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A NÃO MONOGAMIA É ÉTICA?




Essa semana conversando com um amigo ele me disse ‘’você é a única pessoa que eu falo sobre esse assunto e sinto seriedade e responsabilidade’’. O assunto era a chance de construir afetos dissociados de uma perspectiva monogâmica.


O tema é interessante, mas muito polêmico, já que, a maior das considerações é a possibilidade de se relacionar com outras pessoas, mesmo estando em um relacionamento com alguém (de forma consensual para todas as pessoas envolvidas). O cenário onde você assume um relacionamento com alguém, mas também pode se conectar com outras pessoas (e ver o/a companheiro/a se conectando com outras pessoas) é algo meio assustador quando a gente pensa na logística da coisa além do ciúmes e das inseguranças que entram na cena.


Hoje em dia todo mundo tem uma história para contar, seja sua ou de alguma amizade conhecida. Aquele caso de alguém que tentou ter um relacionamento aberto e foi um desastre; aquela pessoa que quer catar todo mundo e não tem responsabilidade afetiva com ninguém; aquele discurso de que jamais conseguiria se relacionar dessa forma.


A construção de um relacionamento fora da noção monogâmica tem sido alvo de debates - profundos e superficiais - a respeito de diversos aspectos relacionais. Será que eu conseguiria, será que não? Será que funciona mesmo ou só vou estar consentindo uma traição e quebra de confiança? E se a minha pessoa ficar com 10 outras pessoas, vou ter que ficar com 20?


Muita gente pode achar que considerar esse horizonte significa vivenciar um relacionamento frágil, sem regras, manipulador (quando apenas uma das pessoas se beneficia com a configuração) e traumatizante. Mas o que essas inquietações revelam sobre nossos comportamentos frente ao afeto (diante de nós e diante do outro) é o ponto que eu gostaria de tratar nestas linhas.


Inicialmente, é interessante considerar a cultura como um ponto de vista significativo quando pensamos em configuração de relacionamentos. Estamos falando de uma gama de possibilidades de construção de relacionamentos amorosos espalhados pelo globo, todos organizados de acordo com aspectos culturais dos territórios (e em um único território pode existir diversas formas de se relacionar) e com as demandas de sentido de cada indivíduo. Podemos considerar relacionamentos: monogâmicos, não monogâmicos, fechados, abertos, poliamorosos, assexuais, amor livre, à distância, com envolvimento apenas sexual, casuais, temporários, etc…


A dimensão que este texto defende é a não imposição de uma forma-padrão de se relacionar (com as pessoas, com o mundo, com os amores e com nós mesmes), pois a existência disso tira a plena capacidade de manifestar o afeto de forma orgânica, genuína e livre.


Ao conceber uma base normativa de como devemos nos relacionar amorosamente, estamos aceitando um pacote pronto de regras e coisas que nós não definimos a partir das nossas necessidades, desejos e limites. Este é o ponto do debate que desejo construir aqui: a falta de oportunidade de escolha em decorrência de uma ideologia dominante.


Aceitar o pacote pronto de normas e regras é aceitar que algo externo defina os limites e desejos presentes na nossa identidade e subjetividade. Por que fazemos o que fazemos quando sentimos ciúmes, por exemplo? Por que não questionamos como nos sentimos diante de situações assim?


A dimensão significativa quando falamos sobre o ciúmes diz respeito à noção de posse e consequentemente, a objetificação do/a/e outro/a/e - que pertence a mim. A coisificação que torna terceiros meu objeto, seja para suprir uma demanda afetiva, sexual ou apenas para estar alinhado a expectativa social do tipo ideal de relacionamento, reduz sua identidade a quase nada, já que, ele/a/u precisa corresponder à funcionalidade de objeto: servir as minhas necessidades em primeira instância, secundarizando a si mesmo/a/e.


Quando nos enxergamos nessa dinâmica, o que resta do relacionamento? O fim para que um novo relacionamento comece sem que se tenha a possibilidade de pensar no que deu errado? Pensar em outras possibilidades e formas de se relacionar já que existem tantas?


Claramente, isso depende muito de quais as necessidades de cada um e a palavra da não monogamia não precisa ser aceita. Ela se propõe muito mais a estabelecer um diálogo voltado para um olhar fora da caixa do que impor que alguém precise aceitar viver um relacionamento aberto, por exemplo. O problema às vezes será o fã clube e o quanto uma ideia pode soar alternativa demais nos ouvidos de quem necessita desviar da norma sem pensar em como fazer isso com responsabilidade.


Pensar a não monogamia é pensar a liberdade associada à responsabilidade; a criatividade associada ao autoconhecimento; os desejos associados ao que se está disposto a abrir mão. Sobretudo, dialogar com nossas idealizações e expectativas do que vai de fato nos satisfazer porque, afinal, isso será algo descoberto ou algo comum a todas as pessoas?


Como nos relacionamos conosco e com terceiros/a/e está intimamente ligada à forma em como fomos apresentados/as/es com o mundo, considerando uma série de fatores: de que tipo de família viemos, de que forma aprendemos a lidar com nossos desejos e conflitos, em que sociedade vivemos e quais afetos podemos vivenciar.


Mas e você, o que pensa sobre o assunto? A não monogamia pode ser ética?



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2 Comments

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Acho possível. A desconstrução do pensamento é um dos desafios. São inúmeras as obras que pregam o amor como esse núcleo indissociável entre duas pessoas. E somos alimentadas com elas desde pequenos

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Com certeza, Vini. A monogamia é estrutural, mas vale a pena descolonizar o pensamento e o afeto!

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