A HISTÓRIA SE REPETE, PRIMEIRO COMO TRAGÉDIA, DEPOIS COMO FARSA
- Everton Nery

- 24 de jul.
- 3 min de leitura

“O dom de acender no passado a centelha da esperança”. É assim que Walter Benjamin descreve o papel do historiador comprometido com os vencidos, em seu célebre ensaio Sobre o conceito de história. Diante da conjuntura política brasileira contemporânea, somos compelidos a assumir essa escuta messiânica e crítica que Benjamin exige, pois não estamos apenas diante de uma crise de governo, mas da repetição de um padrão histórico em que os erros de ontem são reciclados e caricaturados no presente. A frase de Marx, “a história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa”, ganha ressonâncias ainda mais profundas quando lida à luz da crítica benjaminiana: não se trata de uma repetição neutra, mas de uma (re)atualização perversa da barbárie.
A tragédia brasileira tem raízes profundas: a colonização, a escravidão, o autoritarismo, a repressão como fundamento do Estado e a desigualdade como projeto. Em todos esses momentos, os vencidos foram silenciados, suas histórias apagadas ou distorcidas. Como escreve Benjamin (2007, p.224) “nem mesmo os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer.” E o inimigo venceu muitas vezes: no golpe de 1964, na legitimação da tortura, nas transições pactuadas que não fizeram justiça, na criminalização dos movimentos sociais, nas alianças entre elites políticas, midiáticas e econômicas. Essas são as tragédias de nossa formação social, de nossa história oficial, sempre escrita pelos vencedores.
Hoje, porém, a tragédia assume a forma grotesca da farsa. A cena política brasileira é povoada por figuras caricatas, negacionistas, autoritárias e desprovidas de qualquer pudor democrático. A política virou espetáculo, os discursos são memes e os símbolos nacionais são apropriados por forças que os esvaziam de sentido. Benjamin advertiu: “o fascismo tenta organizar as massas recém-proletarizadas sem tocar nas relações de propriedade; ele vê sua salvação em permitir a expressão das massas, mas mantendo intactas as estruturas de dominação” (Benjamin, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, 1994, p. 180). O que vemos hoje é justamente isso: a manipulação afetiva das massas sem nenhuma transformação estrutural; apenas a reafirmação da barbárie com roupagem popular.
Essa repetição farsesca se torna ainda mais perigosa quando apaga a memória da tragédia. O que está em jogo é a própria temporalidade da história. Em lugar de uma experiência crítica do tempo, vivemos sob o império de uma “atualidade eterna”, como alerta Benjamin. A política é despolitizada, o passado é instrumentalizado, o futuro é cancelado. Nas palavras do autor: “articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'como ele verdadeiramente foi'. Significa apropriar-se de uma lembrança tal como ela relampeja no momento de um perigo” (Benjamin, 2007, p. 223). O perigo está dado. E é justamente agora que devemos convocar as vozes soterradas da história para que elas se façam presentes, não como nostalgia, mas como denúncia.
A luta política hoje, mais do que nunca, é também uma luta pela memória. A farsa só se sustenta sobre o esquecimento. Por isso, como ensinou Benjamin, o historiador crítico é aquele que escava os escombros, que ouve os murmúrios dos derrotados e que recusa o conformismo da narrativa oficial. “O passado só se deixa fixar como imagem que relampeja irreversivelmente no instante de sua cognoscibilidade” (Benjamin, 2007, p. 224). O instante é este. Não se trata de esperar pela redenção vinda do alto, mas de tensionar o agora com as promessas ainda não cumpridas da justiça, da igualdade, da equidade e da dignidade para todos.
A tarefa que se impõe àqueles que não aceitam a farsa como destino é clara: construir barricadas de sentido, resgatar a força utópica dos vencidos, insurgir-se contra o continuum da história dos opressores. Como disse Benjamin (2007, p.225), “cada segundo é a porta estreita por onde pode passar o Messias.” A história não está condenada a repetir-se, nem como tragédia, nem como farsa, se soubermos interromper seu curso com o gesto da resistência, com a lembrança crítica, com o compromisso ético diante do outro. Que esta seja nossa aposta, mesmo em tempos tão sombrios.
Referências
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2007. (Obras Escolhidas, v. 1).
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas, v. 1).
IMAGEM: Biblioo



A frase de Karl Marx “A história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa” mostra que eventos históricos podem retornar de forma distorcida. Ele se referia a Napoleão Bonaparte e, depois, ao golpe de Napoleão III. A repetição revela a incapacidade da sociedade de aprender com o passado: primeiro há um impacto real e doloroso (tragédia), depois uma imitação vazia e absurda (farsa).
(Tamires Santos Barreto)
É um texto que nos convida a não aceitar o esquecimento como destino, a olhar o presente com consciência e a manter viva a esperança de transformação mesmo nos tempos mais difíceis. Ao relatar essa critica exposta pelo autor, que é a forma como a política se tornou, um espetáculo cheio de discursos vazios, memes e líderes que parecem caricatura.
Um texto profundo e necessário. A articulação entre Marx e Benjamin revela com lucidez como a história não apenas se repete, mas é manipulada em favor da manutenção do poder. O autor mostra que não vivemos apenas tempos de crise política, mas uma crise de memória histórica, onde a farsa se apoia no esquecimento da tragédia. Em meio ao espetáculo político e ao esvaziamento dos símbolos democráticos, este texto nos lembra da urgência de resistir — não só com ações políticas, mas também com memória, ética e consciência crítica. Que nunca deixemos de ouvir as vozes soterradas da história.
No Brasil, vivemos uma farsa, onde a tragédia que um dia tivemos que lutar contra todos esse movimentos em 1964, atualmente é igual e o que diferencia de antes é que eles tiveram forças para lutar contra o golpe militar, a ditadura, etc., e hoje muitos esquecem da nossa história, simplesmente colocam a venda nos olhos e vida que segue. Vivemos na politica do pão e circo!
Marx já dizia: “a história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa”. No Brasil, a tragédia foi golpe, ditadura, censura e desigualdade. Hoje, a farsa é um show de figuras sem noção, negacionistas e autoritárias, enquanto tudo continua igual. Walter Benjamin lembra: a farsa só existe quando a gente esquece a tragédia. Ou a gente encara o passado e muda o rumo, ou vai rir da piada até ela engolir a gente.