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O FACEAPP É TRANSFOBICO?


O aplicativo Faceapp viralizou nas redes sociais. A ferramenta permite que o usuário utilize fotos de rosto (selfie) para simular como o sujeito seria fisicamente se fosse mais velho ou mais jovem, ou ainda como seria se a pessoa fosse do gênero oposto, esse último aspecto é o mais problemático uma vez que no contemporâneo existe um desconstrução do gênero abolindo o binarismo.


O binarismo se constrói na ideia de homem ligado aos genes XY, ao pênis, a barba, ao corpo mais retilíneo. A mulher aos genes XX, a vagina, aos traços mais finos e ao corpo curvilíneo. Mas se limitarmos o gênero ao sexo biológico, muitas das identidades serão excluídas, não apenas as não-binarias ou transexuais, mas as de pessoas que sofreram mutação de genes inclusive refletindo nos aspectos físicos.


Além disso, as pessoas que se identificam cisgeneras, ou seja, uma pessoa que tem órgãos sexuais correspondentes a sua identidade, também serão prejudicadas de alguma forma. Nesse sentido, se um homem cis, ou seja, que nasceu com um pênis e se identifica como homem tem a voz fina, ele deixa de ser homem? Se uma mulher cis tem pelos nas axilas, nas pernas, o cabelo curto, já que isso é uma construção social que se refere ao masculino, ela deixa de ser mulher?


Então, a construção de gênero perpassa pelo crivo biológico e social, não podendo se limitar a uma dessas duas esferas. Porém, quanto ao debate do Faceapp há diversas opiniões e aqui estou dialogando com as vivencias de pessoas transexuais, as quais perceberam o aplicativo de maneiras distintas.

Por exemplo, a cantora Majur, que é uma mulher trans negra se sentiu ofendida com o app, o achando extremamente transfobico por cair nesses padrões binários do gênero e os reforçar, inclusive porque o Brasil é o país que mais mata transexuais. Difundir a ferramenta seria como banalizar isso.


Já Ana Flor, uma influencer trans negra, comentou que o problema não é o uso do aplicativo em si, mas compartilhar as fotos com mensagens em que pessoas cis se dizem como seriam se fossem trans. Ou ainda práticas de expor pessoas trans como do gênero oposto. Essas atitudes invalidam a transição e por sua vez a identidade dessas pessoas, as violentando.


Lendo outros comentários de pessoas trans masculinas e trans femininas, ou não binárias, foi possível perceber que umas se sentiram ofendidas com o uso do app e com o próprio aplicativo em reproduzir os padrões binários. Já outras leram como uma parodia ou até uma abertura para discutir sobre a fluidez do gênero, uma vez que as pessoas estavam se abrindo para isso.


Estou aqui falando de um lugar de mulher cis, então não posso opinar sobre a vivência e nem dizer quem estar certa ou errada nessa discussão. Afinal, existem várias formas de militar e vários afetos que atravessam os corpos, não cabe a alguém que não tem vivencia julgar um tipo de militância. Talvez nem para quem tenha a vivencia seja possível, uma vez que a história de cada um é única, ainda que possua pontos em comum.


Mas será que censurar o aplicativo em si, não o seu uso, não seria uma forma também de inviabilizar a performance no carnaval ou a prática Drag Queen ou Drag King? Pois são momentos de fluidez de gênero perpassando pela transformação do corpo em outro, ainda que temporariamente. Por outro lado, reverberar o app com sua binaridade também não é um modo de sempre buscar a cisgeneriedade e causar sofrimento psíquico?


Outra questão interessante sobre o aplicativo é que a depender do ângulo da foto ele lia a pessoa como a ideia hegemônica de homem, mesmo a pessoa sendo mulher cis e performando a hegemonia dessa identidade feminina. Algo que aconteceu comigo em fotos que eu estava de cabelo preso. Como se o cabelo curto por si só fosse a expressão do gênero masculino.


Um homem cis que usa maquiagem, tem cabelos longos e barba, não será uma pessoa trans ou não binária, mas alguém que performa um feminino e um masculino. Entretanto, nesse caso, talvez o app não conseguisse o enquadrar em um gênero já que ele está performa outras identidades que destoam da cisgeneriedade padrão para um homem. Entretanto, ele, em seu cotidiano, não vai dizer que se tornou mulher porque está usando maquiagem e nem que se tornou homem porque tem barba, é algo além do binarismo e além de atributos estéticos e biológicos.


O mesmo ocorre com uma pessoa cis que performa um padrão de construção social, como é o meu caso, sou uma mulher cis que performa as construções sociais do feminino, portanto eu não posso dizer que eu virei homem ou que transicionei porque eu estou de roupas masculinas ou desenhei uma barba (nesse caso, através do app).


Fato é que o aplicativo tem sim um código binário. Poderia ser o caso de um upgrade, mas talvez isso já seja possível na versão pro (paga) do app, nela o sujeito pode escolher o tamanho do cabelo em qualquer das duas versões de gênero, as cores de: olho, barba, e retirar ou colocar atributos físicos. Enfatizo, porém, que a versão gratuita, utilizada pela maioria das pessoas, reforça esses estereótipos binário.


Assim como muitos eu participei do desafio do Faceapp, entretanto, percebi que estava seguindo um comportamento de manada sem refletir em que corpos o app atingia e sem pensar na binaridade inerente no contexto hegemônico. Mas lendo os comentários, refleti sobre as questões de disforia que pessoas trans podem sentir.


Preferi apagar as fotos com a performatividade hegemônica do gênero masculino, até porque nessas continham legendas com o “nome social” que inventei para mim, o qual foi Jackson e outras com a frase “como seria se fosse homem”, logo entendi que as falas, principalmente a com o nome, poderiam soar como transfobicas.


Em contrapartida, acho interessante o desejo de querer se perceber como um outro e até se ver como um outro, algo que a ferramenta permitiu. No entanto, enquanto a sociedade não respeitar os corpos que transicionam em gêneros, esse desejo por si só alimenta apenas o ego, banalizando os corpos não-binários e deixando-os a margem, como o que acontece atualmente.


Então propagar uma identidade outra a qual corrobora com a hegemonia das identidades de gênero e a dicotomia : homem e mulher, nesse caso construída pelo Faceapp, pode ser perigoso e de fato transfobico em um contexto social que banaliza esses corpos dissidentes.

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Tweets de Ana Flor e Majur:

Link Tweet de Ana Flor: https://twitter.com/Tdetravesti/status/1272184669191233536 , visto dia 21/06/2020.

Link Tweet de Majur: https://twitter.com/Majur/status/1272720847342571521, visto dia 21/06/2020

Foto de capa: https://img.ibxk.com.br/2019/07/17/17165757819072.jpg?w=1120&h=420&mode=crop&scale=both

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