade entra em cena.
Das três personagens, a encarnada por Greta Gerwig foi a menos explorada, a meu ver. Acho que o diretor quis mostrar mais a parte artística que a moça provoca. Mas fica evidente o laço que estabelece com Dorothea nesse momento de vulnerabilidade, quando não tem sua mãe presente. O que desvela uma Abbie insegura e sensível, com medo, que precisa de colo.
Por fim, chegamos a Julie, nascida em 1962, melhor amiga de Jamie. Filha de uma terapeuta, que a obriga a participar de seu grupo terapêutico para adolescentes. Ela própria se classifica como “autodestrutiva”.
A garota apresenta um comportamento sedutor e dúbio, inclusive para com o amigo. Se engaja em relações sexuais com vários caras, mesmo não sentindo nada por eles e, no fim da noite, sempre acaba indo dormir no quarto de Jamie, para conversar com o rapaz.
O ponto de vulnerabilidade ocorre quando finalmente tenta transar com o amigo, mas desiste com a seguinte frase: “Eu tenho muita intimidade com você, pra conseguir transar. Parece confuso, mas é isso.” Mais uma vez: Não quero me sentir vulnerável! Você sabe muito de mim.
Ou seja, essas três mulheres fortes, decididas e diferentes têm seus momentos de exposição, são emotivas, sensíveis, assim como qualquer pessoa. Será que vocês saberiam que essas personagens eram setentistas se eu não expusesse esse detalhe? Pra mim as mesmas inquietações nos rondam na atualidade.
Será que ser mulher, em um mundo ainda deveras machista, nos faz bloquear nossas emoções? Não queremos parecer "sexo frágil", e então nos fazemos de fortes?
Vamos prum pólo oposto, hipercompensando uma posição daquela que não precisa de ninguém, de falar do que sente; Daquela que chora escondido e coloca uma armadura para que as pessoas não se aproximem o bastante do seu "eu fraco"? Será que é o melhor caminho?
Ao vestir uma armadura para se igualar ao macho alpha, será que nós mulheres não deixamos de experimentar tudo que as emoções trazem de bom?
Precisar de um colo de vez em quando não faz mal à ninguém, nem nos faz menos capaz. E isso vale pra os homens também.
O Dia da Mulher, que inclusive é uma data um tanto machista, se aproxima e nada melhor do que pensar a respeito disso. Afinal, que mulheres estamos nos tornando, dando conta de tudo e não das nossas emoções? Feminismo é sinônimo de inibição emocional?
Trago este questionamento a você, leitora e leitor, e fico por aqui.
O filme carrega muitas outras reflexões sobre o feminino, masculino, maternidade, sentimentos, poderia escrever uma tese sobre ele e recomendo que assistam.
Termino meu ensaio de hoje com um momento do longa que me tocou bastante e que abarca algo do que escrevi aqui.
O roteiro é permeado por algumas citações de escritores e escritoras da época, dentre estes está Zoe Moss, autora de “Dói estar viva e obsoleta: A mulher madura”. Jamie lê um trecho para sua mãe que termina com a seguinte frase: “Eu devo apenas cumprir minhas pequenas tarefas e desaparecer...”