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A DERIVA DA OPOSIÇÃO GARANTE UMA NAVEGAÇÃO TRANQUILA PARA O GOVERNO LULA III


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Após a condenação e o naufrágio das pautas da PEC da blindagem e da anistia, tornou-se claro que o projeto bolsonarista foi enterrado de vez — e o país, ao escapar das brumas do ex-capitão, agora retorna à política do mundo real. Graças à campanha de Eduardo Bolsonaro, conseguiu-se selar o fim de qualquer possibilidade de redução de pena para Jair Bolsonaro; mais ainda, foi jogada no colo do governo a pauta nacionalista, de modo que o encontro entre Trump e Lula tornou-se o corolário de uma aventura tresloucada.


Parece que a extrema-direita se superou: se em 2022, às vésperas da eleição, Roberto Jefferson disparava contra a Polícia Federal (felizmente, sem auto de resistência contra ex-condenados do Mensalão), agora assiste-se ao eclipse de seu protagonismo. O embate em torno do imposto para repor o fim do IOF foi derrotado, assim como a ajuda de Tarcísio de Freitas — que agora parece tentar se conectar ao jogo político, porém sem o véu explícito do bolsonarismo. A sensação é de que o “baixo clero” já elegeu o seu novo cavalo, menos afeito aos arroubos autoritários e mais disposto, em caso de vitória, a entregar de uma vez as economias da Viúva. A derrota do governo (oposição) não é apenas uma derrota — é um aviso de que a negociação orçamentária dará o tom da relação do governo Lula com o Congresso na próxima fase.


Nesse meio-tempo, o assassinato de um ex-delegado, e declarações infelizes sobre a crise do etanol, mostraram ao eleitor paulista que o “Washington Luís importado da Guanabara” não era realmente o gestor sólido que se vendia. Com isso, recuou — e agora aguarda seus próximos movimentos, enquanto tenta conter a sangria no Palácio dos Bandeirantes.


Enquanto isso, Lula conseguiu reduzir sua rejeição, e notícias favoráveis no campo econômico trazem um prognóstico positivo ao governo. O “Sidônio” do Planalto — expressão que representa a articulação silenciosa no palácio — selou fissuras internas e conseguiu passar ao país a mensagem de que, enfim, a verborragia havia acabado. Afinal, nem sinal da primeira-dama na cena pública nesse momento.


Por sua vez, os partidos da centro-direita ainda tateiam por uma solução. Gilberto Kassab tenta lançar Ratinho Jr. como presidenciável; os demais — que rejeitam o PT — continuam a bater cabeça e não encontram nome de consenso. É nesse deserto que Lula põe as mangas de fora. Manda às favas a representação simbólica e decide indicar Jorge Messias (o “Bessias” da Dilma, lembram?) para a vaga de Luís Roberto Barroso no STF — nada de mulher, nada de negros. O mais importante é garantir um aliado para sua cruzada contra o Congresso pós-2026.


Antes disso, após sofrer revés na Câmara, resolveu defenestrar todos os cargos indicados de quem votou contra o governo. Sintoma evidente de quem, num sistema presidencialista, sabe que a popularidade é fundamento da legitimidade diante de um Congresso de representação difusa e metafísica.


E essa “tal liberdade” que o presidente usufrui reverbera na última derrapada: ao afirmar que traficantes seriam “vítimas de usuários”, deixou claro que não se preocupa mais em afinar o discurso — manda o recado para a militância. E falando nela: ao nomear Guilherme Boulos para a Secretaria Geral da Presidência, feriu de morte qualquer pretensão da esquerda de construir alternativa ao próprio PT, além de tentar oxigenar o eleitorado do partido.


No fim das contas, a fortuna sorri para um governo de pouca virtú: se observarmos a trajetória do governo e de seu presidente nesses últimos anos, percebemos uma incapacidade de lidar com a nova realidade do sistema político brasileiro — que, como afirmei, exigiria um verdadeiro governo de coalizão.

Mas Lula não é FHC, tampouco Temer. Apesar da situação bizarra de ele ter representado um “não” ao incumbente de turno e de governar com um Congresso de direita, o PT que governa o país nunca foi e jamais será afeito a repartir o poder; porque Gramsci, para ele, é a pedra de toque da compreensão de política — não a revolução passiva, mas a hegemonia. A política econômica errática, os desencontros entre o Itamaraty e Celso Amorim como chanceler honorário nas relações exteriores; a falta de trato com o Congresso, que teve Rui Costa e Alexandre Padilha como linhas de frente na articulação política, nada disso parece ter sido capaz de fazer surgir um ator que consiga se colocar como viável, sem que isso signifique dar guarida à extrema-direita.


Assim, enquanto não surge nenhum condestável para desafiar Lula, parece que veremos a nau petista navegando em mares tranquilos, rumo ao que se descortina como uma reeleição culposa. Apertem os cintos — estamos começando a curva de mais uma viagem redonda.



Referência para a imagem GÉRICAULT, Théodore. A balsa da Medusa (Le Radeau de la Méduse). 1818-1819. Óleo sobre tela, 491 × 716 cm. Museu do Louvre, Paris.

 

AGÊNCIA BRASIL. São Paulo tem 42 mil pessoas em ato contra PEC da blindagem e anistia. Brasília, 22 set. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-09/sao-paulo-tem-42-mil-pessoas-em-ato-contra-pec-da-blindagem-e-anistia. Acesso em: 26 out. 2025.


BRASIL DE FATO. Fortaleza reúne aproximadamente 40 mil pessoas em ato contra a PEC da blindagem e contra anistia. Fortaleza, 22 set. 2025. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2025/09/22/fortaleza-reune-aproximadamente-40-mil-pessoas-em-ato-contra-a-pec-da-blindagem-e-contra-anistia/. Acesso em: 26 out. 2025.


COSTA, Gustavo. Eduardo Bolsonaro cobra anistia e diz que só assim Brasil terá vantagem com Trump. CNN Brasil, Brasília, 17 set. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/eduardo-cobra-anistia-e-diz-que-so-assim-brasil-tera-vantagem-com-trump/. Acesso em: 26 out. 2025.


GARCIA, Carolina. Eduardo Bolsonaro admite em áudio que intenção não era anistia para todos, mas salvar o pai. Terra, São Paulo, 18 set. 2025. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/eduardo-bolsonaro-admite-em-audio-que-intencao-nao-era-anistia-para-todos-mas-salvar-o-pai,64dd749bb51cfb185c451b3da872e34cq2qcjt3w.html. Acesso em: 26 out. 2025.


GOMES, Fabio. Intrigas na direita fragilizam projeto de poder da oposição para 2026. Veja, São Paulo, 19 set. 2025. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/intrigas-na-direita-fragilizam-projeto-de-poder-da-oposicao-para-2026/. Acesso em: 26 out. 2025.


NASCIMENTO, Rafael. Desculpas de Tarcísio de Freitas após gafe revelam distanciamento de Bolsonaro e busca por identidade política própria. Gazeta do Povo, São Paulo, 20 set. 2025. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/sao-paulo/desculpas-tarcisio-bolsonaro-pandemia-marcas-2026/. Acesso em: 26 out. 2025.


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