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A FILOSOFIA PODE NOS SALVAR!

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Nosso texto de hoje é um diálogo com o primeiro capítulo da obra Convite à Filosofia, de Marilena Chauí, professora emérita de História da Filosofia Moderna na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.


Estando imersos no cotidiano, não temos preocupações em extrapolar o óbvio, o já vivido, aquilo que nos parece familiar. “Sempre foi assim”. “Todos fazem desse jeito”.  “Buongiorno, que dia é hoje?” Segunda-feira, caro Francesco”. “Que horas são?” 10 horas, Francesco, amico”.


Não há nada de extraordinário nas questões e nas respostas acima. Essa é a realidade do senso do cotidiano, da banalidade do dia a dia. Esse é o cenário em que todos estamos imersos desde o nascimento. Nada parece indicar que há questões mais complexas sobre o mundo. Esse é o olhar mais natural que possuímos sobre a configuração da existência pertencentes a tutti e a tutte.


Mas o olhar genuíno e natural sobre as coisas do mundo não nos revela tudo. E se, de repente, eu começasse a questionar o óbvio? O que é o dia? O que é o tempo? O que sou Eu? O que é a vida? São questões que parecem extrapolar o senso comum. Algumas pessoas, durante toda a história humana, fizerem essas questões, alguns mais conhecidos do que outros, alguns com maior destaque, mas muitos anônimos se questionaram. Os mais ousados foram perseguidos, torturados, achincalhados, mortos. A filosofia é perigosa. Ela confronta os diversos tipos de poder: político, econômico, ideológico, religioso, estamental.


A atitude filosófica é essa capacidade de colocar em xeque valores, crenças e preconceitos já estabelecidos como óbvias, banais. Ao indagar sobre a realidade, e dar um salto para investigar o porquê das coisas, saímos da mera especulação e movimentamos o pensamento. Este precisa ser colocado em prática. Quantos de nós, leitor, indagou sobre algo, mas não levou a investigação adiante? Talvez a maioria. Ao dar o salto intelectual, sair da caverna obscura, que Platão nos apresentou na sua obra “A República”, saímos da condição  de meros agentes passivos e passamos a ser seres atuantes para além da superficialidade. Saímos das sombras. Agora, sim, podemos dizer que estamos buscando um saber mais racional. Conhecer algo a partir de deduções lógicas, leituras e, quem sabe, experimentos. Essas formas de conhecer precisam fazer sentido dentro de parâmetros lógicos – padrões previsíveis e coerentes, com evidências e racionalidade. “Eu não quero mais ficar satisfeito em saber que se eu encostar o dedo no fogo posso me queimar, mas sim, do que constitui o fogo, quais seus elementos e por que ele queima”. Ou “eu não estou satisfeito em só saber que se encostar o dedo no fogo, me queimo, mas sim, o que ou quem me avisa sobre a dor que sinto”.


Então, a atitude crítica se preocupa com o porquê, o como e o para quê. Aqui tem um ponto interessante: essa curiosidade em se questionar sobre o comum, é humana. Recorrendo a Neurociência, o que nos diferencia de outros seres é a capacidade de fazer várias conexões neurais, abusar das sinapses. Quanto menos fizer, menos exercemos o potencial humano que há dentro de cada um. Não adianta termos um cérebro cheio de capacidades, pronto para ser usado e extrapolado, se não o usamos com o máximo de sua eficiência. Temos lá a estrutura, mas precisamos abusar das suas funcionalidades. Esse é o segredo do aprendizado.


Como vamos aprender, se tudo que pensamos é colocado como verdade universal? Essa “preguiça cognitiva” abraça o reino da ignorância, ignorare, que significa "não saber”, em latim. Em vez de questionar a nossa ignorância, adotamos a atitude do dogmatismo e da prepotência de achar que sabemos sobre tudo. “Sempre foi assim, logo deve ser verdadeiro”. Ao não exercemos a nossa imaginação, criatividade e reflexão, estamos fazendo um desserviço à nossa espécie. Ou seja, filosofar também pode nos auxiliar a fazer mais sinapses, evitando perdas cognitivas significativas que podem retardar ou danificar o bom funcionamento do nosso corpo. É a capaciade inata que nosso encéfalo tem de se adaptar e se reorganizar ao longo da vida, com a atividade da neuroplasticidade,


Então, como atitude crítica negativa, devemos dizer não aos pré-juízos. Na atitude positiva, perguntamos sobre as coisas. Saímos da doxa, de uma mera opinião, e galgamos a um reino de evidências mais consistentes, de fatos sustentados, racionalmente, sobre o mundo que nos cerca.


De hoje em diante, assumamos o compromisso de buscar causas, conteúdos e finalidades das coisas que nos apresentam. Inclusive sobre nós mesmos: “por que penso desse jeito?” . “Faz sentido o conteúdo disso que estou aprendendo ou reproduzindo?”. Isso tem que espécie de finalidade para mim e para as pessoas”? Ao fazer essas indagações, estou filosofando. O senso comum não é mais o carro chefe. Ele não vai desaparecer por completo, claro, mas, também, não vai determinar mais a nossa forma de encarar a nós mesmos e ao mundo.   


Por fim, deixo a seguir a maravilhosa citação de Chauí sobre a utilidade da Filosofia.


“Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes” (Chauí, 2000, p.17).

_________________


Livro: CHAUÍ, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000. 




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Guest
Jul 28
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Filosofia é vida !

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