Ad Vitam (2018) e Better than Us (2018-19) são duas séries, respectivamente, de origem francesa e russa. Na primeira, a humanidade superou a morte. No entanto, existe uma oposição de jovens “menores” (até 30 anos você é, ainda, considerado “de menor”) à imortalidade e a defesa da “morte”. O que nos lembra Altered Carbon (2018/2020), série em que a humanidade também superou a morte, neste caso, por meio de uma tecnologia alienígena, mas o mais semelhante é que também há uma oposição à imortalidade e o slogan é meio que “dar voz aos mortos”.
Em Better than Us o “problema” não é a imortalidade, mas a substituição de pessoas por máquinas (tema clássico do marxismo que tanto influenciou o destino da Rússia, país de origem da série e onde ela se passa). “Morte aos robôs, vida aos vivos” é o slogan de um grupo político chamado de “Os aniquiladores”. Curiosamente, a série segue as leis para robôs que vemos em “Eu, Robo” (2004), segundo as quais, basicamente, robôs existem para servir e proteger os humanos, nunca para feri-los ou machucá-los de qualquer forma. A grande questão que dá o “norte” para a trama é que um empresário compra uma robô que, ao que tudo indica (episódio I, sem spoiler), não segue essas leis.
Pessoalmente, gostei bastante desta última, Better... Ela traz uma história em que as personagens são bem mais complexas do que pode parecer à primeira vista. Mais profundas do que muitas séries estado-unidenses e brasileiras (como 3% ou Ninguém tá olhando, CSI, Criminal Minds, Mindhunter etc.). Além disso, o ritmo dela é mais realista, porque mais lento, não é como um CSI em que a cada capítulo uma história é contada e encerrada.
Por isso, pode ser que a série seja um tanto “cansativa” para quem quer uma pegada mais “enérgica”.
Ad Vitam é tão lenta quanto sua concorrente russa, mas sua abordagem é bem mais “existencial”. Aliás, sua narrativa à lá francesa lembra um “romance psicológico”, como a série Le Challé (2018) que, coincidentemente, tem também apenas seis episódios. Better... pelo menos tem dezesseis. Ad Vitam, então, segue um caminho cheio de conflitos existenciais que, afinal, estão por trás da narrativa: qual a graça de fazer as mesmas coisas para sempre? O ser humano mais velho que celebra o “ano novo” a cada ano tem 164 anos; é como o contrário do filme Children of Men (2006), traduzido como Filhos da esperança, filme no qual se comemora a cada ano o aniversário da pessoa mais jovem do mundo, já que a humanidade, aqui, parou de se reproduzir inexplicavelmente. Ou seja: Ad Vitam é o contrário de Children of Men, mas se neste filme as pessoas não nascem mais, na série as pessoas participarão de um referendo para decidirem sobre o controle da natalidade, já que se as pessoas não morrem, a consequência lógica é que se alcancem as super populações.
O que há de comum em todas essas séries e filmes, com exceção de Le Chalé, é a reflexão sobre “ser humano” em um futuro ficcional, no qual novas modalidades de existência recolocam antigos problemas tão bem explorados anteriormente ao advento das tecnologias audiovisuais e de internet. Acredito, no entanto, que Ad vitam é mais “denso” que Better than Us. E, por isso mesmo, é mais interessante se você tá buscando um entretenimento mais reflexivo e enigmático do que uma ficção mais movimentada nos limites da relação humano-máquina.
Por fim, é interessante assistir essas séries e nos lembrar que “nada é permanente”, tudo mudo, como se diz no zen-budismo. As duas séries são sobre o futuro. Uma traz o peso de carregar memórias (e dores) perpetuamente – será que estaríamos prontos para isso? A outra traz a ideia de que os robôs podem ser melhores que os humanos, não por causa da “racionalidade”, mas porque os robôs que podem aprender a lidar com emoções humanas, podem fazê-lo além dos nossos limites. O que nos dá a sensação de que a humanidade é sempre precipitada e presunçosa em sua arrogância de se considerar o centro do universo, e não uma “poeira de estrelas”, por assim dizer.
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