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Psicologia das Multidões e sua atualidade

Farei uma breve resenha do livro Psicologia das Multidões, de Gustave Le Bon, com os capítulos I e III. O termo gado, que utilizei no texto anterior, que causou alguma polêmica, será mais sofisticado através da psicologia social.


No capitulo I, Características gerais das multidões, lei psicologia da sua unidade mental, o autor define o conceito de multidão, do ponto de vista psicológico, como uma aglomeração de pessoas, em situações específicas, criando características novas. Forma-se uma alma coletiva que vai numa mesma direção, como um ser homogêneo, independente das consciências individuais. Independe também de classe, cor, ocupação profissional, etnia, gênero, sexo. Indivíduos muito diferentes podem, sim, juntar-se numa multidão.


Ter pessoas próximas, sem objetivos e sem adotar um mesmo perfil comportamental, não caracteriza uma multidão. Por exemplo, mil pessoas numa praça, sem conexão, não nos dizem muita coisa. Uma multidão se define, em linhas gerais, pela ausência de personalidade consciente e uma orientação, ou unidade, a pensamentos e sentimentos fervorosos.


A alma coletiva faz uma pessoa agir, pensar e sentir diferente do que faria se estivesse sozinha, consigo mesma. São momentos transitórios de comportamentos inesperados. Mas a combinação de determinados elementos faz um ser agir de forma não reflexiva. Não que a consciência sobre as coisas seja algo significativo no aparelho psíquico; na verdade, o inconsciente tem espaço muito maior “a maioria de nossas ações corriqueiras é efeito de móveis ocultos que nos escapam” (p. 33); contudo, no engajamento da multidão, o pouco que se tem de consciência, que nos separa dos animais, vai direto para o fundo do poço, e nos tornamos, assim, mais animalizados.


Elementos irracionais, impulsos, sentimentos constituídos da própria raça, ganham magnitude e força na alma coletiva da multidão. É exatamente isso que impulsiona o espírito de rebanho e a regressão intelectual. “ O heterogêneo perde-se no homogêneo e as qualidades inconscientes dominam” (p.34). Multidões acumulam a mediocridade, e não o senso reflexivo.


A primeira grande causa que determina as especificidades das multidões é o caráter de invencibilidade, de heroísmo, que o indivíduo adquire. Por estar com outras pessoas, em grande número, acredita ter um poder irrefreável, sem limites, ausente de preocupação com responsabilidade; afinal todos ali estão se alimentando de uma aura.


A segunda causa: o contágio mental. Na multidão, sentimentos e atos contagiam a personalidade individual e o induz a adotar interesses coletivos. Uma terceira característica, ou causa, é a sugestionabilidade. Comparada com a hipnose, o indivíduo é sugestionado a abandonar a consciência de seus atos, dando vazão à emergência de traços inconscientes.


Todas as características acima apontam para um ser autômato, que perdeu a vontade e tornou-se impotente. Le Bon ainda completa:


Pelo simples fato de fazer parte de uma multidão, o homem desce, portanto, vários graus na escala da civilização. Isolado era talvez um indivíduo culto, na multidão é um instintivo, consequentemente um bárbaro. Possui a espontaneidade, a violência, a ferocidade e também os entusiasmos e heroísmos de seres primitivos [...] o individuo na multidão é um grão de areia no meio de outros grãos de areia que o vento agita ao seu bel prazer (p. 37).


Sigamos no capítulo III – Os condutores das multidões e seus meios de persuasão. Indivíduos e animais, reunidos como rebanhos, estão sob a tutela de um líder ou condutor. A vontade do senhor é o que prevalece como opinião indiscutível, irretocável. O próprio condutor, em geral, foi antes hipnotizado por algum pastor. Foi antes um apóstolo.


Os guias, na maioria das vezes, são homens mais de ação, e menos de pensamento. São mais práticos do que clarividentes. Não são afeitos a elaborações teóricas e não são autocríticos. Toda ideia absurda ou estapafúrdia prevalece sobre o raciocínio dos que o idolatram. “A multidão sempre escuta o homem dotado de vontade forte. Como os indivíduos reunidos perdem toda a vontade, voltam-se instintivamente para quem a possui”. (p.112).


Esses indivíduos dotados de comportamentos excepcionais, que causam sedução ao rebanho, têm a capacidade de criar uma fé, apelando ao inconsciente das pessoas. São raríssimas exceções que recorrem à racionalidade, até porque a maioria das personalidades são movidas pelas emoções.


Há duas classes de líderes. O primeiro é enérgico, de vontade forte, mas momentânea. São violentos, corajosos e ousados. Quando retornam à vida comum, depois da onda de empolgação coletiva, eles evidenciam uma grande fraqueza, contrário até ao poder que demostravam em público. O homem imponente, convicto de suas ideias, estimulando a ação em conjunto, definha quando sai de cena.


A segunda categoria de líderes é a de homens de vontade duradoura. Em geral, são fundadores de grandes religiões ou grandes obras. São figuras excepcionais, tais como São Paulo, Maomé, Moisés, Napoleão Bonaparte. Têm eles uma vontade rara, difícil de encontrar no homem médio, mas com grande capacidade de conduzir muitas almas numa crença inabalável. Alguns marcaram o nome na história.


Há três meios de ação dos líderes: afirmação, repetição, contágio.


A afirmação possui a capacidade de penetrar no espírito das multidões. Elas não precisam ser concisas ou dotadas de prova, demonstração. A repetição reforça a afirmação, pois quanto mais vezes algo é martelado mais força ela ganha. A retórica falsa repetida mil vezes torna-se verdade. “A coisa repetida acaba por se incrustar nas regiões mais profundas do inconsciente onde as motivações de nossas ações são elaboradas” (p.117) Por vezes, anúncios e propagandas são capazes de convencer qualquer pessoa apelando ao próprio inconsciente.


Já o contágio se alimenta de ideias, sentimentos, emoções e crenças em correntes de opinião que penetram na consciência, num mesmo lugar ou distante. A imitação é um mero efeito de contágio aderida pela massa inconsciente. O contágio imprime opiniões e sentimentos bem poderosos, não afeitos, portanto, a uma elaboração teórico/racional. No mecanismo de contágio, o interesse pessoal definha.


Outro elemento que Le Bon propõe é o prestígio, como uma característica dos líderes. Ele pode ser pelo temor ou admiração, mas pode existir sem eles. O prestígio causa uma fascinação que paralisa as faculdades críticas. “É o mais poderoso motor de toda dominação. Os deuses, os reis e as mulheres nunca teriam reinado sem eles (p.122).


Há duas formas principais de prestígio: o adquirido e o pessoal. O primeiro tem a ver com fortuna, nome, reputação. É o mais difundido. Pode ser um militar de uniforme, um magistrado de toga, outros títulos ou condecorações, status, riqueza. O prestígio tem a capacidade “de impedir que as coisas sejam vistas tais como são e paralisar nosso juízo”.(p.121).


Já o prestígio pessoal, independe de cascas e rótulos sociais. É uma habilidade natural. Uma potência interna capaz de contagiar milhares. Exerce um fascínio impetuoso. As pessoas obedecem cegamente seguindo o guia, como um cavalo adestrado ao seu domador habilidoso.


O autor ressalta que nem toda multidão psicológica leva, necessariamente, a algo pior em termos sociais. A multidão não pode ser vista só do ponto de vista criminal. Há práticas desprovidas de atos de barbaridade, como na política ou mesmo num juri.. Atualizando a leitura da obra, movimentos incentivados, no século XX, por Luther King, Gandhi e outros líderes, prescindiram do uso da violência. Por outro lado, líderes como Jim Jones e sua seita macabra foi capaz de induzir o suicídio em massa. Ou o próprio Hitler e o nazismo que trucidou e aniquilou vidas.


Á guisa de conclusão, Le Bon é uma chave explicativa importante para entender os comportamentos de fanatismo que estamos vendo atualmente no Brasil. O lulismo e, atualmente, o bolsonarismo, se enquadram na definição aqui formulada, de uma multidão psicológica, uma alma coletiva apoiada, no caso, em particular, de uma ação instintiva e contrária à consciência individual e autônoma. O bolsonarismo se apoia em aspectos altamente agressivos e perigosos à própria existência do Estado Democrático de Direito e às instituições que o acompanham. O líder aqui, o presidente da República, discursa como um populista que incentiva a erupção, o confronto, apoiando o autoritarismo e o militarismo.


Link da imagem: https://www.livrarialoyola.com.br/produto/psicologia-das-multid-es-573200


Referência: LE BON, Gustave. Psicologia das Multidões. Tradução de Mariana Sérvulo da Cunha. São Paulo: editora WMF Martins Fontes, 2018


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