Em meu post sobre Dark (2ª temporada, link abaixo), utilizei a série como ferramenta didática para falar sobre Ciências Sociais e Filosofia. Aqui farei mais justiça ao aspecto ficcional do enredo.
No referido post, eu disse que Dark brincava com a ideia de: “e SE existisse a possibilidade de viajar no tempo?”, “e SE existissem realidades paralelas?”. Meu argumento é o que o e “SE” é a chave da imaginação que torna tudo possível.
Seguindo tal raciocínio (e SE), penso que caímos, inicialmente, em duas possibilidades: na primeira, vivemos o efeito Déjà vu, onde tudo que fazemos ao voltar no passado (ou no futuro), apenas repete uma sequência infinita de ações (somos escravxs do destino). Na segunda, nós podemos pensar que ao alterar algo em algum momento, o resto é anulado e apenas um rio do tempo prossegue.
No entanto, existe uma terceira questão (e SE): quando tudo começa? A série mostra a busca por esse ponto, do começo ao fim. Mas em todas elas a ideia de voltar à origem gera duas alternativas: Escuridão/Morte e Luz/Vida. Porém, e SE tudo isso estiver conectado, feito um nó? Então o começo é o fim e o fim é o começo (looping infinito).
Dark soluciona essa equação na última temporada. A questão é saber se ela conseguiu fazê-lo de forma original. Será que sua solução retornou ao e SE inicial, com certo gancho que apareceu no desfecho? Ou seja: foi real, mas, ainda assim, um Déjà vu (uma falha na Matrix)? Melhor: e se no fim estivesse já o começo? Mas essa é a questão cuja resposta fica subentendida: pois o fim pode ser o começo, mas um novo começo.
Por outro lado, Dark também traz uma lição muito importante – agora eu vou me arriscar -: o “e Se” é o fruto da relação entre o desejo e a escolha. Lembremos: a série é alemã, ela exalta sua própria cultura, sua tradição: “o homem pode escolher o que quer, mas não escolher não querer o querer” (Artur Schopenhauer). Segundo: o loop infinito é a ideia de Eterno Retorno (Friedrich Nietzsche): tudo que você fizer já foi feito no passado e, portanto, você está preso ao círculo de repetição (o começo é o fim e o fim é o começo – você seria feliz se soubesse que tudo que você fez se repetirá eternamente?). Esse é o efeito da “ilusão do livre-arbítrio”.
Mais ainda: chegamos ao tema budista (lembrar: Schopenhauer introduziu o budismo na filosofia alemã de seu tempo (XIX)). “E Se” é a base da ilusão (Maya): o mundo é. Ele é o que é. A produção do sentido, a “interpretação”, a “conceitualização” é a base da “ilusão”.
Voltamos, agora, ao tema que move o filme do início ao fim: o amor (Jonas e Marta). “Somos um par perfeito, nunca duvide”. Esta é uma frase central da série. Porém, ela pode ser lida noutra chave: amor/ódio e apego/aversão. Ora, eis a “mola” de toda a intriga! O “e SE” é o que cria essa chave! E aqui “mora a moral” – e a beleza da série (e que me fez lembrar de uma frase do longa “A origem”, de C. Nolan: “é preciso deixar partir”... [note que essas reticências te fazem sentir algo que eu não exprimi, mas é mais um “e SE” seu {e meu}].
Dark é “recheada” de frases de efeito. Noutra ocasião, se diz que “o coração” fala a verdade, e ele já sabe, nós que mentimos. Não é outra alusão à ideia de “ilusão” e de que o mundo apenas “é”! Esta é questão que remete, novamente, ao amor. A pergunta feita; “por que terminamos” e a reposta a ela cai vítima do “e SE”, assim como Jonas e Marta no loop infinito. Foi somente no final que o “e SE” pôde ser realmente compreendido. Se aplicarmos o amor não como apego/aversão, mas com “bondade amorosa” (budismo), podemos ir além do eu. Eis a pista para romper o looping infinito (mas não o querer não querer).
“Somos presos ao binarismo”, diz-se em certa altura da terceira e última temporada. No meu post anterior, meu “Eu passado” não podia entender o que só entendi no futuro (assistindo a 3ª): o “e SE” não é o problema: ele é a chave para novos fins e novos começos!
Link: https://www.soteroprosa.com/single-post/2020/06/09/DARK-afinal-somos-ou-n%C3%A3o-somos-donosas-do-nosso-destino
Link da imagem: https://www.cinepremiere.com.mx/wp-content/uploads/2017/11/serie-dark-de-netflix-2.jpg