CAMPANHA DO “NÓS X ELES” CAMUFLA A FALTA DE CLAREZA SOBRE A QUALIDADE DO GASTO
- Miguel Pereira Filho

- 8 de jul.
- 4 min de leitura

Nas últimas semanas, o embate entre o governo Lula e o Congresso em torno do aumento do IOF tornou-se o epicentro de um debate que, malgrado a urdidura para pôr fim à democracia, lançou luz sobre uma questão essencial: a justiça tributária no país, ainda que obscurecida por uma retórica que mais confunde do que esclarece.
Contudo, é importante tirar Maquiavel da gaveta, afastar as brumas do voluntarismo em torno desse embate e deixar claro que, por trás da propaganda governista que mirou sua artilharia contra o Legislativo, não há qualquer esforço real em tributar os mais ricos. O embolorado discurso da luta de classes esconde, na verdade, um pragmatismo fiscal. Sendo um imposto sobre operações financeiras, o IOF incide tanto sobre quem envia capital ao exterior quanto sobre qualquer cidadão que utilize cartão de crédito para compras do cotidiano.
Não nos esqueçamos de que a terceira experiência lulista na presidência, contrariando o discurso da “picanha e cerveja”, impôs às classes mais pobres o famigerado imposto sobre as blusinhas e, numa proposta para lá de suspeita, chocava um ovo de jabuti que pretendia monitorar movimentações bancárias de quem tivesse renda mensal superior a cinco mil reais. À época, o argumento era apenas o de “observar transações suspeitas”, mas jamais identificar possíveis contribuintes da Receita Federal. Ok. Como diz o grupo de pagode Sorriso Maroto: “fica combinado assim”.
A iniciativa do Palácio do Planalto em torno da majoração do IOF visa, tão somente, aumentar a arrecadação e viabilizar a recondução do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder em 2026 – seja por Lula, seja por Haddad –, o que, tomando como base a inflexão de postura do mais tucano dos petistas, parece ser o mais provável. E não há mal nenhum nisso. Afinal, políticos não se elegem para fazer política: fazem política para se eleger.
Por isso, a necessidade de arrecadação se torna tão imperativa que se desvia o IOF de sua finalidade original, projetando um aumento de receitas da ordem de R$ 20 bilhões para 2025 e quase o dobro em 2026. Tal movimentação não ocorre no vazio: as contas públicas brasileiras vivem situação dramática. A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) do Congresso Nacional já alertou que, caso o atual modelo não seja reformado, o próximo presidente poderá encontrar um orçamento com despesas discricionárias reduzidas a zero.
Embora seja difícil encontrar um cidadão médio (daqueles que não pedem intervenção de OVNIs, mas que também não acham que o pronome neutro seja a principal urgência do país) que negue a importância de um salário mínimo valorizado, capaz de atender às demandas das classes trabalhadoras, hoje, mais do que nunca, é necessário discutir seriamente a revisão constitucional dos gastos obrigatórios. Sim, o tema é polêmico – e compreendo que, ao tornar obrigatórios os percentuais mínimos para áreas como saúde e educação, o constituinte visava garantir a manutenção de investimentos essenciais, sobretudo para as camadas mais pobres.
Entretanto, o cenário exige reformas que não se limitem ao corte puro e simples de despesas. É preciso mirar nos privilégios. Os chamados supersalários – que ultrapassam o teto constitucional e são impulsionados por penduricalhos como auxílio-moradia e verbas indenizatórias – ainda consomem bilhões dos cofres públicos, sem retorno proporcional em qualidade do serviço prestado. Aliás, as grandes de juízes, promotores e militares compõem as principais distorções quando pensamentos na Previdência.
Nesse sentido, propostas como a desindexação orçamentária, por sua vez, aparecem possibilidades promissoras, ao permitir que os próximos governos não estejam amarrados à inflação em todas as rubricas, devolvendo a possibilidade de que o gasto possa ser direcionado com maior eficiência. Medidas como a correção com base em critérios socioeconômicos, como variações do PIB per capita, fortaleceriam o vínculo entre política fiscal e justiça social. Mas a sensação que fica é a de que se abandonou o debate político, adotando gatilhos que esvaziam a racionalidade da maneira que devamos gastar.
E o que torna tudo mais trágico, é que esse debate está interditado por forças que, de lados opostos, compreendem que a discussão sobre tributos e racionalidade de gastos envolve a depredação total de políticas sociais, ou então para uma austeridade que só serve para dar às elites brasileiras tudo o que elas mais gostam: desprezar as camadas mais baixas da população, vide a propaganda tacanha contra o Bolsa-família, que incentivaria o aumento de filhos para receber benefícios, sendo que o que há hoje é uma tendência de diminuição no número de crianças nascidas.
Portanto, a disputa entre “nós” e “eles”, alimentada por discursos apaixonados de parte a parte, tem servido mais para camuflar a falta de clareza sobre o uso dos recursos públicos do que para resolvê-la. Em vez de polarizações performáticas, o que se espera é que governo e Congresso tenham coragem de enfrentar o real problema: o desequilíbrio estrutural entre o que se arrecada, o que se gasta e o que se deveria priorizar. No fim das contas, não é a retórica da guerra política que ameaça o país, mas a covardia diante das reformas que realmente importam.
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Link para a imagem: https://www.irancartoon.com/site/daily/cartoon/poverty-pawel-kuczynski-poland-2
Referências:
CNN Brasil. Reforma administrativa e supersalários. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/reforma-administrativa/. Acesso em: 8 jul. 2025.
FOLHA DE S. PAULO. Reforma vai além de cortar supersalários. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/10/. Acesso em: 8 jul. 2025.
PAIVA, L. H. Avaliação da qualidade do gasto público no Brasil: um estudo de caso do Ministério do Trabalho. Revista do Serviço Público, v. 65, n. 2, p. 195–216, 2014.



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