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Córtex Pré-Frontal: nosso primeiro “CPF”e sua relação com a Infância

Foto do escritor: Áurea AñjaneyaÁurea Añjaneya


Série: Infância - #2


“Tome minha boca para que eu só fale aquilo que eu deveria dizer A caneta, a folha, o lápis, agora que eu comecei a escrever”¹

 

Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite.

Soteroleitore, Feliz Ano Novo!

 

Como prometido, estou de volta após meu primeiro texto aqui (04/nov/24), quando me apresentei e fiz algumas introduções sobre a “A violência e invisibilização da infância”, um dos temas que irei fortemente desenvolver ao longo de minha caminhada no Soteroprosa.

 

¹ Antes de começar, uma errata: percebi que não citei a autora do título da minha produção anterior. “Tem quem dê a benção, Tem quem bata a cabeça” é um trecho da música “Travessia”, de Sued Nunes. Percebi também que minha trajetória não consegue se afastar da música. Em tempo, neste segundo escrito, trago na epígrafe novamente um trecho belíssimo da artista, poeta, rapper, cantora e filósofa Bia Ferreira, em sua música “Não Precisa ser Amélia”.

 

Continuando nosso bate-papo, é incrível como a maioria dos adultos acha que sabe como, e que é capaz de, educar uma criança, e o que fazer para prontamente mitigar qualquer atitude “indesejada” dos pequenos (ou seja, aquelas que incomodam o adulto). Mesmo que seja uma criança totalmente desconhecida! No entanto, para guiar eficaz e eficientemente estes pequenos seres em desenvolvimento, é preciso inicialmente entender pelo menos um pouco do funcionamento do cérebro infantil. Então, atualmente, meu filtro para saber o nível do conhecimento educativo de alguém é perguntar:

 

Você sabe como funciona o desenvolvimento do córtex pré-frontal e qual sua relação com o comportamento das crianças e adolescentes?

 

A partir da resposta é possível saber quão sério são seus conhecimentos pedagógicos, principalmente no que se refere a crianças pequenas. Se há conhecimento real, cientifico, em seus métodos; ou se é mera repetição sociocultural do que se acha que é educação. Não culpo você por não ter esta resposta, mas o parabenizo por buscar saber ao continuar lendo esta série de textos.

 

O desconhecimento do neurodesenvolvimento infantil e da maturação do nosso cérebro (que hoje já se sabe que pode durar até os 28 anos), é  um lugar comum em nossa sociedade, de onde só se é possível se desenredar com muito desconforto, e disposição, e capacidade, para uma grande mudança de paradigma. Aceitar a ciência e suas descobertas sobre o assunto - e a partir daí concluir que a maioria dos comportamentos socioculturais em relação à infância não faz sentido, e quase sempre são contraproducentes - vai nos deixar perdidos, muitas vezes sem saber o que fazer que não seja repetições dos padrões violentos de trato com a infância, aos quais estamos acostumados por presenciamos e reproduzimos durante toda nossa vida.


Até agora.


 

Sabemos o que interfere no funcionamento da criança e nos comportamentos que dela presenciamos? Qual a real capacidade de compreensão do cérebro infantil; suas limitações de respostas, físicas e mentais? Quais de nossas expectativas são possíveis ou impossíveis de acordo com a constituição biológica e cerebral do infante? O que são considerados métodos eficazes em nossa sociedade? Qual a eficácia de métodos punitivos, da violência física, psicológica, chantagens? São realmente métodos eficazes? Existem métodos eficazes? Se existem, quais são realmente os métodos eficazes? Qual o parâmetro de eficácia de um método? Obediência? Felicidade e autoconhecimento do ser humano em desenvolvimento? Funcionalidade?

 

Os caminhos são vastos, por isso precisamos ir aos poucos. A Matrix está pronta para ser desconstruída, mas não sem muitos estranhamentos internos e externos a nós.

 

O Córtex Pré-Frontal (CPF) do cérebro


 Fonte²: @clickneurons

 

O Córtex Pré-Frontal, ao qual passarei a me referir como CPF, é a parte do nosso cérebro, que regula nossas emoções e nosso comportamento social, interfere em diversas funções executivas e cognitivas, como tomada de decisões, controle inibitório (“capacidade de controlar impulsos, pensamentos ou comportamentos inadequados ou irrelevantes”).

 

Por exemplo, quando eu encontro um objeto de desejo, mas descubro que não tenho poder (geralmente aquisitivo) para tê-lo, é meu CPF que me faz manter a compostura social - e sair da loja sem cair aos prantos devido à minha profunda frustração. O CPF se desenvolve de forma gradual, e sabe quando ele completa seu processo de maturação? Quando temos em torno de 20 a 28 anos!

 

Acompanhe na imagem a seguir a evolução desta área regulativa, meditando no serumaninho³ que possui este cérebro. As funções executivas e cognitivas ainda estão se formando durante a infância e a adolescência, porquanto o CPF ainda está se desenvolvendo. Vejam que mesmo no cérebro do jovem adulto esta área ainda está completando sua formação.


Fonte²: @clickneurons

 

Como exigir que uma criança em sua Primeira Infância⁴ (até os 6 anos) e Segunda Infância (até a puberdade) tenha total controle sobre suas emoções e comportamentos sociais? Como uma criança pequena não sofrer desesperadamente por não ter recebido seu colorido e chamativo algodão-doce ou por ter derrubado seu sorvete (para um adolescente considere a situação de não ir àquela festa em que “todo mundo vai”)? Sorvete este que derrubou porque tal criança também está ainda desenvolvendo suas capacidades executivas, e aprendendo a lidar com as implacáveis Leis da Física (a fase da adolescência também tem suas terríveis peculiaridades cerebrais nas quais poderemos nos aprofundar bem mais à frente).

 

Seu corpo, controlado pelo cérebro sem capacidade inibitória desenvolvida, não sabe o que fazer. Não é proposital se ela chora, berra, se joga no chão, quebra algo, morde, chuta ou bate (vamos falar sobre a agressão física dos pequenos também depois). Acredite: ela está em sofrimento. Um sofrimento real, do tamanho da dor por você não encontrar seu carro (que não estava no seguro) onde você estacionou pois foi roubado, cheio de pertences valiosos dentro. É assim que o cérebro de uma criança traduz suas dores sem o CPF para lhe ajudar a processar de forma “socialmente” sensata. Para ela, o sorvete é mais prazeroso imediatamente que o carro. Não a culpe se para ela é tudo igual. A Biologia a faz assim. 


 

O CPF estabelece uma séria de importantes conexões com outras regiões do cérebro essenciais para a aprendizagem. Não adianta gritar “eu já lhe disse um milhão de vezes para vc não fazer isso e você continua fazendo!”. Não se trata de repetições, de ser mais “firme” ou punir. Se trata de capacidades. E quanto mais estressante for a situação (como com aumento do tom de voz, agressividade, repreensões, castigos e punições) na verdade mais difícil será o aprendizado. É preciso calma e conhecimento. Entender que a criança não está fazendo para “te pirraçar”. Não leve para o lado pessoal.

 

Vou dar um exemplo que talvez facilite o nosso olhar sobre a situação: imagine que ao invés de uma criança você tem à sua frente uma pessoa idosa, cujo cérebro está se degenerando. Como você agiria se ela derramasse um copo de suco na mesa, ou subisse na sua poltrona preferida? Pense que talvez ele apenas não conseguiu equilibrar o copo enquanto seu cérebro e músculos já focavam em outra coisa. Ou se imaginavam no topo de seu castelo.                     Vejam, não estamos falando de permissividade, mas de compreensão da situação para melhor sabermos lidar com ela. O cérebro da criança por vezes ainda não desenvolveu, ou está completamente treinando, para determinadas situações, numa comparação aproximada do cérebro idoso que já teve estas capacidades mas as esta perdendo.

 

Cabe a nós, cuidadores e educadores (e qualquer adulto que queira se meter neste assunto) guiarmos estes seres em desenvolvimento de forma séria, comprometida, amorosa (sim, porque isto também interfere no desenvolvimento cerebral e pleno da criança), incluindo, vendo e ouvindo socialmente e com respeito os serumaninhos com suas peculiaridades, limitações, potencialidade de aprendizagem, e não apenas para terem comportamentos “convenientes” e não serem um “incômodo” à vida pessoal dos adultos à sua volta.

 

Por ora, é o que deixo para vocês digerirem até o próximo texto. Até lá, observem com respeito e curiosidade o comportamento dos pequenos. Nada é por acaso. E lembrem: O jogo só vale quando todas as partes puderem jogar”¹. Inclusive as crianças e adolescentes. “Sou mulher, sou preta, essa é minha treta”¹, me deram espaço e eu vou falar.

 

Axé e Até.

Áurea Añjaneya

 

__________________________________________

¹ Fonte: Música “Não Precisa Ser Amélia”, de Bia Ferreira.

³ Termo cunhado nas redes sociais por @ser.hena

Ministério da Saúde

Primeira Infância⁴: A primeira infância é o período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança. São nos primeiros anos de vida que ocorrem o amadurecimento do cérebro, a aquisição dos movimentos, o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, além da iniciação social e afetiva. Estudos mostram que quanto melhores forem as experiências da criança durante a primeira infância e quanto mais estímulos qualificados ela receber, maiores são as chances de ela desenvolver todo o seu potencial. Pesquisas têm demonstrado que essa fase é extremamente sensível para o desenvolvimento do ser humano, pois é quando ele forma toda a sua estrutura emocional e afetiva e desenvolve áreas fundamentais do cérebro relacionadas à personalidade, ao caráter e à capacidade de aprendizado.

 

Esse processo continua ao longo do tempo, moldado pelas experiências positivas ou negativas vividas e compartilhadas, principalmente com seus pais, parentes e cuidadores em geral. Por isso, a proteção é essencial: problemas graves logo no início da vida, como violência familiar, negligência e desnutrição, podem interferir no desenvolvimento saudável do cérebro. Por outro lado, o estímulo adequado gera benefícios, que vão desde o aumento da aptidão intelectual, que favorece o acompanhamento escolar e diminui os índices de repetência e evasão, até a formação de adultos preparados para aprender a lidar com os desafios do cotidiano.



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19 Comments

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Guest
Jan 14
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🤍

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Guest
Jan 09
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Parabéns pelo texto.Tudo tem de acontecer no seu tempo e na dosagem certa.Todo ser humano é único com características que tem ser respeitadas, acolhidas e vistas com os olhos da alma.

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Guest
Jan 08
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Adorei, a sociedade do mundo inteiro, deveria lê esse texto maravilhoso, assim teríamos adultos saudáveis e quem sabe um mundo muito melhor!

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Guest
Jan 07
Rated 5 out of 5 stars.

Incrível! Assunto extremamente necessário.

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Guest
Jan 07

Tema muito importante. Cada ser humano, é único. Daí a importância de se respeitar o tempo de absorvição e de aprendizado, de cada um. Parabéns, pelo texto/estudo.

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