Clube da Esquina: a música como paisagem
- Carlos Henrique Cardoso
- 15 de jul. de 2020
- 3 min de leitura

Anda, vem jantar, vem comer, vem beber, farrear Até chegar, lumiar E depois deitar no sereno Só pra poder dormir e sonhar Pra passar a noite Caçando sapo Contando caso De como deve ser lumiar
(Lumiar – Beto Guedes/Ronaldo Bastos)
O Arcadismo é uma corrente literária surgida no século XVIII na Europa, com influência de ideais iluministas. No Brasil, ganhou grande repercussão principalmente em Minas Gerais, com concentração de autores árcades na cidade de Vila Rica, importante entreposto extrativista de ouro e outros minerais. Este princípio filosófico inspirou obras líricas importantes e instaurou desejos de liberdade e preceitos importantes como a contemplação do presente, a busca pelo campo, desapego a posses, e livre expressão dos sentimentos. Tomás Antônio Gonzaga (autor de “Marília de Dirceu” e “Cartas Chilenas”), Basílio da Gama, e Cláudio Manuel da Costa foram alguns de seus precursores. Muitos deles encabeçaram o movimento independente conhecido como “Inconfidência Mineira”. Vila Rica também foi o local de nascimento do famoso escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que esculpiu monumentos que marcaram a alma da história mineira.
Passaram-se os anos, Minas Gerais foi se desenvolvendo com um acervo cultural bastante rico, uma arquitetura patrimonial belíssima, formando cidades com clima pastoril, longas ferrovias, múltiplos ecossistemas, e movimentos artísticos cativantes.
Foi nesse ambiente amplo que se desenvolveu uma mobilização de compositores talentosos e jovens que se reuniam no bairro de Santa Tereza em Belo Horizonte nos idos da década de 1960. Esse agrupamento ficou nacionalmente conhecido como Clube da Esquina.
A partir de então, parcerias incríveis formularam canções esplêndidas, daquelas que se instalam nas paredes da memória. Milton Nascimento, Lô Borges, Marcio Borges, Wagner Tiso, Fernando Brandt, Toninho Horta faziam parte dessa geração, contando posteriormente com nomes como Beto Guedes e o grupo 14 Bis, firmando um estilo de compor próprio e muitas vezes lúdico.
Nesse clima harmonioso, Milton e Lô Borges gravaram em 1972 um disco mágico, imortal. “Clube da Esquina” já inicia com a voz marcante de Milton (segundo Elis Regina “Se Deus cantasse, cantaria com a voz de Milton Nascimento”) numa das mais belas canções que esse movimento produziu: “Tudo que você podia ser”. “Trem Azul” é uma toada lindíssima que dá o tom sereno que simboliza as canções dessa turma. “Cravo e Canela” ecoa o notório estilo de Milton e a brasilidade contida no som mineiro. E o brilho do disco continua. “Um girassol da cor de seu cabelo” possui uma melodia leve e uma letra amena e graciosa. “Paisagem da Janela” tornou-se um clássico potente e abre a mente para um cartão postal descortinado na visão de uma janela lateral, do quarto de dormir. “Nada Será Como Antes” é outro torpedo no ouvido, vibrante, resistindo na boca da noite um gosto de sol. O som da floresta ecoa em “Lilia”, e “Pelo Amor de Deus” mostra as características sonoras do grupo, mais uma vez com o vocal de Milton. O disco segue com 21 músicas e mais de 60 minutos com Minas Gerais nos ouvidos.
E a música brasileira só ganhou com magistrais canções oriundas dessa turma, unindo infância, juventude, maturidade e velhice na coleção de recordações, de vivências provincianas e no prazer de cantar e escutar músicas como “Lumiar”, “Luz e Mistério”, “Sal da Terra”, “Bailes da Vida”, “Todo Azul do Mar”, “Amor de índio” e a emocionante “Encontros e Despedidas”. Na época, produções de vanguarda que seduziram gerações. Como uma viagem no tempo unindo o arcadismo e os esquineiros, uma troca de informações onde o tempo inexiste na arte.
E o Clube da Esquina seguiu, inventando o oceano, colocando Minas no vagão de um trem Maria Fumaça para passear pelo interior do país. As músicas desse grupo se tornam paisagens, viajando pelo clima bucólico e árcade, no ventre da noite, no sol da manhã. Os tempos se fundem e se tornam únicos pelo caminho. Nos tornamos recordações, fugimos da incerteza urbana para a mata, pela chuva da montanha, se apaixonando assim, como ver o mar. Estrada, luar, sereno, o vento na porta pra assustar, a natureza no seu ouvido e o olhar mudar de céu, mudar de ar. Acordar, levantar e passear, sem fugir, sem temer. Como se unisse a saudade e o aconchego de um abraço, dois lados da mesma viagem. E no caminho adentrar na varanda, onde todos que você ama estão a lhe esperar para o café. Sirva-se e se sinta em casa.
FONTE:
https://www.portugues.com.br/literatura/o-arcadismo-no-brasil.html#:~:text=Em%20termos%20de%20an%C3%A1lise%20liter%C3%A1ria,Dur%C3%A3o%20e%20Bas%C3%ADlio%20da%20Gama.
https://www.letras.mus.br/blog/historia-do-clube-da-esquina/