A NOVIDADE VEIO DA PRAIA: Salvador tem grandes chances de estar submersa daqui a menos de 80 anos
- Equipe Soteroprosa
- 25 de abr. de 2023
- 7 min de leitura

Esse é o meu quinto texto escrito especialmente para o Soteroprosa. Em todos eles, venho trazendo aspectos de como manobras nessa era da pós verdade podem colocar em risco o nosso senso crítico, nossa saúde e nossa sobrevivência neste planeta. O tema de hoje traz uma discussão urgente e necessária, que deve ser debatida por todos os setores da sociedade: o aquecimento global.
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Estamos enfrentando um grande boicote na educação- para que nosso povo não tenha capacidade de pensar criticamente a realidade. Nosso planeta enfrenta um grande problema com potenciais novos vírus e bactérias resistentes – boa parte disso é resultante do sistema capitalista extremo nos nossos sistemas de produção alimentar e o mal uso de antibióticos animais e humanos. Bilionários como Ellon Musk estão tentando comprar seu passaporte para o futuro, explorando vida fora da Terra, mas as pesquisas indicam que não há planeta B para as demandas da espécie humana.
Por fim, há toda uma indústria de fake News espalhadas nas redes com terapias falsas, ou mesmo que promovem a negação da Ciência e das vacinas. A negação da Ciência junto com uma enxurrada de outras ações, resultam numa estratégia para confundir a sociedade e dar passagem para caminhos antidemocráticos perigosos, como o neonazismo. As ameaças nas escolas que ganharam a mídia nesses últimos meses é apenas a cereja desse bolo.
Não é por acaso que aquecimento global é um tema negligenciado nas esferas da sociedade, ficamos indignados com a taxação das bugigangas que compramos no Ali Express, e com os 15% da taxação de apostas esportivas. Mas nunca encontrei nenhum sujeito indignado com fato de que daqui há menos de 80 anos, o Porto da Barra pode não mais existir. Aquele passeio no Mercado Modelo, com direito à boa moqueca da Maria de São Pedro (restaurante à esquerda, rsrs)- pode ser apenas uma construção submersa a ser visitada por mergulhadores.
Sabe por que não nos importamos com o aquecimento global? Primeiro porque existe uma série mentirosos que afirmam que isso não existe, aquecimento global é coisa da cabeça de ambientalistas que não querem trabalhar para ganhar dinheiro. Segundo porque essas coisas ambientais sempre são tratadas como coisas para serem resolvidas depois. Primeiro salvamos a economia, depois pensamos no ambiente. Primeiro resolvemos a fome, depois a gente pensa no meio ambiente. Primeiro vamos pensar em medidas para a saúde, depois a gente vê o que faz com o meio ambiente.
Mas, deixa eu contar uma coisa para vocês: sem políticas ambientais, o que colheremos é crise econômica, crise alimentar e crise de saúde. As pessoas que negam o aquecimento global, o fazem porque não são elas que passam fome ou sede por conta do esgotamento dos recursos naturais, não são elas que possuem suas casas alagadas por enchentes provocadas por desastres climáticos. Não são elas que sofrem com as pandemias, afinal, possuem dinheiro e bons seguros de saúde. Não são elas que ficam expostas a doenças, elas nem sabem o que é falta de saneamento básico.
Na graduação, tive a oportunidade de estudar um assunto conhecido como “Economia da Natureza”, esse estudo basicamente calcula o valor de um ambiente preservado e equilibrado. Como assim? Vamos usar o mangue como exemplo, o ambiente manguezal é um importante berçário de animais marinhos, promove a ciclagem de nutrientes e matéria orgânica, estabiliza marés e é importante na contenção de desastres naturais como maremotos. Esse serviço que o manguezal presta tem um custo, se usamos essas áreas para a especulação imobiliária, ou depósito de resíduos de esgoto, por exemplo, o mangue não vai mais prestar esses serviços. Então, teremos que gastar dinheiro para tentar conter os problemas gerados pela falta do mangue. Nesses estudos de Economia da Natureza, é possível observar que conservar áreas naturais geralmente é a opção mais viável e econômica. Se existem pessoas lucrando com a destruição ambiental, em consequência, a nossa sociedade paga um preço caro, às vezes sem nem saber disso.
Neste sentido, de Economia da Natureza, os oceanos estão se revelando como ambientes altamente econômicos e importantes para o futuro da nossa espécie e para o bloqueio dessa cascata de eventos destrutivos provocados pelo aquecimento global. Recifes de corais, por exemplo, constituem ecossistemas marinhos com alta capacidade de captura de gás carbônico atmosférico. Além disso, o mar é uma fonte potente de alimentação saudável para a humanidade, sem contar nas inúmeras espécies marinhas que produzem substâncias químicas em potencial para curar cânceres, combater bactérias resistentes e até mesmo revolucionar os estudos de imunologia humana. O potencial do oceano é tão grande que há uma expressão só para a economia que ele movimenta: a famosa Economia Azul.
O aquecimento global ocorre principalmente pelo aumento da emissão de gases estufa na atmosfera. Esses gases inicialmente possuem a função de manter o clima da Terra estável durante todo o período da rotação – ou seja- nosso planeta nem esfria demais à noite, nem esquenta demais de dia, essa estabilidade é muito importante para termos vida na Terra. No entanto, a liberação excessiva de gases estufa faz com que eles aqueçam o planeta mais do que deveriam, e esse aumento a mais de temperatura, mesmo que em 1 ou 2 graus, já é suficiente para desestabilizar os ecossistemas da Terra, levando à extinção de espécies, incêndios florestais, desastres ambientais como chuvas torrenciais, maremotos e terremotos, perdas inteiras de plantações e maior proliferação de doenças.
Hoje o principal gás estufa causador do aquecimento global é o gás carbônico. Ao entrar em contato com a água, ele se transforma em Ácido Carbônico. É por isso que temos a chuva ácida, os rios ácidos e a acidificação dos oceanos. O pior é que quando acidificamos oceanos, uma outra reação perigosa ocorre- o branqueamento dos corais. Muitos corais dependem de algas para sobreviver, e essas algas são responsáveis por capturar a maior parte do CO2 do ar, e são elas que deixam os corais coloridos. Com o aumento da temperatura e com a acidez dos oceanos, essas algas morrem, deixando os corais sem cor, e depois de um tempo, sem vida. Outro fator preocupante é que o oxigênio que respiramos vem em boa parte dessas algas de corais, conhecidas como zooxantelas.
Projeções recentes indicam que muitas cidades litorâneas tropicais com Recife e a nossa querida Salvador, estão ameaçadas de estarem submersas nos próximos anos por conta do aquecimento global, essas projeções são para 2100. Estudos feitos por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia já detectaram uma aridez assustadora na nossa Baía de Todos os Santos. Nos últimos anos, a diminuição das chuvas regulares e a aridez no recôncavo baiano, diminuiu o aporte de água do Rio Paraguassú para a Baía de Todos os Santos, isso está resultando em salinidades muito maiores na Baía, em comparação com o Oceano Atlântico. O impacto disso na nossa biodiversidade é assustador. E os pesquisadores afirmam que essa falta de regularidade de chuvas é resultado do aquecimento global que já afeta a cidade.
Em um artigo publicado este ano na revista Nature, os autores deixam claro a falta de medidas universais contra os resíduos de gás carbônico que estão sendo lançados no mundo todos os anos. Segundo os pesquisadores, nas projeções mais otimistas, mesmo aderindo às tecnologias de carbono 0, em 2050 ainda teríamos gás carbônico em um nível muito perigoso. Segundo eles, os oceanos são ambientes capazes de fazer essa captura de maneira mais eficiente, além disso, a manutenção de florestas e áreas verdes é fundamental no processo. Ou seja, ao invés de ficar apenas inventando formas de gerar lucro a partir de tecnologias 0 carbono, a gente precisa de uma vez por todas apostar na economia da natureza e conservar nosso meio ambiente.
Quando falo em conservação, não estou defendendo medidas fascistas de retirar povos originários das florestas, comunidades de pesca das suas praias ou dizer que tem gente demais no mundo- promovendo ações eugenistas. Na verdade, a ciência nos mostra que os ambientes mais bem conservados no mundo possuem a mão humana. O lado mais diverso das florestas, tem o dedo dos povos tradicionais fazendo uso e manejo correto dos recursos. As praias onde os recifes são mais conservados, possuem o olhar cuidadoso de pescadores tradicionais que cuidam do meio e respeitam o período de defeso para que não falte o seu sustento. As áreas mais equilibradas do semi-árido nordestino contam com as mãos dos nossos agricultores familiares que promovem o cuidado com a Terra, e um plantio sem o uso indiscriminado de agrotóxicos.
Ao contrário, os locais mais destruídos quase não têm gente na Terra. O que vemos são muitos tratores, pastagens abertas, plantas todas iguais, terras arrasadas e muita monocultura- um sistema destrutivo promovido pelo agronegócio que só visa o lucro. É essa galera que quer acabar com nossos povos tradicionais, com as nossas comunidades quilombolas e de fundo de pasto. É essa galera que é contra a comunidade da Gamboa, que foi a favor da construção do BRT que acabou com quilômetros de árvores centenárias e retirou de seus lares várias pessoas que habitavam a região do Dique.
Falar dos oceanos, e especialmente da região da Baía de Todos os Santos, deixa meu coração um pouco apertado. Afinal, os últimos seis anos da minha vida foram dedicados a estudar a biodiversidade desse local que tanto me encanta. Já encontrei seis espécies novas habitando as águas baianas, e tem muito mais que estão para sair no desenrolar das minhas pesquisas. Vez ou outra vejo tratores de obras, concreto sendo construído sob área de praia, descuido com o povo, e tantos outros crimes ambientais expostos na nossa área litorânea e fico realmente indignada com a falta de políticas públicas na orla de Salvador.
Recentemente recebi a notícia de que duas embarcações serão afundadas nos nossos mares com a desculpa de servir de mergulho turístico. Mesmo com a comunidade científica tendo se manifestado contra esses naufrágios programados, eles continuam existindo. Navios possuem substâncias químicas perigosas para os organismos vivos. Além disso, eles podem conter espécies invasoras e exóticas, que trazem mais problemas para um ambiente que já está castigado pelos efeitos do aquecimento.
É o mesmo que pegar um paciente que já está hospitalizado e deixá-lo exposto a mais infecções. É isso que estamos fazendo com a nossa Baía de Todos os Santos, com o local que produz o oxigênio que respiramos. É, meus queridos, a novidade veio da praia, mas continuamos vivendo do jeito velho, e errado.
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Fontes:
BUCK, Holly Jean et al. Why residual emissions matter right now. Nature Climate Change, p. 1-8, 2023.
CORREIOS. Setur autoriza o afundamento de dois navios na Baía de Todos os Santos. 2023. Acesso em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/setur-autoriza-afundamento-de-dois-navios-na-baia-de-todos-os-santos/
ECOA UOL. Por que naufrágios são perigosos para os oceanos?. Acesso em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/03/11/por-que-naufragios-para-criar-corais-em-noronha-sao-risco-ambiental.htm
Mar Bahia. Exposição revela Salvador submersa. Acesso em: https://www.marbahia.com.br/post/exposicao-que-mostra-areas-de-salvador-submersas-com-aumento-do-nivel-do-mar-segue-em-cartaz
National Geografic. O que é Economia Azul?. Acesso em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/o-que-e-a-economia-azul-e-por-que-ela-e-tao-importante#:~:text=A%20economia%20azul%20promove%20o,comuns%20nas%20%C3%A1guas%20do%20Mediterr%C3%A2neo.
SALA, Enric et al. Protecting the global ocean for biodiversity, food and climate. Nature, v. 592, n. 7854, p. 397-402, 2021.
GUERRA, Murilo. Clima da Baía de Todos os Santos está ficando mais árido. Edgardigital. 2019. Acesso em: https://www.edgardigital.ufba.br/?p=14478#:~:text=A%20Ba%C3%ADa%20de%20Todos%20os,%C3%BAltimas%205%20a%206%20d%C3%A9cadas.
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