Por Raíssa Xavier *
Aprendi a romantizar a maternidade quando ainda era menina. Ser mãe sempre me foi apresentado como uma missão, um reconhecimento da mulher, um lugar que toda mulher precisa ocupar para ser feliz. Isso me deixava confusa.
Qual era o milagre que essa maternidade operava nas mulheres?
Não carregava essa vontade de ver alguém crescendo em mim, muito menos de escancarar a minha vagina e ver uma cabeça sendo puxada por aquele buraco – as transformações do corpo humano possuem uma natureza divina e surpreendente, mas nem todos estão preparados para as suas mudanças.
Perguntava a minha mãe se eu podia ser mãe sem parir. Ela ria e me dizia que sim. Depois perguntava se podia ser mãe sem ter um homem ao meu lado. Ela confirmava com a cabeça com os olhos atentos.
Quando pequena, não sei se pensei na possibilidade de não ter filhos, já que via esse caminho como um caminho de felicidade, porém, acho que sempre quis desconstruir inconscientemente o que a vida me mostrava como padrão. Nunca gostei de padrão, apesar de estar incluído em tantos deles. É lindo dar a vida? Sim. É um privilégio. Mas tudo bem não se identificar com isso, no momento.
Achava engraçado a expressão “vai ficar pra titia”. Eu cresci com uma tia muito parceira, solteira, que conquistou tudo sozinha – trabalho, casa própria, bancava a sua vida, suas viagens, uma aventureira. Ela dizia, com orgulho: “Eu nasci pra ser tia”. E eu achava ser tia o máximo, não havia problema nenhum em virar a próxima titia.
Não é fácil sobreviver a pressão social, as histórias encantadas de príncipes e princesas que se casaram, formaram uma linda família e foram felizes para sempre. Será que eu serei menos mulher se não formar uma família? Que não serei feliz pra sempre por essa escolha? Todo mundo quer ser feliz pra sempre - a verdade é que essa felicidade não existe.
Na adolescência, nas minhas primeiras cólicas menstruais, ouvi de alguém que o parto era cinco vezes mais doloroso. Me doía só de pensar. Na fase adulta, ou a caminho dela, vi mulheres da minha convivência, da minha idade, engravidarem, abortarem, sofrerem no pré e no pós parto, questionarem os sonhos adiados, o ganho de peso, expressarem não gostar de ser mães, apesar de amarem os seus bebês.
Eu vi o outro lado. Nada romantizado sobre a maternidade.
E essa realidade hoje, me toca muito mais, me dá até mais vontade de carregar alguém dentro de mim. Não nos tornaríamos mães prontas pra defender a nossa cria se tudo fosse tão fácil, se fosse só bonito. É com garra, com força, característica inerente a toda mulher que parimos e colocamos um ser nesse mundo. Parto não deveria ser substantivo masculino. É preciso ser muito mulher para gerar uma vida.
Filhos não são o caminho para a felicidade. A felicidade está em você. Respeite sua individualidade, faça as suas escolhas com responsabilidade e amor próprio. Essa decisão é unicamente sua, a sociedade que aceite: sendo mãe, titia ou o que quiser ser, você é uma mulher incrível.
* Atriz baiana e autora do livro 1/4 DE MIM. Participante do projeto Vozes Transeuntes
IMAGEM: https://hysteria.etc.br/ler/maternidade-entre-a-idealizacao-e-a-desconstrucao/