A CATARINENSE EUROPÉIA E SEU BEBÊ ALEMÃO
- Carlos Henrique Cardoso
- 7 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de fev.

A galera da net adora viralizar assuntos que podem ser polemizados, e essa semana não foi diferente. Uma catarinense da cidade de Pomerode, conhecida por ser a cidade “mais alemã” do Brasil, postou um vídeo onde apresenta uma “receita” de como fazer um “bebê alemão”, que se resume a juntar sobrenomes difíceis, juntar “os ingredientes”, colocar “no forno” por nove meses, e o resultado é um recém-nascido “fofinho, com pele branquinha, olhos azuis, e cabelos loiros”. Nos comentários, indignações e ofensas, sendo chamada de “racista e nazista”.
Em resposta, ela publicou outro vídeo, onde explica que respeita a diversidade e a miscigenação brasileiras, mas que não vê problemas em expor seu orgulho da descendência européia. Afirma que valoriza seus antepassados que construíram a prosperidade do Vale Europeu - região onde Pomerode está situada – com muito trabalho e pergunta “por que uma cultura européia é racista?” e conclui que diversidade cultural deve ser apoiada no seu todo. E aí? Ela foi racista? E nazista???
Bem, vou me basear por perceptos, algo muito pessoal, mas procurando uma abrangência em torno do assunto. Me parece adequado colocar questões que vão além da explanação da moça em questão.
Não me recordo, ou não tenho costume, de ficar me deparando com vídeos assim, de pessoas realçando sua branquitude linda e feliz, mas também não considero algo escandaloso, mesmo num país escandalosamente racista. O que me chamou atenção é o tipo de mensagem imbricada no vídeo-resposta. Vindo de uma moradora de um estado como Santa Catarina, diz muita coisa.
Esse estado é o segundo no país em número de células nazistas identificadas, ficando atrás de São Paulo. No entanto, a população de SC é seis vezes menor que a paulista, sendo assim, a proporcionalidade desses grupos demonstra maior atividade. É sintomático que num local onde há tanta presença alemã esteja latente a nefasta ideologia desenvolvida por Hitler e responsável por guerras, genocídios, e ideais de superioridade racial.
Bom, a mamãe alemã do vídeo conta sobre o orgulho de pertencer a um povo que trabalhou duro pra prosperar aquele pedaço do país, mas o historiador João Klug, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisou bastante a imigração desse povo para constatar que sua formação agrícola foi passada pelo caboclo, o negro, e o indígena! Ele ainda diz que isso é pouco comentado justamente para passar a ideia de que o alemão por ali é “o agente da civilização”. Falar que o alemão desenvolveu o local, é um princípio amplamente nacionalista, uma das características da ideologia nazista.
O professor também diz que a mulher numa cultura nazista ela é reprodutora, é ela quem vai gerar cidadãos que perpetuem um determinado estilo de vida. E o vídeo expõe um método de criar um alemãozinho, ou seja, um estímulo à continuidade da descendência alemã, num lugar que preza a linhagem germânica, sem qualquer proximidade com outras etnias, o que dá uma sensação de pureza racial. Outra faceta do nazismo. Praticamente uma premissa não só de eugenia, mas de hegemonia da ancestralidade alemã naquele espaço.
Isso aponta que estou me referindo à moça do vídeo como nazista? Não! Claro que não! E aí que está o ponto: segundo Klug, muita gente não tem consciência de que está disseminando uma comunicação nazista. O que percebo é que no vídeo-resposta, há na fala dela uma mensagem dúbia, ou seja, ela pode ser utilizada por qualquer pessoa que realmente exercita seus ditames nazistas! No recado dela, pode haver apenas o orgulho de seu povo, mas a interpretação de que tudo aquilo pode ser expressado por alguém conscientemente nazista, é razoável.
Vou contar algo que aconteceu comigo lá em Santa Catarina. Estava eu andando por uma avenida de Blumenau, anos atrás, quando fui visitar um parente, e em dado momento cruzo com um sujeito todo de preto, cabeça raspada, calçando coturno, alguns adereços, e uma corrente. Quando me avistou, deu meia volta e passou a me seguir! Não sabendo qual era sua intenção, parei em um estabelecimento e ele seguiu direto. Nas suas costas, um desenho de um dedo médio em riste, com frases como “fique longe de mim”, “Mato com prazer”, “foda-se”, etc. Era um indivíduo só, não mais avistei-o, segui meu caminho. Andando pelas ruas, não só de Blumenau, mas Joinville também, é nítida a característica fenotípica da população herdada do continente europeu, sobretudo alemãs (vê-se na arquitetura, culinária, trajes...)
Se isso acontece numa cidade onde ocorre uma festa nacionalmente conhecida – a October Fest – o que, supõe-se, recebe gente de todo o canto do Brasil, tendendo a ser mais cosmopolita que provinciana, só me restou pensar se algo do tipo acontece em maior proporção em outros municípios menos requisitados em termos de turismo e visitação? Também reflito sobre ser um estado que pouco forneceu em termos de manifestações culturais e grandes nomes da arte nacional a ser abraçado no restante do país. Sua cultura baseada em valores germânicos ficou muito restrita e fechada naquele espaço, a ponto do orgulho em ser descendente de alemãs, mais do que pertencer a uma identidade brasileira, presumo. O historiador Klug elenca toda uma elite econômica que habitou várias regiões do estado, advindos de uma cultura que introjetou valores de superioridade por lá, e assim, tornou-se terreno fértil para manifestações de cunho supremacista. E não à toa, palco para proliferação de agentes políticos com posições extremistas.
Pois é... tudo o que devia ser a felicidade de uma formação familiar tornou-se um emaranhado de percepções, estudos, e considerações sobre orgulho racial, superioridade étnica, e pureza européia. Com as redes sociais, tudo o que seria simples vira uma complexidade de alusões.
FONTE:
https://www.poder360.com.br/poder-gente/influenciadora-de-sc-e-criticada-por-receita-de-bebe-alemao/
IMAGEM: Canal Não Minta pra Mim (Youtube)
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